segunda-feira, junho 02, 2008

LITERATURA BRASILEIRA



LITERATURA BRASILEIRA – BARROCO – SEC. XVII
O barroco, segundo Assis Brasil, é um estilo de época, predominante na península ibérica no séc. XVII. A expressão era usada em reação à pintura, escultura e arquitetura dos séculos XVII e XVIII. Só muito mais tarde a critica literária se interessou em estender à literatura os preceitos do barroco, um estilo dinâmico, livre, imaginativo. Para Carpeau, as características barrocas estão no heroísmo exaltado e no estoicismo melancólico, na religiosidade mística ou hipócrita e sensualidade brutal ou dissimulada, representação solene e crueldade sádica, linguagem extremamente figurativa e naturalismo grosseiro. Adotado inteiramente na Europa, este estilo era desenvolvido nos centros de importância cultural do Brasil, como Salvador, Rio de Janeiro e Recife-Olinda, onde se distingue em relevo a continuação da prosa informativa e histórica, da oratória religiosa e do centro jesuítico erudito cultivados nos colégios da companhia, além da poesia.
No estilo barroco há uma característica predominante: o escritor usa expressões latinas e mitológicas, e certos vocábulos difíceis. As coisas nunca são ditas diretamente, mas de forma alusiva, com sutileza e trocadilhos. Tanto a prosa como a poesia são cultivadas na fase barroca brasileira, e o Padre Antonio Vieira, através de sua oratória religiosa, cujo sermonário era voltado para o Brasil, além da influência geral que exerceu na época, é considerado o mestre da época seiscentista. Também na crônica frei Vicente do Salvador, com a Historia do Brasil (1627), Simão Vasconcelos, com a Crônica da Companhia de Jesus (1663) e a Vida do venerável padre José de Anchieta (1672), e Ambrosio Fernandes Brandão, com os Diálogos das grandezas do Brasil (1618), numa linha nativista de reconhecimento e defesa dos interesses da terra.
Quanto ao tema, o Barroco valoriza a experiência humana e acentua a contradição entre a vida e a morte. A vida é transitória, a beleza física passageira, a felicidade é apenas um aceno longínquo. Mas a bondade suprema de Deus é reconhecida, ele redime as fraquezas humanas. A poesia barroca exalta ainda o amor e o sentimento religioso, o que caracteriza bem a poesia de Gregório de Matos Guerra. Também é o momento de Manuel Botelho de Oliveira e frei Manuel de Santa Maria Itaparica, conhecidos como poetas pela poesia de inspiração nativista, na linha do louvor dos aspectos e recursos naturais da terra, espécie de retrato complexado do Brasil-colônia em confronto com Portugal colonizador.

GREGORIO DE MATOS GUERRA - Gregório de Matos Guerra (1623-1696) é, para muitos, o verdadeiro iniciador da literatura brasileira. Como um dos primeiros poetas brasileiros, sua obra sobreviveu manuscrita sendo a confrontação das duas grandes contradições surpreendidas no lírico e no satírico, voltado para a critica e a agressão ferina, às vezes de autolamentação, aos costumes, hábitos e individualidades de sua época, compondo um retrato amplo de Salvador da segunda metade do séc. XVII, inclusive do Recôncavo Baiano, onde se desenvolvia a economia do açúcar. Também sua obra é vista como uma manifestação da época, objetiva e documental, exaltando o amor carnal e platônico, destacando-se na sua poesia a beleza das mulheres. Seu estilo variado, desde satírico, lírico, amoroso e religioso demonstra a tradição da poesia quinhentista portuguesa, de Camões, mais a influencia preponderante do Barroco espanhol com Lope de Veja e Quevedo. Sua sátira em versos cortantes atinge grandes e pequenos, e acaba sendo perseguido e destituído de suas funções de vigário-geral e tesoureiro-mor, nomeações que havia conseguido através de D. Gaspar Barata. Sua fama, inicialmente foi de caráter local, com a obra inédita ou espalhada por inúmeras publicações, inclusive alguns poemas sem assinatura. Segundo Assis Brasil, tido como canalha ou gênio, o Boca do Inferno é responsável pelo primeiro momento alto da poesia brasileira, praticamente na época de sua origem e formação. Um barroco por excelência, segundo os críticos, quer na poesia lírica ou religiosa, sendo a sua obra de temas pendulares, como o amor platônico e devasso, o pecado e a pureza, a boemia e o moralismo. Critico mordaz da sociedade, foi reconhecido pelo padre Antonio Vieira, que fez paralelo entre os seus Sermões e a Sátira de Gregório de Matos, como instrumentos de critica.
Segundo Ronald de Carvalho, foi Gregório de Matos o primeiro jornal brasileiro, onde estão registrados os escândalos miúdos e graúdos da época, os roubos, os crimes, os adultérios e até as procissões, u aniversários e os nascimentos que ele tão jubilosamente celebrou nos seus versos.

