quinta-feira, janeiro 29, 2009

POETAS DO RIO DE JANEIRO



MARCELO ARAUJO BASTO

ÁGUAS SALOBRAS

Uma naufragada Nau
Tristemente oblíqua dorme.
(Entre espaços abissais)
Pois que ainda lhe tremula,
s-e-r-e-n-a-m-e-n-t-e agitada
por turvas águas salobras,
a bandeira se esgarçando
lá no mastro principal.
Segue em crônico silêncio
quebrado pelo ranger
dos entes da Morte vil,
afogados pela mágoa
desde o princípio de tudo.
Tudo em ruínas.
Tudo em escombros.
Tudo inerte e escuro, tudo
sob um limo espesso e denso
aonde o Tempo nunca chega.
...minha Solidão repousa
Nessa naufragada Nau...

GÊNESIS

No primeiro dia,
Fiat lux.
Alguns depois
Surge o Homem.
A mulher, da costela.
Depois disso, disse Deus:
-Seja feito o Amor.
E de lá pra cá,
Só desassossego...

SALVE LINDO PENDÃO

No mastro erguido
dum pavilhão qualquer,
vejo uma bandeira
que não mais tremula.
Uma flâmula triste...
Um pedaço de pano murcho
num tom verde pálido. Plácido. Patético.
Cujo tecido, já esgarçado,
não brilha.
Um lábaro broxa,
largado ao esquecimento.
Antipatriótico símbolo
que reflete bem sua Pátria.
Uma pátria apática,
de poucas convicções
e cheia dum sedentarismo ideológico
que cega os pontos de vista
e dá preguiça às mudanças.
Uma bandeira no mastro
como vela numa embarcação
que já sem vento
segue, agora a esmo,
ao sabor da correnteza.

NATIMORTO

um sol preguiçoso
surge sem vontade
meio abobado
na abóbada
e não raia a vida
da madrugada...
um sol distante
um sol alheio
um sol funcionário público
sem compromisso
meio de costas
sorrateiro
postiço
um sol minguante
um sol descentrado
frio, frouxo, fraco
omisso
um sol sozinho
soçobrado
e sem personalidade
e sem identidade
fora da eclíptica...
um sol que de tão estranho,
não poderia ser o Sol!
sua carruagem rutilante,
conduz pachorrento,
estranho e absorto,
enquanto conta as horas
pro fim do expediente
pro fim da jornada
donde depauperado
porá fim à sua sina
e quem fitar agora o fiasco
desse céu lusco-fusco
verá a pálida cara dum deus triste
dum deus cansado, em agonia
verá um astro-rei morto
verá um astro-rei posto
verá a tristeza deste dia...

CAMINHO SEM VOLTA

No Hades, a morte:
Destino comum.
Na Vida saudades
E pequenos bons momentos.
- Não adies a Felicidade...

A LA CARTE

Tilintar de talheres,
taças, bombonières,
saladas, menus, entradas,
cristais reluzentes
em meio a vozes
farfalhadas
na mesma intensidade
da música ambiente...
Pelo sabor da comida
degusto tua presença
e no vinho, a fragrância
do teu perfume
à meia taça
e à meia noite
à meia luz
amei a íris
dos teus olhos,
a la carte,
servida na brasa.

DESPETAR
(em São Paulo)

Sempre pela manhã
Um som de gerador
Vem deste prédio antigo
Um som maquinário
Grave, constante
Um som estridente, austero, intrigante...
Hoje não tenho mais dúvida:
Esse é o som das catracas do dia
Das engrenagens da vida
Sendo ligadas,
Postas em movimento
Enquanto a cidade
(São) paulatinamente
Vai despertando de seu sono...

FANTASMAS

Meus fantasmas não se escondem
na meia luz oculta das madrugadas,
com sons enigmáticos, no silêncio.
Não se revelam em sonhos tenebrosos
nem estão a me encarar
estatelados com cara insatisfeita e macilenta,
cicatrizes horrendas e olheiras,
num relance repentino,
pelos cantos de penumbra da casa.
Meus fantasmas não são vultos
não são vozes
não têm trilha sonora:
- Não assombram!
Não há mistério em meus fantasmas...
Posso vê-los a toda hora
A passarem por mim,
Sem sequer me notarem...
São apressados demais!
Os meus fantasmas,
eles não ligam minha tevê à noite
não piscam luzes
nem puxam meu pé quando me deito.
Não levam correntes...
São por demais peculiares...
E ficam assim, por aí,
Vivendo suas vidas póstumas...
Por estranho que pareça,
alguns usam gravatas
dirigem seus carros
se exercitam em academias,
freqüentam festas e boates.
E, por vezes, até esbarram em mim, pelas ruas,
Sem ao menos se desculparem...
E o mais esquisito de tudo,
e o que mais me pasma,
é que, às vezes, ao olhar para eles,
eu não sei mais dizer
quem de nós é o fantasma.

LUGAR QUE NÃO EXISTE

O lugar onde me encontro
Não é fácil de encontrar
É lugar que não existe
(não há mapa pra chegar)
Um quinhão de terra hostil,
O lugar onde me encontro.
Lugar inóspito, triste,
Onde mora o desencontro.
No lugar em que estou (longe)
Sofro na sofreguidão
De sentir-me um estrangeiro,
Um eremita, ermitão.
O lugar onde me encontro...
Não é fácil de encontrar
E se o longe não existe,
Não existe este lugar.

O MAR E O POESIA

O mar, a poesia vai envolvendo.
Sentimentos oscilam, balouçantes,
E em ondas calmas, vão e vêm ao vento
Apaziguando a vida dos amantes.
Do mar sai a poesia -como Vênus-
Que das brancas espumas vem serena
A Expungir uma densa bruma, e a nos
Redimir toda culpa, em forma plena.
A poesia e o mar navegam juntos
Por dentro dos poetas e dos loucos:
- Quanto mais o dilema for profundo
Tanto mais esse Mar se faz revolto.

MARCELO ARAUJO BASTO – o poeta carioca Marcelo Araújo Basto é .formado em Engenharia pelo IME e pós-graduando nível mestrado no mesmo Instituto, apaixonado pela Literatura Brasileira e Portuguesa, Psicologia e Filosofia. É atuante membro do Fórum do Guia de Poesia e é autor de várias publicações de artigos e trabalhos no âmbito técnico-acadêmico. Foi contemplado com menção honrosa no Prêmio Nascente de Poesia.

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