quarta-feira, março 19, 2008
POETA DOS PALMARES
ARTUR GRIZ
EXALTAÇÃO A PALMARES
Minha terra!.... meu berço estremecido
- seio de amor que tanto prende a gente –
sob o teu céu azul tenho vivido
pedindo glórias para ti somente.
Palmares!... expressão de uma cantiga
Doce como o sussurro de uma prece....
És grande, boa, fraternal e amiga,
Quem te vê uma vez, nunca te esquece.
Delicioso recanto do Brasil
Onde canta sorrindo a natureza,
Teu nome encerra a música sutil
De um poema terno e cheio de grandeza.
Tuas estrelas, teu luar, teu sol
Tens um fulgor estranho e mais divino,
Como formando um vívido farol
Para cobrir de luz o teu destino.
Tens a feição das coisas singulares,
Há mistérios em ti encantadores...
Talvez por isto em multidão, nos ares,
Fazem-te festa os pássaros cantores.
Dizem até que no teu rio lindo,
Vogando a flor das águas buliçosas,
Cantam de noite, quando estás dormindo,
As sereias românticas, formosas.
És a cidade-sonho a palpitar
Dentro das tuas madrugadas louras,
E a brisa leve que te vem beijar
Traz as bênçãos das fadas protetoras.
HISTÓRIA DE UM GATO MARACAJÁ
Rosseline, venha cá
Escutar a longa história
De um gato maracajá
Que eu guardei bem na memória.
Era um fato que falava
Sabia ler e escrever
Fazia graças, cantava
Dando gosto a gente ver.
Gostava de andar vestido
E calçado, como a gente.
As vezes, meio atrevido,
Ficava brabo, insolente.
Também cantava, o bichinho,
E andava de bicicleta.
Bebia cachaça e vinho
Mas ficava em linha reta.
Outra coisa eu vou contar
- não é mentira, nem peta:
um dia, tentou casar
com uma macaca preta.
Mas a macaca não quis,
Ele, então, desesperado
Gritou: Macaca infeliz!
E ficou todo amuado.
Certa vez pelo São João
Tornando-se desordeiro
Pulou dentro de um salão
Para agredir um violeiro.
Aí, foi dura a parada,
Levou ele tanto pau
Que saiu de cara inchada
E o corpo feito mingau.
Outra vez num piquenique
De gente muito grãfina
Foi ele fazer despique
A uma linda menina.
De novo levou cacete
Ficou de venta quebrada
Quando chegou um cadete
E também lhe deu pancada.
Era uma coisa sem jeito
Esse bicho trapalhão.
A ninguém tinha respeito
A fazer provocação.
De outra feita num mercado
Também formando barulho
Teve um triste resultado
Saiu caro o seu embrulho.
Aí, a coisa foi preta,
Diferente, dessa vez:
Levou surra de marreta
E foi parar no xadrez.
Depois de solto, emendou-se
Ficou mansinho, pacato.
E, como dantes, tornou-se
O mesmo decente gato.
Então pensou em seguir
A carreira militar
Fazendo o povo sorrir
Quando se punha a marchar.
Fez de um cabe de machado
Sua espingarda. O facão
Ele fez de um pau achado
Nos fundos de um barracão.
Mas logo, o que aconteceu?
Andando pra lá e pra cá
Dessa vez endoideceu
O pobre maracajá.
Então (para terminar)
Numa cela bem escura
Foi o bichano morar
Em gaiola bem segura.
RESTO DE CAMINHO
(poema musicado por Zé Ripe)
meu inverno já chegou... já vejo, perto,
o fim, o ocaso, a morte me espreitando.
Já nítido, bem claro, vejo aberto
Um túmulo sombrio me esperando.
Mas vou sereno a passo tardo, incerto,
Como estranha visão, me aproximando
A buscar esse nada, esse deserto
- o reino do não-ser me fascinando.
Não me faz medo, no entanto, o que diviso,
E até encaro com valor e riso
Irônico, sarcástico, escarninho,
Esse acabar de vida lento e lento,
Para Deus elevando o pensamento
Neste meu curto resto de caminho.
CIGANA
Linda nômade! Vendo o teu riso divino,
Eu já nem quero mais que leias minha mão.
Pois ele já prediz, na mais franca expressão,
Que bendito e feliz será o meu destino...