SONETOS DE GREGÓRIO DE MATOS GUERRA

Um soneto começo em vosso gabo;
Contemos esta regra por primeira,
Já lá vão duas, e esta é a terceira,
Já este quartetinho está no cabo.
Na quinta torce agora a porca o rabo;
A sexta vá também desta maneira,
Na sétima entro já com grã canseira,
E saio dos quartetos muito brabo.
Agora nos tercetos que direi?
Direi, que vós, senhor, a mim me honrais,
Gabando-vos a vós, e eu fico um rei.
Nesta vida um soneto já direi,
Se desta gora escapo, nunca mais,
Louvado seja deus, que o acabei.

A Deus vão pensamento, a Deus cuidado,
Que eu te mando de casa despedido,
Porque sendo de uns olhos bem nascido,
Foste com desapego mal criado.
Nascentes de um acaso não penado,
E cresceu-te um olhar pouco advertido,
Criou-te o esperar de um entendido,
E às mãos morreste de um desesperado:
Ìcaro foste, que atrevidamente
Te remontaste à esfera da luz pura,
De donde te arrojou teu vôo ardente.
Fiar no sol, é irracional loucura,
Porque neste Brandão dos céus luzente
Falta a razão, se sobra a formosura.

Não vi a minha vida a formosura,
Ouvia falar nela cada dia,
E ouvia e me incitava, e me movia,
A querer ver tão bela arquitetura.
Ontem a vi por minha desventura
Na cara, no bom ar, na galhardia
De uma mulher, que em anjo se mentia,
De um sol, que se trajava em criatura.
Me matem (disse então vendo abrasar-me)
Se esta coisa não é, que encarecer-me
Sabia o mundo, e tanto exagerar-me
Olhos meus (disse então por degender-me)
Se a beleza hei de ver para matar-me
Antes, olhos cegueis, do que eu perder-me.

Corrente, que do peito desatada
Sois por dois belos olhos despedida,
E por carmim correndo despedida
Deixais o ser, levais a cor mudada.
Não sei, quando caís precipitada
As flores, que regais, tão parecida,
Se sois neves por rosa derretida,
Ou se a rosa por nove desfolhada.
Essa enchente gentil de prata fina,
Que de rubi por conchas se dilata,
Faz troca tão diversa, e peregrina,
Que no objeto, que mostra, e que retrata,
Mesclando a cor purpúrea, e cristalina,
Não sei, quando é rubi, ou quando é prata.

Do prado mais ameno a flor mais pura,
Que em fragrâncias o alento há desatado,
Hoje a fortuna insípida há roubado
A pompa, o ser, a gala, a formosura.
Flor foste, ó conde, a quem a desventura
Por decreto fatal do iniquio fado
Quis dar-te como flor do melhor prado
Tumba do mar, nas águas sepultura.
Porque menos decente o monumento
Poderias achar no infeliz caso
De ver extinto tanto luzimento.
Por magnânimo herói no final prazo
Somente na extensão desse elemento
Terias como sol decente ocaso.

