terça-feira, setembro 30, 2008

POETAS PERNAMBUCANOS



JUAREIZ CORREYA

AO NASCIMENTO DO SÉCULO 21 E DO TERCEIRO MILÊNIO

Somos os pais criadores
e a juventude que tudo renova
do futuro de um Tempo melhor.
Criamos com as nossas mãos imperfeitas
o que nenhuma geração criou
nas Terras e nos Céus.
Com a nossa limitada humanidade, criamos
o que a memória do Homem não registra
e todos os Deuses invejam :
criamos com o Amor
das nossas vidas finitas
o Amanhã e a Eternidade.

ARTE DO AMOR

Deixa que o teu corpo
Se entenda com o meu corpo,
Eles se entendem muito bem.
É que antes as nossas almas
Já se entenderam também.

A NOSSA CIDADE

Nenhuma cidade
é mais bela
do que a nossa.
Sabes por que ?
É nela que descobrimos a beleza.

Existem as sombras, as carências, as negações,
as extremas frustrações
e a insensibilidade dos nossos irmãos.
Mas é na cidade onde nascemos
que descobrimos o encanto de uma rua,
a magia de um beco,
a explosão de uma praça,
a necessidade de um vizinho,
a pobreza do universo de alguém,
na própria família,
a alegria intraduzível das crianças
e a primeira emoção do amor.

Na nossa cidade, mesmo que ela nos ignore,
Sabemos que a humanidade existe
E que somos parte essencial dela.

O mundo ?
O mundo nasce na nossa cidade.

RIO UNA (PALMARES)

da janela do hotel
vejo o rio
Una Una negro negro
refletindo verdes
terras canaviais montes

o rio se move
e as águas parecem paradas
passantes ? errantes ?
a água é terra líquida
e o céu não tem
no sol da tarde
o mesmo brilho do seu leito

o rio não passa
não vai a lugar nenhum
o rio fixa-se no corpo da cidade
como um colar
enfeitado pelo seu colo
cobra coleando os limites urbanos
além do tempo
além da vida

AOS HOMENS

As mulheres não entram na tua vida
como um raio de sol,
um acompanhamento inesperado,
uma pedrada.
Já pertencem a ela, integram a tua vida
como o teu sangue, tua naturalidade,
tua terra.
Elas não são parte do teu destino
como uma dádiva de Deus.
As mulheres são o que tu crias
e a perfeição humana
do teu barro.
Existem como encanto e tragédia
e jamais viverás
sem que elas respirem e te pronunciem.

Teu nome só existe
porque a mulher te identifica.

HISTÓRIA AMOROSA DO POETA J.C.

Despertou com todas as mulheres do seu mundo
Como num ritual orgíaco
Profano e sagrado.
Despertou de dentro da companheira na cama
Como se estivesse desencorpando
Prazeres delírios encantos encontros
Vividos com sabedoria e avidez
Na vida dos seus anos.
Despertou e ao seu lado viu
Como queria
A mãe da sua filha
E a mãe dos seus filhos
A amiga recifense de vinhos e comidas portuguesas
A que um dia, em Olinda, sonhou enamorar-se e possuí-lo
E viu retornar uma paulistana que se pernambucanizou para viver
melhor com ele
(mesmo com o drama de um aborto infeliz)
E outra paulistana que o amou em Palmares e o desamou
em São Paulo
Uma mineira com um corpo imenso esmagando o seu corpo
em hotéis baratos do centro da Paulicéia
E a pintora fugitiva que o retratou com fúria e destruiu o seu retrato
com frustração e medo
Uma mulher branca como uma glória
Uma morena com desejo de ser negra
Uma negra do tamanho de Itu
Uma morena clara como um riso na rua
Uma branca tímida que o assaltou num domingo na Praça da República
Uma mulher com sustos em cada foda devorada
O corpo cheio redondo perfeito alegre e sorridente de Nena menina
A que se encontrou em São Paulo perdeu-se em Campina Grande e não pôde
[ libertá-lo no Recife
A beleza germânica, terrena e solar, de Elisabeth, desterrada além de fronteiras
[ mapas culturas e de uma desilusão oceânica
Um encantamento adolescente desencontrado numa noite adulta
A poetisa de fome leonina devorando o seu corpo como um bicho fraterno

A tia sensual e carnosa com desejo e medo de incestuoso carinho
A primeira mulher, anônima, repentina como um flashe, que viu nele nascer
[ o Homem
O primeiro beijo a emoção primitiva e máscula na festa de um abraço sem jeito
O corpo da primeira namorada entregue em casa que ele não soube amar
E todas as mulheres passageiras furtivas eclipsadas em encontros
Poéticos desejos eróticas fantasias e sexo sem poesia
Corpos e almas presentes identificados e sem nome
Como um desencontro amoroso
- Rio sem margens para além da memória –
Psicodigitado pelo coração
Renascido com alegria
Da sua vida mais viva
Em cada palavra e verso imorredouro deste poema.

AUTO-RETRATO EM 3 TEMPOS

Sou o que sou, minhas palavras.
Além disso, referencio Palmares
- cidade perdida no cu do mundo,
um Pernambuco quase sem terra no mapa,
brasileiro Brasil hino sem estrela&brilho
bandeira ao vento sem ordem e progresso.
Filho de pai alagoano e mãe pernambucana
- ele de pouca leitura ela analfabeta
(almas sensíveis encontradas na Mata do Una)
como os avós paternos bichos alagoanos caboclos mundaús
e os avós maternos índia e branco do mesmo barro.
Filho mais velho
em companhia de um irmão e quatro irmãs
e pai de dois filhos e filha
já criados nus como nasceram.
De estatura massa corporal suficiente
para viagens terrestres e extra-viagens
além dos limites do próprio corpo
alma-espírito em sintonia com o universo.