ESTROFE
Perdi o jeito de fazer o verso,
Da alma fugiu-me toda a inspiração.
Meu espírito vive agora imerso
Num mundo hostil vazio de ilusão.
Um nada, um trapo, um ser desconhecido.
Foi um covarde, um tímido, viveu
Inerme assim até ficar vencido....
- esse covarde (escutem lá) sou eu.
OLINDINA (filha de Lael)
Teu primeiro aniversário
Salve! Filhinha querida,
Rico tesouro, sacrário
De amor, que temos na vida.
ARTUR GRIZ – poeta, contista, cronista, dicionarista e jornalista, Artur Griz era conhecido como uma das maiores expressões da vida cultural palmarense. Publicou a Enciclopédia Griz e vários livros, entre eles, Vultos de Palmares desaparecidos, Pelejas e desafios, e O livro de Zulmira.
A LUTA DO RESGATE, OU: EITA, ATÉ QUE ENFIM!
Luiz Alberto Machado
Quando conheci a obra de Artur Griz, de sopetão me deparei com um volume enciclopédico que mal se conseguia apalpar, anunciando-se outros volumes à referida pesquisa. Afora isto, alguns poemas publicados n´A Notícia, artigos avulsos, crônicas. Foi quando Zé Ripe, cantor das modas mais brejeiras, compôs uma canção próxima da beleza real, sobre o poema “Resto de Caminho” que curiosamente se sentiu a necessidade de conhecer melhor a obra deste poeta, escritor, enciclopedista, etc. Artur Griz, pessoa que não tive oportunidade de conhecer mais de perto, exceto quando passava apressado pela praça Maurity ou quando caiu rebentadamente e armado de um penico e escova de dentes da escadaria fatídica de sua residência, só foi, através de Jessiva Savino, nobre madrinha da atividade cultural jovem da cidade dos Palmares, que se conhecia algo mais. Mas o bolo grosso estava entulhado entre roupas, detritos, traças e abandono, num recanto amaldiçoado da casa. Amigo próximo da família herdeira do poeta, é que tive oportunidade de vasculhar mais algumas obras de Artur, além de conmheer livros que até então sequer havia colocado a vista. De imediato me deparei com a primeira edição do livro “Caminhos da solidão”, de Hermilo Borba Filho, além de livros de Juan Ramon Jimenez, Otto Maria Carpeaux, Aldous Huxley, edições primárias de Erico Verisssimo, livros raros e traduções antigas. Nessa época estávamos editando a Revista A Região que fez publicar um artigo na procura inicial de resgatar e fazer sensibilizar as autoridades competentes para a necessidade de se publicar sua obra, a exemplo do que deve ser feito com o Fenelon Barreto, ainda longe de se conhecer sua obra teatral, poética e prosaica. Quando tomei nas mãos este volume entre às Edições Bagaço através do compromisso assumido pelo senhor Luis Portela de Carvalho de resgatar, antes que os ratos traças do tempo o consumisse, fiquei deveras surpreso. Passando a vista em artigos como “Hermilo Borba Filho”, “Palmares do Passado”, Um jornal para Palmares” e “A condição adversa do escritor pobre” e poemas como “Saudação a Palmares”, Decreptude” próximo do “Resto de Caminho” e o poemeto “Estrofe”, entre outros poemas já apresentados na edição dos Poetas dos Palmares, organizada pelo poeta Juarez Correya. Por fim, prosa e verso reunidos num só volume que reúne parcialmente a obra deste autor que fez parte da história dos tempos do Clube Literário, trazendo a lembrança do tempo em que Palmares fervilhava na desenvoltura artística. De certa forma traduz-se uma dor: a dor da reminiscência. Mas é com satisfação que tais páginas possa ser apresentadas ao leitor para que a demonstração da importância desta cidade no contexto cultural do Estado de Pernambuco, e do Brasil, seja realmente efetivada. No mais, com a palavra: Artur Griz. Palmares/PE, junho de 1987.
FONTE:
MACHADO, Luiz Alberto. A luta pelo resgate, ou: eita, até que enfim! In: GRIZ, Artur. Cantos, contos, crônicas. Palmares/PE: Fundação Casa da Cultura Hermilo Borba Filho/ Bagaço, 1988.
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