sábado, dezembro 13, 2008
POETAS DE MINAS GERAIS
MARIA THEREZA NORONHA
VERSOS IMPLUMES
Pousa no papel, de leve,
A pluma de um verso imberbe.
Sem peso e sem gravidade
Ao vento flutua, incerto.
Não há mão que, firme, o empunhe
Nem há, certeira, a palavra
Que armá-lo em seus ossos possa
E a ele se prenda, escrava.
E a ele se agarre, invicta,
Nos expoentes da luta
E delineie o sentido
Que a maré vazante esboça.
E se vá emplumando em signos
Nas densas hastes do ritmo
E coreografe o minuto
Onde o verbo se faz carne.
Ah, que a palavra desate
O cativo, implume pássaro!
E nele exercite a arte
De livre voar, incólume,
E explodir, absoluto.
MARINHA
Três vezes atravessei
Mares de olhos gelados
Atrás do homem que amei.
Três vezes abriu-se o mar
E o futuro a mim foi dado
Entrever – e o reneguei.
O rosto em algas sulcado
À beira da praia vela
Vela o retorno do amado.
Três vezes ultrapassei
Geleiras nuvens tormentas
Atrás do homem que amei.
Ah que bem cedo voltasse
Que fosse visto, atracado,
À meia-noite, ao farol.
Que fosse visto, encantado,
Caminhando sobre as águas,
Braços abertos ao sol.
Três vezes agonizei
Gritando ao vento e ao relento
O nome do homem que amei.
ÁS SEIS DA TARDE
Às seis da tarde sempre morro um pouco.
Vou-me embora como dia. Mas, retorno
Para à noite tecer finas mortalhas
Onde me abrigarei – mas não tão cedo.
Pela manhã desperto cega e inflável
Dependendo do sopro e o espaço em torno.
Devagar, abro os olhos: e aos detalhes
Fluidos, olhar mais nítido concebo.
E face ao dia – colhê-lo ou carpi-lo?
Se um tanto tem de flor o outro de cinzas,
Desfolhá-lo, indecisa, ou despedi-lo?
Que tanto faz me traga as boas-vindas
Ou se esconda e ofereça-me em sigilo.
Às seis da tarde morreria à míngua.
MANHÃ EM AMSTERDAM
Alguém abriu a noite e disse: entra.
De dentro vista, a noite era mais densa.
No copo em chamas, uma estrela afogou-se.
A lua olhava as ruas e os canais.
Vento algum veio varrer para longe as carnais
Tulipas dos desejos.
A taça de conhaque.
O reconhecimento tácito nos olhos,
Nos poros,
Aturdida turista, me enterneço
Na curva desse lábio.
Não se é estrangeiro na concha acre e liquida:
Topázio ardente por onde flui a noite.
Alguém abriu o dia e disse: veja.
E eu vi as flores, a louça azul do céu, as espigas
De ouro dos cabelos. A praça Dam.
A liberdade no haxixe apregoado na esquina.
Os canais, os museus: Van Gogh, Rembrandt.
Mais distantes, os moinhos, os moinhos,
Girando braços, como amantes que se despedem.
E eu abri um arenque e bebi a manhã
Nos olhos primaveris de Amsterdam.
CANTILENA
Os ventres roem a noite:
É nossa e passa.
Eu límpida, você lâmpada
Que o dia embaça.
Eu ânfora, recôncava,
Devassa.
Você, recluso hospede
(sonham sombras na vidraça).
Na noite em que chegando:
O ouro, a raça.
Não sejam nuvens a espada
Nem se desfaça.
A noite rói-nos os ventres.
O amor? Chalaça.
Canta ao longe a cotovia,
A noite se despedaça.
O dia se veste rindo
E em seu rapto nos retraça.
Eu límpida, você lâmpada
Que o sol embaça.
FINEZAS
Afina as cordas do teu cello
Define o acorde, o tom exato.
De amor se fina uma donzela
E amor é flor de fino trato.
Se é fina a corda e rompe a verve
Confina o medo que te habita.
Só desafina o que não serve
À fina flor dos sibaritas.
Vem refinada e com nuanças:
O aprendizado é prata fina.
Saber pular conforme a dança
Polir da adaga a ponta fina.
CRUZADAS
Cruzei palavras com o vento.