Feições limpas pele clara carne viva
de uma beleza única incompreensível
e nunca vista
como a de todo poeta
- porque ninguém mergulha dentro de mim.
Poeta desde que me descobri homem
com destino certo entregue à Poesia,
Ssem precisar de arautos autorizações e atestados críticos
ou qualquer formação na escola dos outros.
Aprendi na vida sem me enganar
e porque sou poeta
sei antes de ler e escrevo sem saber o que escreverei.
Tenho no coração provinciano a grandeza de São Paulo
E pela metrópole do meu cérrebro acordado 24 horas por dia
Sonho a cada segundo uma única cidade humana.
Escrevo porque é preciso escrever
porque os homens precisam que os poetas escrevam
e lhes dêem notícia deste mundo e de outros mundos que eles não conhecem,
Escrevo porque o meu coração se abre a todo instante
para falar em voz alta sem medo
negando o Silêncio a Solidão e a Morte.
verbo em vida me inscrevo
com a nudez humilde dos que nascem
e o despojamento corporal dos que morrem.
Escrevo sanguíneo rio-mar vertigem sem parar
no turbilhão de mim mesmo
encarnado em cada verso canção poema
com uma eternidade em meio século de idade.

Sinais particulares :
poemas sem corpo e sem título,
doidice e uma maldita lucidez,
uma mulher – A América,
canção proibida – Amar Recife,
a cidade atravessada na garganta,
coração portátil alegre indignado e ferido,
um Nordeste em carne & osso,
palavras sempre mais humanas,
um milênio de setembros
e futuros perfeitos.
Todas as inumeráveis páginas que escrevo
são só um único poema
ou mesmo um único verso.
Eu sou cada palavra que você lê guarda preserva desdenha ou destrói
E morro quando você não abre o livro
E vivo quando você me pronuncia.

HILDA E O TESOURO DA JUVENTUDE

Ela o descobriu e o iluminou
Com palavras amorosas
E a boca cheia de poesia e beijos.
E ele como um cigano perdido
De cidade em cidade
Não foi capaz de possuir
O seu corpo em dádiva
A sua carne em fogo
E se fazer seu homem.
Perdeu-se o seu amor um dia
E nunca mais pôde sequer ouvir
Sua pronúncia rouca anunciar-lhe o nome
Ou vê-la passar como uma saudade
Nas mesmas ruas e praças
Onde inventaram a juventude
De suas vidas.

RUA DO HOSPÍCIO, BOA VISTA DO RECIFE

Quando contemplas a rua
contemplas a rua
como uma banalíssima coisa tua.
As caras informes
o circo passante
de todos os dias
as mesmíssimas vias diárias
do povoado pó da cidade
real ou imaginária.
Contemplas a rua
do Viena onde estás
e talvez a rua te veja
nessa mesa.
Já mudaste de mesa
e viste o outro lado da rua ?
Além da igreja
No espaço onde sempre avistas um teatro
em lugar do parque existe a praça
com nome e identidade oficial.
E aquele edifício de 1909
(jamais visto antes)
um Macena’s Bar indecifrável
lanchonete onde Clarice Lispector
nunca menina lanchou
nem viu estrelas ?

ASCENSO NO OCO DO MUNDO

para Maria de Lourdes Medeiros,a companheira.

És nome de rua
Em Palmares, Recife, Natal e São Paulo.
Uma praça no Recife também.
Um colégio estadual,
Um edifício público,
Um sobrado de luxo em Boa Viagem...
E não tinhas, tua, sequer pelo BNH,
De chão medido e papel passado,
Uma casa própria onde morar...
Como dizia Mestre Vitalino, de Caruaru,
Não seria melhor uma casa no teu nome
Do que o teu nome numa rua ?

COMPOSIÇÃO DO PÁTIO DE SÃO PEDRO

Um céu mais azul
Talhado de casarões
Um sol assado
De brilho e chão
Uma paisagem de manhã
No descampado do Bangüê
Um vinho de sangue
Na alma do meu corpo
No dia mais deserto e solitário
Da alegria de ser desta cidade

DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL DO RECIFE

As igrejas transformaram a Cabugá
No Mercado Universal de Deus :
Todas as manhãs tardes e noites
Os evangélicos apregoam às almas oprimidas
A existência de um Cristo-Mercadoria
E inventam e reinventam a Via-Crúcis
Pelo corredor de ônibus e carros e gente desenfreada
Desfilando Cristo-Morto-Carregando-os-Vivos
Donos das Igrejas e das Religiões.
Com a sua procissão de templos fanáticos
A Cabugá tem a mesma cara terrorista
Da Avenida Caxangá, no outro lado da cidade :
Uma via interminável de casas mortuárias
Oferecendo as portas do Céu ou do Inferno,
Que custam os olhos da cara,
Ou a Vida dizimada em infinitas prestações.

MÁRCIA NUA

Gosto da tua nudez
Da pele clara e lisa
Luz da manhã
Poema inaugural do meu dia

Gosto da tua carne
Nua macia quente
Um sol nas minhas mãos
Nuvem concreta como um sonho

Gosto do teu corpo
Da pele da carne do sexo
Aberto como flor e fruto
Gênese da criação e eternidade

DOIS PORTOS DE PERNAMBUCO

Dois Portos
- cidade município
onde português e espanhol
e negro e branco e índio
e todas as Línguas
se encontram e se misturam.
Dois Portos
- distâncias tão próximas,
vizinhos e unidos,
uma só terra,
uma só gente,
dois nomes fundidos num só
e assim mesmo plural :
Porto de Galinhas
e Porto de Suape,
uma única cidade municipal
(para onde se chegava no passado,
para onde se chega no presente,
para onde se vai no futuro)
- Dois Portos de Pernambuco.

Dos portos de Pernambuco
será dito, hoje e sempre,
que só existe para o mundo
o que o mundo vê e quer :
Dois Portos.