Anjo no amor, Angélica na cara!
Isso é ser flor e anjo juntamente;
Ser Angélica flor e anjo florescente,
Em quem, senão em vós, se uniformara?
Quem vira uma tal flor, que a não cortara
Do verde pé, da rama florescente;
E quem um anjo vira tão luzente,
Que por seu Deus o não idolatrara?
Se pois, como anjo sois dos meus altares
Fores o meu custódio, e a minha guarda
Livrara em de diabólicos azares.
Mas vejo que por bela e por galharda,
Passo que os anjos nunca dão pesares,
Sois anjo que me tenta e não me guarda.

Largo em sentir, em respirar sucinto
Peno, e calo tão fino, e tão atento,
Que fazendo disfarce do momento
Mostro, que o não padeço, e sei, que o sinto.
O mal, que fora encubro, ou que desminto,
Dentro no coração é, que o sustento,
Com que para penar é sentimento,
Para não se entender é labirinto.
Ninguém sufoca a voz nos seus retiros;
Da tempestade é o estrondo efeito:
Lá tem ecos a terra, o mar suspiros.
Mas oh do meu segredo alto conceito!
Pois não me chegam a vir à boca os tiros
Dos combates, que vão dentro do peito.

Triste Bahia! Oh quão dessemelhante
Estás, e estu do nosso antigo estado!
Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,
Rica te vejo eu já, tu a mi abundante.
A ti tocou-te a maquina mercante,
Que em tua larga barra tem entrado
A mim foi-me trocando, e tem trocado
Tanto negócio, e tanto negociante.
Deste em dar tanto açúcar execelnte
Pelas drogas inúteis, que abelhuda
Simples aceitas do sagar Brichote.
Oh se quisera Deus, que de repente
Um dia amanheceras tão sisuda
Que fora de algodão o teu capote!

Tristes sucessos, casos lastimosos,
Desgraças nunca vistas, nem faladas,
São, ó Bahia, vésperas choradas
De outros que estão por vir mais estranhosos:
Sentimo-nos confusos, e teimosos,
Pois não damos remédios às já passadas,
Nem prevemos tampouco as esperadas,
Como que estamos delas desejosos.
Levou-nos o dinheiro a má fortuna,
Ficamos sem tostão, real nem branca,
Macutas, correão, novelos, molhos:
Ninguém vê, ninguém fala, nem impugna
E é que, quem o dinheiro nos arranca,
Nos arrancam as mãos, a língua, os olhos.

Sete anos a nobreza da Bahia
Serviu a uma pastora indiana, e bela,
Porem serviu a Índia, e não a ela,
Que à Índia só por premio pertencia.
Mil dias na esperança de um só dia
Passava contentando-se com vê-la:
Mas Fr. Tomás usando de cautela,
Deu-lhe o vilão, quitou-lhe a fidalguia.
Vendo o Brasil, que por tão sujos modos
Se lhe usurpara a sua dona Elvira,
Quase a golpes de um maço, e de uma goiva:
Logo se arrependeram de amar todos,
E qualquer mais amara, se não fora
Para tão limpo amor tão suja noiva.

FONTES:
BANDEIRA, Manuel. Noções de história das literaturas. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1940.
BRASIL, Assis. Dicionário pratico de literatura brasileira. Rio de Janeiro: Tecnoprint, 1979.
______. Vocabulário técnico de literatura. Rio de Janeiro: Tecnoprint, 1979.
CARPEAUX, Otto. Pequena bibliografia critica da literatura brasileira. Rio de Janeiro: Tecnoprint, 1979.
CARVALHO, Ronald. Pequena história da literatura brasileira. Rio de Janeiro: F. Briguet, 1955.
COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura brasileira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.
DIMAS, Antonio (Coord). Gregório de Matos. São Paulo: Abril, 1981.
FERREIRA, Pinto. Historia da literatura brasileira. Caruaru: Fadica, 1981.
LIMA, Alceu Amoroso. Introdução à literatura brasileira. Rio de Janeiro:Agir, 1956.
LITRENTO, Oliveiros. Apresentação da literatura brasileira. RJ/Brasilia: Forense/Universitária/INL, 1978.
MARTINS, Wilson. A literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1967.
MIRANDA, Ana. Boca do inferno. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
ROMERO, Silvio. História da literatura brasileira. Brasília: INL, 1989.
SODRÉ, Nelson Werneck. História da literatura brasileira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976.

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