quarta-feira, março 05, 2008

CRÔNICA DE AMOR



Imagem: Mulheres musicais, de Ana Kaminski.

QUANDO QUEM MANDA É O AMOR

Luiz Alberto Machado

Vai a vida e nem aí. Tudo vai meio insosso, meia boca, tudo bem. Tudo sem sobressaltos, sem atropelos, até à toa e nos conformes, escorrendo na calha do racional, nem insinuando qualquer saída dos trilhos das metas ao alvo determinado. E é nessa hora que a gente se acha seguro, na certeza de que nunca mais definhará ou se submeterá ao estrupício de qualquer paixão. Ledo engano. Nada como uma noite entre um dia e outro para provar que, do inopinado, tudo se vira de pernas pro ar. Aí, segurar o tranco é que são elas, força redobrada no braço, pulso firme, punho determinado.
De nada adianta quando quem manda é o amor, nada mesmo. Basta rolar um clima que ninguém, mas ninguém mesmo, sabe de onde vem, onde se escondia ou de que raio de lugar chega a eclodir. E rola mesmo assim, do nada. Só se sente o flagra quando toca uma daquelas canções na pele da alma, como a do João Bosco, que diz "(...) o amor quando acontece a gente logo esquece que sofreu um dia...". Isso apenas só um olhar nada pretensioso que cruza sorrateiro na exaltação do flerte e traz o arrepio no corpo atravessando toda espinha dorsal. Chega com um frio no plexo solar minando o coração e acedendo a libido. Nessa hora as idéias dão um nó e seja lá o que deus quiser.
Mesmo assim, tudo é percebido como nada demais, levando a crer que vai se sair ileso: é só para ficar, mais nada. Nada o quê? Compelido pela imantação dos seres, vem surgindo devagar àquela revolução no peito que de tão estrondosa não se sabe bem o que é, mas que desarruma tudo a ponto de se desejar ardentemente estar ao lado daquela pessoa que vira tudo dos pés à cabeça.
Na maior desorganização o desgoverno reina na convergência dos olhares, na timidez insinuada, no encontro agradável aonde cada um vai se surpreendendo mais com o outro, uma gentileza infinita, uma identificação exaltada. E quando dar fé, nossa, um talqualzinho o outro, quanta coincidência, hem?
Pois é, mesmo nem sendo tão parecidos assim, tudo se inclina pro estreitamento no conluio dos afetos. É que no terreno do amor um passa a ser o outro e vice-e-versa, a viver pelo outro, a fazer tudo pelo outro, desmedidamente. Os dois passam a ser um: a unidade dos sentimentos. Isso sem contar com o febril perfume que vai incentivando aquele desejo desenfreado no mel da paixão avassaladora, acendendo a volúpia possante que desemboca num sim pro namoro das almas desgarradas. É aí que se perde a noção de si em mil ternuras que explodem demonstradas, milhões de carinhos dedicados, zis encantações afloradas, tudo em nome da entrega absoluta dos quereres mais arraigados. É o amor e quando ele reina não há espaço para mais nada. Ah é o amor na vez do seu domínio e com ele vem a febre do desejo ardendo, o fogo da paixão atiçando, os corpos pelando na combustão amorosa, tudo levando a saciar carências sedentas para satisfação do prazer de todas alucinações. Por causa dele, o sol brilha mais veemente, a vida é mais espetacular, o mundo passa a merecer a razão de se estar vivo, o universo é uma mera distância que exalta a infinitude do idílio, a natureza é o palco para a real felicidade.
Amar, por isso, é o sentimento mais sublime de comunhão humana. É nele que tudo é vivo, tudo é verdadeiro, tudo é a mais real manifestação verdadeira de vida.

© Luiz Alberto Machado. Direitos reservados.

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