RUA SETE

Havia uma rua no Recife
uma rua central
para onde tudo acorria.
Rua mágica
(impossível de existir)
onde tudo existia.
Rua de jornais livrarias casarões teatros e fantasias
como um carnavival.
Nós sofre mas nós goza”,
dizia Tarcísio da Livro 7
da Rua Sete
da Síntese de Suely Pereira
da Saraiva multinacional
e das rurbanas Lojas Americanas.
Rua de poetas e de poesia
de manhã de tarde e de noite
como se a vida fosse
só Poesia.
Uma rua assim tão aberta
tão certa
de que o mundo nela existia
e que jamais o deserto
a habitaria.
Uma rua inteira tomada
de luz de alta inteligência
e de delírios sem sombras
e de sonhos sem medo.
Uma rua construída
de homens e livros
- como se constrói uma Nação – ,
uma rua verdadeiramente habitada.
Nela viveu a Geração 65
e as gerações de todos os malditos
do Século Vinte.
Por ela andaram
- como se estivessem na Mata –
Osman e Hermilo.
Por ela passearam
- como se no Agreste vivessem –
Héber e Homero Fonseca, Carrero e Gilvan Lemos.
E por ela cantaram e dançaram
- gênios do fogo do Sertão –
Jó Patriota, Zé Praxedi, Otacílio e Lourival Batista.
Para Gilberto Freyre, era uma pan-rua.
Para Fernando Sabino, um maracanã.
Para Dom Hélder Câmara, um caminho de libertação.
Um dia a Rússia virou capitalista
no palco da Rua Sete
com o poeta Yevtuchenko.
E os Estados Unidos
nunca seriam uma nação socialista
se Sidney Sheldon não distribuísse
mais de mil livros na Rua Sete.
Tudo isto de verdade acontecia e aconteceu...
Até Ascenso Ferreira
(que não a conhecia)
na Rua Sete renasceu.
Rua de Cultura e de Grandeza
(como num hino do Interior de Pernambuco)
a Rua Sete de Setembro
da Boa Vista do Recife
sempre brilhou
e sempre brilharia
mas por artes diabólicas do Destino
no começo do Século 21
pura e simplesmente se acabou.

JUAREIZ CORREYA – O poeta, escritor, editor e produtor cultural pernambucano, Juareiz Correya, publiquei o seu primeiro livro de poesia, sem título, em São Paulo, no ano de 1971. Coordenou no Recife, de 1980 a 1983, a publicação da Revista POESIA (10 números). Publicou, entre outros, os de poesia: AMERICANTO AMAR AMÉRICA (1975/1982/1993), O AMOR É UMA CANÇÃO PROIBIDA (1979), CORAÇÃO PORTÁTIL (1984/1999). Organizou e publicou as antologias POETAS DOS PALMARES (1973/1987/2002) e POESIA VIVA DO RECIFE (1996). Possui três livros de contos inéditos. Idealizou o projeto da FUNDAÇÃO CASA DA CULTURA HERMILO BORBA FILHO, criada em Palmares (PE), pelo prefeito Luiz Portela de Carvalho, e presidiu essa instituição de 1984 a 1987 e de 1997 a 2004. Dirige no Recife (PE) a Panamérica Nordestal Editora e Produções Culturais, onde coordena a Coleção Poesia da Cidade. Ele possui poemas publicados em antologias paulistanas, pernambucanas e nordestinas, e em revistas e jornais brasileiros. Prepara, para publicação em 2009, o livro AMERICANTO AMAR AMÉRICA & OUTROS POEMAS DO SÉCULO 20 (poesia publicada). Possui, também prontas para publicação, as antologias EM NOME DA AMÉRICA – Poemas Brasileiros do Século 20 e POESIA VIVA DE SÃO PAULO (em parceria com Dalila Teles Veras). Publica, na Internet, estes blogs: LETRAS&LEITURAS (letras-leituras.blogspot.com), PANAMÉRICA (jcorreya.blogspot.com) e O BLOG DOS BLOGS (www.juareizcorreya.blog-se.com.br). Poemas selecionados do livro “Poemas do novo milênio”.

VEJA MAIS:
JUAREIZ CORREYA
POETAS DE PERNAMBUCO
FREVO BRINCARTE

segunda-feira, setembro 29, 2008

LITERATURA BRASILEIRA – POETAS DE SÃO PAULO



ALVARES DE AZEVEDO

ALVARES DE AZEVEDO – O poeta, ensaísta e escritor paulista Manuel Antônio Álvares de Azevedo (1831-1852) integrou a segunda geração romântica, considerada de ultra romântica, byroniana ou mal do século.
Sentimentalismo, imaginação exacerbada, amor doentio, temor à morte, são os ingredientes da poesia dele. Embora influenciado por Byron, Lamartine, Musset, Goethe, o jovem poeta procurou a sua feição propria de escritor brasileiro: é quando canta os sentimentos mais pessoais, um tanto longe do intelectualismo dos poetas de sua geração; o amor e a morte, o presságio do fim prematuro. O tempo que teve para evoluir e amadurecer, foi entre 16 e 20 anos, então já medindo os seus arroubos verbais e simplificando seu estilo. A critica acha que Alvares de Azevedo alcançaria a perfeição artistica se não houvesse morrido logo cedo. Como Castro Alves escreveria alguns anos mais tarde. Alvares de Azevedo cantou o signficado da Glória diante da morte prematura.
A sua obra compreende: Poesias diversas, Poema do Frade, o drama Macário, o romance O Livro de Fra Gondicário, Noite na Taverna, Cartas, vários Ensaios (Literatura e civilização em Portugal, Lucano, George Sand, Jacques Rolla), e a sua principal obra Lira dos vinte anos (inicialmente planejada para ser publicada num projeto – É patrono da cadeira nº 2 da Academia Brasileira de Letras.

O POETA

Era uma noite: — eu dormia...
E nos meus sonhos revia
As ilusões que sonhei!
E no meu lado senti...
Meu Deus! por que não morri?
Por que no sono acordei?

No meu leito adormecida,
Palpitante e abatida,
A amante de meu amor,
Os cabelos recendendo
Nas minhas faces correndo,
Como o luar numa flor!