Suspiros e folhas secas
Vieram na horizontal
Desinências, dissonâncias
Na vertical
Sussurros e amendoeiras
Sopraram em diagonal
Anáforas e amor-perfeito
Na transversal.
Cruzei palavras ao vento.
Vieram textos canônicos
Na vertical
Pássaros brancos em bando
Na horizontal
Sonetos camonianos
Na original
E sapos bandeirianos
No carnaval.
Cruzei palavras com o vento.
Cartas Chilenas chegaram
Na horizontal
Castroalvinas flutuantes
Espumas na vertical
Sermões de Padre Vieira
No areal
Machado de Assis é Aires
No memorial.
Com o vento cruzei palavras.
Vieram folhas em branco
Na vertical
Vagas estrelas da Ursa
Na horizontal
A roca sem fuso ou uso
No vendaval
E um poema esfacelado
Na marginal.
VENCEDOR
Palavras que se caçam por minuto
Vezes que o verso mal flutua à tona.
A mão vadia traz, de estranha zona
Quinquilharias nuas de atributo.
Rútilo, o verso algum momento assoma
Cortante como o aço, agreste, enxuto.
Seja oráculo, arauto, prostituto,
Um floco ao mar, um floco à terra. Toma-o.
E inda que não triunfe, aposta a chama
De que se nutre. Aposta na dezena
De tons, disfarça a voz, reverte o tema
Que lhe entreabre artérias rumo ao drama:
Vencedor implacável, o poema.
PLANICIE
Para fazer um poema sobre o amor
Mando buscar as antíteses:
Fogo e neve, noite e dia,
E quanto mais do amado estou distante
Mais presente revive a cada instante.
Para fazer um poema sobre o amor
Busco as areias desertas e os jardins
As praças sitiadas e os jardins
As idéias afins e as antagônicas
As margens prazerosas e as agônicas.
Toda verdade anterior, submersa.
Submersos os olhos e as metáforas..
O que agora começa vem pousado
Na ferrugem do verso, vem pausado
Alternando o que é peso e o que é leveza
Barafunda e singeleza.
Para os grandes amantes o amor trágico
o antropofágico
o meu seja singelo. Amor singelo.
E quanto mais em planície me transforme
Mais sinta o pé sem peso em meu contorno.
DIA DO POETA
O dia do poeta acende a sala
De palavras: antena outro tâmara
Todas compondo a egregora que a rama
Dos anos vai tecendo em fina opala.
O dia do poeta acende a fala:
Imagens abrem frestas sobre o tema.
E pouco importa a chama seja efêmera
Se eterna é a poesia onde se cala.
À flor do dia luminosa esteira:
Vão chegando Drummond, Vinicius, Mario,
Jorge de Lima, Cecilia, Bandeira.
Sentam-se à mesa dos eternos topos.
Colhem o dia, acordam o tempo vário.
E, como Mallarmé, batem os copos.
SAFRA
Noturna flor do amor senil
Surpresas pétalas agitar
Há-de.
Se antigos os gerânios, abril
Depois de março as asas abrirá
Qualquer
A idade.
E na curvatura juvenil
- estreito anel que dilatados olhos
Alargam – há algo mais sutil
Que saudade.
Onde recomeça ou acaba
Das amoreiras o tempo febril,
Quem sabe?
Noturna rosa desarma o ardil
Do sentimento onde buscava
A chave.
Uma onde se esconde o vinho mil
Vezes cultivado e de orgulhosa
Safra.
MARIA THEREZA NORONHA – Maria Thereza Belisário de Noronha, mineira de Juiz de Fora, radicada no Rio de Janeiro, formou-se em Direito, trabalhou no BNH e na CEF. Poeta, estreou em livro em 1990, com A face na água. É autora dos livros "Pedra de limar" (1993), Ed. de Minas; "A face dissonante" (1995), Oficina do Livro Editora; e "Alaúde" (2001), parte do livro "Poesia em três tempos", Ed. Bom Texto. Participou de varias antologias e conquistou alguns prêmios em concursos de poesia. Integrou durante algum tempo o Conselho Editorial da Oficina do Livro Editora. Publicou ainda "O verso implume", Oficina do Livro Editora - Rio de Janeiro (RJ), 2005. Os poemas reclhidos aqui são do livro "50 poemas escolhidos pelo autor", Editora Galo Branco, 2008.
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