quinta-feira, setembro 11, 2008
POETAS DE PERNAMBUCO
BARTYRA SOARES
CENA 1 – VISÃO PANORAMICA DE CATENDE
Introduzo-me nas ores
Da manhã. Cabelos
Hasteados pelo vento
Voltam-se para o sul
E pra lá encaminham-se
As nuvens – imponderáveis
Ovelhas pelos pastos do verão.
Para lá dirigem-se
As minhas mãos. Não
As terei apaziguado
O meu medo se no poço
Da garganta arrítmica
Pulsar a minha voz.
Cotovias na exuberância
Do vôo as minhas mãos
Perpetuam-se num gesto
Que se contrai e logo
Se faz flor. Um gesto
De sombra e luz aprisionado
Para si a magia de ser
O segredo do seu próprio
Esboçar.
CENA 1 – ATO SEGUNDO – PAISAGEM DA SERRA DA PRATA
A serra recebe-me
Sem um esgar
O seu ventre de pedra
Gesta um filho
Que a faz imensa
E altiva. Um príncipe
De rosto ígneo
E vísceras de prata.
Um deus que nascerá
Certamente quando
No abismo do tempo
Não houver mais
Contagem
Incessante das horas.
CENA 2
Vejo a pedra
Que nas noites
Que se assemelham
Ao dia faz-se carruagem
De fogo e festa
E puxada por dragões
Alados
Lançam-se pelos céus da cidade
O seu interior
Leva uma deusa negra
De olhos liquidos
E cabelos anelados
De uma indescritível
Transparência azul.
CENA 3
Minhas mãos
São cântaros que saciam
A minha sede no poço
Aberto nas entranhas
Reconduzo-me às goiabeiras
E os cajueiros que me doam
Os frutos que teceram a manhã.
São mágicos os frutos
E a água da serra
Sempre fogem das mãos
De quem os tenta carregar
Para as veredas
De outras paisagens
(espadas silenciosas
Cruzam-se no ar
Sou o verso e o reverso
De um frito que se anuncia
E logo retrocede e cala).
CENA 4
Sobre os canaviais
A serra debruça-se
À distancia diviso
O Solar de Ouricuri
Onde o sol claro
Da manhã traça
Arabescos de luz
Nas amplas vidraças
Antes de penetrar
À sala e repousar
Nos cristais.
EPÍLOGO – CENÁRIO: NOVAMENTE A VISÃO DA CIDADE
Talvez eu pudesse
Presenciar o instante
Preciso do acasalamento
Sob o arco da ponte
Do comercio dos rios
Panelas e Pirangi
Não fosse a pressa
De meus pés de já agora
Levar-me para casa
E sem mais condescendências
Retiro-me das cores
Da manhã.
(Fundem-se
A permanência
E a temporalidade
Num momento de mim: serei).
CORO DAS SOMBRAS
Numa ciranda de ventos
O adulto se perdeu
De uma clareira do tempo
A criança ressurgiu.
Cicerones alados
Reconduziram-na à dança
Da esperança por caminhos acesos
E bailarinos passos.
Numa ciranda de ventos
O adulto se perdeu.
BARTYRA SOARES – a poeta, escritora e historiadora pernambucana, Bartyra Soares, escreveu seus primeiros poemas aos seis anos de idade publicados no suplemento infantil do Diario de Pernambuco. Pertence à Academia de Letras e Artes do Nordeste, colabora na imprensa pernambucana. Publicou seu primeiro livro em 1976, Enigma. Depois lançou Sombras consolidadas, em 1980. Premiada por várias de suas obras, os poemas selecionados são do livro “Da permanência e da temporalidade (um tempo de Catende)”.
FONTE:
SOARES, Bartyra. Da permanência e da temporalidade (um tempo de Catende). Recife: Bagaço, 1987.
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