Senti-lhe o colo cheiroso
Arquejando sequioso
E nos lábios, que entreabria
Lânguida respiração,
Um sonho do coração
Que suspirando morria!

Não era um sonho mentido:
Meu coração iludido
O sentiu e não sonhou...
E sentiu que se perdia
Numa dor que não sabia...
Nem ao menos a beijou!

Soluçou o peito ardente,
Sentiu que a alma demente
Lhe desmaiava a tremer,
Embriagou-se de enleio,
No sono daquele seio
Pensou que ele ia morrer!

Que divino pensamento,
Que vida num só momento
Dentro do peito sentiu...
Não sei!... Dorme no passado
Meu pobre sonho doirado...
Esperança que mentiu...

Sabem as noites do céu
E as luas brancas sem véu
Os prantos que derramei!
Contem do vale as florinhas
Esse amor das noite minhas!
Elas sim... que eu não direi!

E se eu tremendo, senhora,
Viesse pálido agora
Lembrar-vos o sonho meu,
Com a fronte descorada
E com a voz sufocada
Dizer-vos baixo: — Sou eu!

Sou eu! que não esqueci
A noite que não dormi,
Que não foi uma ilusão!
Sou eu que sinto morrer
A esperança de viver...
Que o sinto no coração!

Riríeis das esperanças,
Das minhas loucas lembranças,
Que me desmaiam assim?
Ou então, de noite, a medo
Choraríeis em segredo
Uma lágrima por mim!

Dorme, meu coração! Em paz esquece
Tudo, tudo que amaste neste mundo!
Sonho falaz de tímida esperança
Não interrompa teu dormir profundo!
Tradução do Dr. Octaviano

Fui um douto em sonhar tantos amores...
Que loucura, meu Deus!
Em expandir-lhe aos pés, pobre insensato,
Todos os sonhos meus!

E ela, triste mulher, ela tão bela,
Dos seus anos na flor,
Por que havia de sagrar pelos meus sonhos
Um suspiro de amor?

Um beijo — um beijo só! eu não pedia
Senão um beijo seu
E nas horas do amor e do silêncio
Juntá-la ao peito meu!
_____

Foi mais uma ilusão! de minha fronte
Rosa que desbotou
Uma estrela de vida e de futuro
Que riu... e desmaiou!

Meu triste coração, é tempo, dorme,
Dorme no peito meu!
Do último sonho despertei e n’alma
Tudo! tudo morreu!

Meus Deus! por que sonhei e assim por ela
Perdi a noite ardente...
Se devia acordar dessa esperança,
E o sonho era demente?...

Eu nada lhe pedi: ousei apenas
Junto dela, à noitinha,
Nos meus delírios apertar tremendo
A sua mão na minha!

Adeus, pobre mulher! no meu silêncio
Sinto que morrerei...
Se rias desse amor que te votava,
Deus sabe se te amei!

Se te amei! se minha alma só queria
Pela tua viver,
No silêncio do amor e da ventura
Nos teus lábios morrer!

Mas vota ao menos no lembrar saudoso
Um ai ao sonhador...
Deus sabe se te amei!... Não te maldigo,
Maldigo o meu amor!...

Mas não... inda uma vez... Não posso ainda
Dizer o eterno adeus
E a sangue frio renegar dos sonhos
E blasfemar de Deus!

Oh! Fala-me de amor!... — eu quero crer-te
Um momento sequer...
E esperar na ventura e nos amores,
Num olhar de mulher!

Só um olhar por compaixão te peço,
Um olhar.... mas bem lânguido, bem terno...
...........................................................................
Quero um olhar que me arrebate o siso,
Me queime o sangue, m’escureça os olhos,
Me torne delirante!

CANTIGA

I
Em um castelo doirado
Dorme encantada donzela...
Nasceu; e vive dormindo
— Dorme tudo junto dela.

Adormeceu-a, sonhando,
Um feiticeiro condão,
E dormem no seio dela
As rosas do coração.

Dorme a lâmpada argentina
Defronte do leito seu;
Noite a noite a lua triste
Vem espreitá-la do céu.

Voam os sonhos errantes
Do leito sob o dossel
E suspiram no alaúde
As notas do menestrel.

E no castelo, sozinha,
Dorme encantada donzela...
Nasceu; e vive dormindo
— Dorme tudo junto dela.

Dormem cheirosas, abrindo,
As roseiras em botão...
E dormem no seio dela
As rosas do coração.

II
A donzela adormecida
É a tua alma, santinha,
Que não sonha nas saudades
E nos amores da minha.

— Nos meus amores que velam
Debaixo do teu dossel
E suspiram no alaúde
As notas do menestrel.

Acorda, minha donzela,
Foi-se a lua, eis a manhã
E nos céus da primavera
É a aurora tua irmã.

Abriram no vale as flores
Sorrindo na fresquidão:
Entre as rosas da campina
Abram-se as do coração.

Acorda, minha donzela,
Soltemos da infância o véu...
Se nós morrermos num beijo,
Acordaremos no céu.

É ELA! É ELA! É ELA! É ELA!

É ela! é ela!—murmurei tremendo,
E o eco ao longe murmurou—é ela!
Eu a vi—minha fada aérea e pura—
A minha lavadeira na janela!

Dessas águas furtadas onde eu moro
Eu a vejo estendendo no telhado
Os vestidos de chita, as saias brancas;
Eu a vejo e suspiro enamorado!

Esta noite eu ousei mais atrevido
Nas telhas que estalavam nos meus passos
Ir espiar seu venturoso sono,
Vê la mais bela de Morfeu nos braços!

Como dormia! que profundo sono! . . .
Tinha na mão o ferro do engomado. . .
Como roncava maviosa e pura!. . .
Quase caí na rua desmaiado!

Afastei a janela, entrei medroso:
Palpitava lhe o seio adormecido...
Fui beijá la. . . roubei do seio dela
Um bilhete que estava ali metido. . .

