quinta-feira, março 27, 2008

POETAS DE MINAS GERAIS



JULIO POLIDORO

O LOUCO

Quem anotou a história
Olvidou João-sem-nome
Aquele que vimos todos
E dissemos: pobre!
Esquecido no átrio da antifábula
Tornou-se menestrel
Fez-nos rir pois
Nos sentimos inseridos
Em outra trama
Que o exclui
Mas ele, o louco,
Roteiro mais cruel
Subverte o calhamaço oficial
Reescreve o mundo
Em tom carmin

MUITAS VOZES GRITAM DENTRO EM MIM

Muitas vozes gritam dentro em mim
E quase nenhuma me seduz.
Escavo feridas, carne em pus,
Tanta negação e tanto sim.
De não ter ido embora agora vim
A tatear da sombra alguma luz,
Em alcançar a meta me dispus:
Acerco-me do meio, não do fim.
Quisera ter tangido, sem embargo,
O verbo que procuro, de um só trago
E que dissesse mais que sim ou não.
Quisera transcender o tom amargo
Das tristes noites em que me embriago,
A boca inerte, em capitulação.

NÃO SEI O QUE SINTO

Não sei o que sinto.
O mundo é argamassa
E eu o contamino.
A gleba em minhas mãos.
Sem intendente.
Crispo uma face,
A outra desatino.
E a rima se constrói
Do vazio
Que fumino.
Não sei o que sinto.
Perco o que passa
E termino.

ANTÍPODA

Agora as pessoas que fui se juntam
Se separam, que nunca se juntaram.
Porque soltas, jamais se separam
E unidas, não são coisas que se ajuntam.
Umas caladas, que outras se besuntam
Do aroma das bocas que calaram:
Tudo disseram porque não falaram
Porque não falaram, ó, disseram tudo.
E pessoas tantas todas quero ser
Que dizendo muito muito a dizer
Dizam outraquelas o que não disseram.
Quero quero todas e nenhuma quero:
Estes seres que de noite recupero
Capturo pela sua negação.

III

O sentimento
É meu tapa na cara:
Comiserar é querer a si
Sendo outro.
O que está mais próximo
É o anel
Eu conduzirá as duas vidas.
Dentro do próprio, não ouço nada.

VI

Você não me conhece.
Nasci no principio da guerra
E quando acordei, já era.
Você não me conhece.
Os estilhaços são minha linguagem;
Mastigo guerra, vivo guerra, morro guerra.
Você não conhece os estilhaços,
Você não me conhece.

VII

O quarto é como vivo o assassino,
É como assisti a encenação
De um flagelado moribundo,
É como senti a fome do desgraçado,
É como morri na vida da prostituta.
Mas eu, sou o que sou,
Não quero ninguém assistindo,
Não quero a fome na tela.
Isso – é como me durmo.

AMOR-PERFEITO

Me sou te sendo e tu me és
Costura que se ata sem coser
Me tens sem mim e eu sem te ter
Possuo-te inteira ao revés
O amor eleva a onda das marés
Evola-se da chama a esplender
Torna-me cativo do teu ser
Amante, faz-te escrava a meus pés.

UM RASTRO NOS PERSERGUE

Lustros são lastros sem conta
Na agenda do tempo:
Ontem quem me vivia
Hoje me exaspera
O que nos intriga
Vestimos com farta palavra
Que em nada alivia
A dor de saber que
Um rastro nos persegue
Pelo atalho da memória

PARALELEPÍPEDOS

O chão repartido
Comparte o coração
Se essa rua fosse minha
Eu bradava algo sacana
Putas, viúvas, mucamas
Passaram por essa rua
E as pedras tão frias
Nos acusam
Eis o adúltero, o agiota
E a faladeira na porta
O ladrão nos rouba
O fio da memória
João-sem-nome, coitado,
Come restos da lata
Ali, onde o bonde passava,
Restou sangue de beata?
Atropelamentos, rusgas, fofocas,
Secaram a calçada
O homem atravessa a história
Nestas lajes furtivas
Ai, vida, declina do teu galope
Na próxima esquina.

TEUS OLHOS

Tanto a dizer
Por tudo
E calo
Quando a fala
Ante teus olhos
Se consola
Do inefável.

JULIO POLIDORO – o poeta Julio Polidoro já publicou os livros “Treze poemas essenciais”, “Pequenos assaltos” e “Orla dos signos”. Além destes, também publicou o livro “Outro sol”, de onde foram recolhidos os poemas aqui publicados. FONTE: POLIDORO, Julio. Outro sol. São Paulo/Juiz de Fora: Nankin/Funalfa, 2004.

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