Oh! de certo. . . (pensei) é doce página
Onde a alma derramou gentis amores;
São versos dela. . . que amanhã de certo
Ela me enviará cheios de flores.

Tremi de febre! Venturosa folha!
Quem pousasse contigo neste seio!
Como Otelo beijando a sua esposa,
Eu beijei a a tremer de devaneio. .

É ela! é ela!—repeti tremendo;
Mas cantou nesse instante uma coruja...
Abri cioso a página secreta. . .
Oh! meu Deus! era um rol de roupa suja!

Mas se Werther morreu por ver Carlota
Dando pão com manteiga às criancinhas,
Se achou a assim mais bela,—eu mais te adoro
Sonhando te a lavar as camisinhas!

É ela! é ela! meu amor, minh'alma,
A Laura, a Beatriz que o céu revela. . .
É ela! é ela!—murmurei tremendo,
E o eco ao longe suspirou—é ela!

O POEMA DE UM LOUCO

(Fragmento de "O Conde Lopo")

I

Foi poeta: cantou, e o estro em fogo
Crestou lhe o peito, devorou seus dias
E a febre ardente desbotou lhe a fronte
Em dores sós, em delirar insano.

Foi poeta: cantou, sonhou: a vida
Canto e sonhos lhe foi. Amor e glória
Com asas brancas viu sorrindo em vôos.
Foi lhe vida sonhar: e ardentes sonhos
A fronte lhe acenderam, lhe estrelaram
Mágico da existência o firmamento.
Cantou, sonhou—amou:: cantos e sonhos
Em amor converteu os. De joelhos
Em fundo enlevo ele esperou baixasse
Alguma luz do céu, que amor dissesse—

Anjo ou mulher! embora que ele a amara
C'o fogo queimador que o consumia
Com o amor de poeta que o matava!
Anjo ou mulher—embora! e em longas preces
Noite e dia o esperou—Mísero! Embalde!

Sonhou—amou—cantou: em loucos versos
Evaporou a vida absorta em sonhos—
E debalde! ninguém chorou lhe os prantos
Que sobre as mortas ilusões já findas
Pálido derramara—
Amou! E um peito
Junto ao seu não ouviu bater consoante
C'os amores do seu! Ninguém amou o
E nem as mágoas lhe afogou num beijo! —

E morreu sem amor.—Bateu lhe embalde
O pobre coração em loucas ânsias.
Passou ignoto, solitário e triste
Entre os anjos do amor, só viu lhe risos
Em braços doutros—e invejosa mágoa
Essa alheia ventura só lhe trouxe.
Nunca a mão dele de uma fronte branca
A alva coroa fez cair da virgem—
Jovem, solteiro, sem consórcio d'alma

Entre as rosas da vida—mas nenhuma
Nem deu lhe um riso—nem do moço pálido
No imo d'alma guardou uma saudade!

Mas se à terra saudades não deixara
Não levou as também—do peito o orgulho
Que ninguém quis amar, ninguém amou.
—Foi lhe quimera o amor, não mais lembrou o,
Tentou o ao menos. —E que importa um morto?
— Doido é quem geme em lagrimar estéril—
Quando o luto findou e alegre o baile
Corre entre flores no valsar, quem lembra
O defunto que é podre no jazigo?
—Morrera lhe o sonhar—por que chorá lo?

E morreu sem amor! E ele contudo
Tinha no peito tanto amor e vida!
Alma de sonhos, tão ardentes, cheia!
E anelante do amor do peito—em outro
Em horas ternas efundir em beijos!

E às vezes quando a fronte pela febre
Pesada e quente sobre as mãos firmava,
Quando esse delirar febril da insônia
Em vertigens travava de sua alma,
Um negro pensamento lhe passava
Como um fuzil no cérebro fervente,
E pensava dos loucos no delírio,
Na escura treva da vertigem tonta!
Temia—a morte não—mas—a loucura.

SONETO

Pálida, a luz da lâmpada sombria,
Sobre o leito de flores reclinada,
Como a lua por noite embalsamada,
Entre as nuvens do amor ela dormia!

Era a virgem do mar! na escuma fria
Pela maré das água embalada...
— Era um anjo entre nuvens d’alvorada
Que em sonhos se banhava e se esquecia!

Era mais bela! o seio palpitando...
Negros olhos as pálpebras abrindo...
Formas nuas no leito resvalando...

Não te rias de mim, meu anjo lindo!
Por ti — as noites eu velei chorando
Por ti — nos sonhos morrerei sorrindo!

O POETA

Minh’alma triste se enluta,
Quando a voz interna escuta
Que blasfema da esperança...
Aqui tudo se perdeu,
Minha pureza morreu
Com o enlevo de criança!

Ali, amante ditoso,
Delirante, suspiroso,
Eflúvios dela sorvi,
No seu colo eu me deitava...
E ela tão doce cantava!
De amor e canto vivi!

Na sombra deste arvoredo
Oh! quantas vezes a medo
Nossos lábios se tocaram!
E os seios, onde gemia
Uma voz que amor dizia,
Desmaiando me apertaram!

Foi doce nos braços teus,
Meu anjo belo de Deus,
Um instante do viver...
Tão doce, que em mim sentia
Que minh’alma se esvaía...
E eu pensava ali morrer!

O POETA

Que gemer! não me enganava!
Era o anjo que velava
Minha casta solidão?
São minhas noites gozadas
E as venturas choradas
Que vibram meu coração?

É tarde, amores, é tarde:
Uma centelha não arde
Na cinza dos seios meus...
Por ela tanto chorei,
Que mancebo morrerei...
Adeus, amores, adeus!

CISMAR

Fala-me, anjo de luz! és glorioso
À minha vista na janela à noite
Como divino alado mensageiro
Ao ebrioso olhar dos frouxos olhos
Do homem, que se ajoelha para vê-lo,
Quando resvala em preguiçosas nuvens,
Ou navega no seio do ar da noite.

ROMEU

Ai! quando de noite, sozinha à janela
Co’a face na mão te vejo ao luar,
Por que, suspirando, tu sonhas, donzela?
A noite vai bela,
E a vista desmaia
Ao longe na praia
Do mar!

Por quem essa lágrima orvalha-te os dedos,
Como água da chuva cheiroso jasmim?
Na cisma que anjinho te conta segredos?
Que pálidos medos?
Suave morena,
Acaso tens pena
De mim?

Donzela sombria, na brisa não sentes
A dor que um suspiro em meus lábios tremeu?
E a noite, que inspira no seio dos entes
Os sonhos ardentes,
Não diz-te que a voz
Que fala-te a sós
Sou eu?

Acorda! Não durmas da cisma no véu!
Amemos, vivamos, que amor é sonhar!
Um beijo, donzela! Não ouves? no céu
A brisa gemeu...
As vagas murmuraram...
As folhas sussurram:
Amar!


FONTE:
BANDEIRA, Manuel. Noções de história das literaturas. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1940.
BOSI, Alfredo, História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 1970.
BRASIL, Assis. Dicionário pratico de literatura brasileira. Rio de Janeiro: Tecnoprint, 1979.
______. Vocabulário técnico de literatura. Rio de Janeiro: Tecnoprint, 1979.
CANDIDO, Antonio. Iniciação à Literatura Brasileira. São Paulo: FFLCH/USP, 1999.
______ Antonio. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/ Edusp, 1975.
_______. A educação pela noite e outros ensaios. São Paulo: Ática, 1987.
CANDIDO, Antonio: CASTELLO, José Aderaldo. Presença da literatura brasileira, vol. 1. São Paulo, Difel, 1968.
CARPEAUX, Otto Maria. Historia da literatura ocidental. Rio de Janeiro: Alhambra, 1980.
_________. Pequena bibliografia critica da literatura brasileira. Rio de Janeiro: Tecnoprint, 1979.
CARVALHO, Ronald. Pequena história da literatura brasileira. Rio de Janeiro: F. Briguet, 1955.
COSTA, Luiz Carlos. Gêneros Literários: Um debate permanente. In: Revista Letras & Letras, Uberlândia, 1987.
COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.
CULLER, Jonathan. Teoria Literária - Uma introdução. São Paulo: Beca Produções Culturais Ltda., 1999.
CURY, Mana Zilda e WALTY, Ivete. Textos sobre textos. Belo Horizonte: Dimensão, 1999.
D’ONOFRIO, Salvatore. Literatura Ocidental: autores e obras fundamentais. São Paulo: Ática, 1990.
FERREIRA, Pinto. Historia da literatura brasileira. Caruaru: Fadica, 1981.
HOLANDA, Sergio Buarque (Org). Antologia dos poetas brasileiros da fase colonial. São Paulo: Perspectiva, 1979,
LIMA, Alceu Amoroso. Introdução à literatura brasileira. Rio de Janeiro:Agir, 1956.
LITRENTO, Oliveiros. Apresentação da literatura brasileira. Rio de Janeiro: Forense-Universitária/INL, 1978.
MARTINS, Wlson. A literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1967.
MAIA, João Domingues. Literatura: textos e técnicas. São Paulo: Ática, 1996.
MOISÉS, Massaud, A Literatura Brasileira Através dos Textos. São Paulo: Cultrix, 2000.
______. A Criação Literária: Prosa. São Paulo: Cultrix, 1968.
NICOLA, José de. Literatura Brasileira das origens aos Nossos Dias:São Paulo: Scipione,1994.
ROMERO, Silvio. Historia da literatura brasileira. Rio de Janeiro: José Olympioo/INL, 1980.
SOARES, Angélica M. Santos. Gêneros Literários. São Paulo: Ática, 1889.
SODRÉ, Nelson Werneck. Historia da literatura brasileira. Rio de Janeiro: Civilização Brasiléia, 1976.

VEJA MAIS:
LITERATURA BRASILEIRA
POETAS DE SÃO PAULO
FREVO BRINCARTE NA ESCOLA JORGE DE LIMA

sexta-feira, setembro 26, 2008

PRIMEIRA REUNIÃO



Imagem: Livia Alessandrini.

FILHO DE ÍCARO

Luiz Alberto Machado

O vôo rasteiro com fome de tudo.

O vôo que decola e dá de cara no abismo.

Parece o fleumático dos pássaros no meio da imensidão

Não sabe aterrissar.
As asas incendeiam e vira monturo no ermo do abandono.

O meu vôo nas horas
Engolindo espaços
Rasgando o tempo.

O meu vôo e a minha queda – o sisifismo da minha vida.

VEJA MAIS:
PRIMEIRA REUNIÃO
FREVO BRINCARTE

quinta-feira, setembro 25, 2008

SAMANTHA MORAES & OUTRAS DICAS TATARITARITATÁ!!!!



SAMANTHA MORAES - A convidada do programa Você.Net desta quinta-feira, dia 25 de setembro, é Samantha Moraes, a autora do livro Depois do Escorpião, que fala sobre amor, sexo e traição. O talk show é apresentado por Maura Roth na All TV (www.alltv.com.br), às 16 horas. Maura vai conversar com esta comissária de bordo, casada e mãe de duas filhas, que viu seu mundo tranqüilo desmoronar quando o marido, João Correa de Moraes, traiu-a com a então prostituta Bruna Surfistinha. O livro Depois do Escorpião, no qual ela conta como deu a volta por cima, é uma verdadeira lição de vida: relata o próprio sofrimento e ensina mulheres traídas a superar a dor, além de ser um desabafo bem humorado de uma mulher batalhadora e inteligente. No programa Você.Net os internautas interagem com a apresentadora e com os entrevistados. Apresentado todas às quintas-feiras (16h ás 17h) por Maura Roth, desde agosto de 2007, o programa aborda sempre assuntos atuais ligados à cultura, esportes, moda, lazer e variedades. Entre os entrevistados que já foram ao programa estão Carlos Alberto da Nóbrega, Toquinho, Thomas Roth, Álvaro José e Fernando Pires, entre vários outros. Mais informações: www.mauraroth.com ou programavcpontonet.blogspot.com.

UNICORDEL - No próximo dia 01 de outubro, quarta-feira, a partir das 17h30min, a União dos Cordelistas de Pernambuco-UNICORDEL realizará seu primeiro recital na sede da UBE/PE-União Brasileira de Escritores, localizada na Rua de Santana, nº 202 - Casa Forte. Na oportunidade, os cordelistas e seus convidados declamarão poemas da própria autoria e de mestres da poesia popular, como Jessier Quirino, Daudeth Bandeira e Chico Pedrosa, bem como colocarão à venda livros, folhetos de cordel e cds. O encontro contará com a participação dos poetas Altair Leal, José Evangelista, Felipe Júnior, Michael John, Susana Morais, Mariane Bígio, José Honório, Paulo Moura, Davi Teixeira, Marcos Passos, João Campos, Daniela Almeida, dentre outros. Entrada gratuita. Não percam! Informações: UBE-PE: 81-3441-7488 (Rogério Generoso) UNICORDEL: 81-94045389 (Daniela Almeida) - 81-3441-1326 / 9910-3445 (José Honório)

AMANDA MELO - Sal é Mar na Galeria Mariana Moura Av Conselheiro Aguiar 1552, Conjunto 3 e 4, Boa Viagem, Recife – PE 81-3465-5602 ou contato@marianamoura.com.br & www.marianamoura.com.br Segunda a sexta, 10-19h; sábado, 10-13h Exposição 25 de outubro de 2008 Info: Enviado por Carolina - Jam Comunicação carolina@jamcomunicacao.com.br

REVISTA BAGOAS - O segundo número da Revista Bagoas - Estudos Gays: Gêneros e Sexualidades já está nas livrarias e no site http://www.cchla.ufrn.br/bagoas/ Lançada em dezembro de 2007 pelo Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), a revista é uma publicação semestral sobre Estudos Gays, e publica artigos resultantes de estudos teóricos e pesquisas empíricas sobre gênero, sexualidade, homossexualidade, destacando espaço para os estudos gays, especificamente as reflexões sobre o homoerotismo, lesbianismo, transgêneros, conjugalidades, parentalidades homossexuais e identidades GLBTT. Além de trabalhos de teoria social, análises da política e reflexões sobre direitos humanos que constituam contribuições ao pensamento crítico sobre as temáticas centrais. Neste segundo número, a revista publica: •Fernando Bessa Ribeiro: Proibições, abolições e a imaginação de políticas inclusivas para o trabalho sexual; •Juan Cornejo Espejo: Homosexualidad y cristianismo en tensión: La percepción de los homosexuales a través de los documentos oficiales de La Iglesia Católica; Paulo Roberto Ceccarelli: A invenção da homossexualidade; Ricardo Lincoln Laranjeira Barrocas: Investigação epistemológica das homossexualidades masculinas em Freud: uma perspectiva lewino-bruniana;•Alexandre Câmara Vale: Antropologia e sexualidade: por um descentramento da enunciação científica; Durval Muniz de Albuquerque Júnior : Epifanias da homoafetividade ou o choque anafilático sofrido por Anthony Giddens ao ingerir Caio Fernando Abreu; •Leandro Colling : Aquenda a metodologia! Uma proposta a partir da análise de Avental todo sujo de ovo; Astor Vieira Júnior : Do altar para as ruas: luta, resistência e construção identitária de gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros ; Murilo Peixoto da Mota : As diferenças e os "diferentes" na construção da cidadania gay: dilemas para o debate sobre os novos sujeitos de direito ; Gisele Marchiori Nussbaumer : Identidade e sociabilidade em comunidades virtuais gays ; Joana Brito de Lima : Realidade e ficção na transvaloração filosófica: vontade de poder e afirmação da existência; E as resenhas de:•Berenice Bento: Borboletas da Vida. Direção de Vagner de Almeida. Rio de Janeiro: Abia, 2004, 38min./Basta um dia. Direção Vagner de Almeida. Rio de Janeiro: Abia, 2006, 55min; Fabiano Gontijo: UZIEL, Anna Paula. Homossexualidade e adoção. Rio de Janeiro: Garamond, 2007. Neste segundo número, é também publicada a "Carta de Brasília", carta da I Conferência Nacional LGBTT, realizada de 5 a 8 de junho de 2008. SERVIÇO: Universidade Federal do Rio Grande do Norte-UFRN Endereço: Universidade Federal do Rio G. Norte (UFRN), Caixa Postal 1524 -Campus Universitário, Centro de Ciências Humanas Letras e Artes (CCHLA),Lagoa Nova CEP 59072-970 Natal - RN – Brasil Telefone para informações: (84) 3215 - 3557 das 8h às 17h Email: bagoas@cchla.ufrn.br Site: www.cchla.ufrn.br/bagoas INFORMAÇÕES À IMPRENSA: Laurisa Alves Tel : 11-9884-1433 imprensabagoas@cchla.ufrn.br

QUINTA POÉTICA - com os poetas convidados Beth Brait Alvim (anfitriã), Edson Bueno de Camargo, José Geraldo Neres e Raimundo Gadelha o jovem poeta Carlos Henrique André e a convidada especial Vanessa Raquel Lambert Quinta-feira, 25 de setembro de 2008 a partir das 19h Casa das Rosas - Espaço Haroldo de Campos Av. Paulista, 37 - São Paulo/SP Próximo ao metrô Brigadeiro. Convênio com o estacionamento Patropi - Alameda Santos, 74 Informações: (11) 5904-4499 Próxima QUINTA POÉTICA: 30 de outubro de 2008, quinta-feira, às 19h, na CASA DAS ROSAS. Anfitrião: Celso de Alencar. Escrituras Editora Rua Maestro Callia, 123 - Vila Mariana 04012-100 - São Paulo - SP – Brasil Novo telefone: (11) 5904-4499 (Pabx) Visite nosso site: www.escrituras.com.br

CONCURSO NACIONAL DE CONTOS JOÃO GUIMARÃES ROSA – A Academia Sul-Brasileira de Letras, com o objetivo de incentivar a criação artística e premiar os autores, institui o “Concurso Nacional de Contos ‘João Guimarães Rosa’”. Academia Sul-Brasileira de Letras Concurso Nacional de Contos “João Guimarães Rosa” Rua Três de Maio, 1060/ conj. 403 Pelotas – RS CEP: 96010-620 Inscrições: de 10 de setembro a 31 de outubro de 2008. Info: Lígia Antunes Leivas Presidente ASBL

FEIRA DO LIVRO FOLIA LITERÁRIA DO PARANÁ – De 29/9 a 2 de outubro. Com Mostra de Poesias "POETANDO EM..." de Alana Berti Oficina de Contação de Histórias com Antonio Nildo Show MPB nas escolas com Cláudio Chaves Lançamento do livro "Poeta de Rua" (uma tentativa de aproximação do leitor com a poesia) de Ezequiel Batista-performances teatrais e artistas convidados, entre outras tantas atividades.

SARAU À LUZ DA PRIMEIRA ESTRELA – Homenagem ao centenário de Machado de Assis pela Academia Sul-Brasileira de Letras. Programa: Língua e Literatura - Profª Zilma Pontes MACHADO de ASSIS, vida e obra - Acadêmica Marísia Vieira Análise do conto ‘Missa do Galo’ - Escritora Loiva Hartmann Análise do soneto ‘Círculo Vicioso’ - Escritora Gladis Moreno Recital - Acadêmicos da ASBL e público presente Coquetel Data: 26 de setembro de 2008 Local: Auditório da Casa dos Conselhos - Rua Três de Maio, 1060 Horário: 20h Info: Lígia Antunes Leivas Presidente ASBL Pelotas, RS

POEMAS COMPLETOS DE ALBERTO CAIEIRO - Roda de leitura Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo Atividade gratuita. Na próxima quinta-feira, 25 de setembro, a Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) promove a roda de leitura "Poemas Completos de Alberto Caeiro", de Fernando Pessoa. A atividade integra a programação das Oficinas Temáticas Livres da FESPSP para o mês de setembro, cuja temática contempla a análise de clássicos da literatura de língua portuguesa que constituem leitura obrigatória nos principais vestibulares do país. A atividade consiste na leitura e interpretação de alguns dos poemas do poeta e escritor português Fernando Pessoa (1888-1935), contidos na obra "Poemas Completos de Alberto Caeiro", seu heterônimo. Conduzida por Durvalino Peco, Mariana Miranda e Wagner Silva, mediadores do Projeto Leiturativa - que promove ciclos de palestras em penitenciárias paulistas - a roda de leitura contará com leitura dramática e dinâmicas, a fim de, criar um ambiente lúdico e descontraído, que remeta ao prazer da leitura. As Oficinas Temáticas Livres da FESPSP são gratuitas e abertas ao público em geral. Os interessados podem obter mais informações e efetuar inscrições através do site www.fespsp.org.br/oficinas ou pelo telefone (11)3123-7810. Serviço: Oficina: Roda de leitura "Poemas completos de Alberto Caeiro" Data: 25/09/08 - quinta-feira Horário: das 14h00 às 17h00 Local: Rua General Jardim, 522 na Vila Buarque, próxima às estações República e Santa Cecília do Metrô. FESPSP: 75 anos de tradição, pioneirismo e inovação A Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) é uma pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos, cujo fim é a manutenção de escolas voltadas ao ensino e à pesquisa em nível superior. Criada em 27 de abril de 1933, por iniciativa de pouco mais de uma centena de figuras eminentes da sociedade paulistana, dentre as quais se destacam os dirigentes das principais entidades de ensino de São Paulo. A FESPSP é orientada desde o início para o estudo da realidade brasileira e para a formação de quadros técnicos e dirigentes capazes de atuar no processo de modernização da sociedade. Contato com a Imprensa: Sibele Martins (11) 3868-6900 r: 6913 (11) 7661-7364 sibele@fespsp.org.br Ana Paula Teixeira (11) 3868-6900 r: 6912 (11) 9444-7347 ateixeira@fespsp.org.br Jorge Tateishi (11) 3868-6900 r: 6915 (11) 9181-1200 ac@fespsp.org.br

FLUX 2008 – MAIL ART & VISUAL POETRY – o encontro internacional “FLUX 2008 – ARTE POSTAL E POESIA VISUAL” in the Culture House no casarão da cultura av. 3, n.° 568 – centro rio claro SP Rio Claro, Sao Paulo, Brazil programação - programe: 26 de setembro, às 20:00 hrs abertura das exposições - exposition: “FLUX 2008 – ARTE POSTAL E POESIA VISUAL” “SALA ESPECIAL” (poemas visuais de clemente padín, hugo pontes, paulo bruscky, roberto keppler & silvio de gracia) “TALKING HANDS” 27 de setembro palestras: 09:00hrs hugo pontes / poços de caldas, MG “ARTE POSTAL – UMA LEITURA” 10:30hrs silvio de gracia / junín, argentina “DESBORDE DE LOS LIMITES: ARTE CORREO Y POESÍA VISUAL ESPECIES HÍBRIDAS” 14:00hrs roberto keppler / são paulo, SP “A RAIZ E O TAMANHO DA ÁRVORE” 15:30hrs clemente padín / montevidéu, Uruguai “LA POESÍA VISUAL Y EL ARTE CORREO” 17:00 hrs paulo bruscky / recife, PE “ARTE POSTAL E A GRANDE REDE” 03 de outubro, às 20:00 hrs performances e conversa com o público (artistas argentinos) javier sobrino “PARALELISMO NÔMADE”, andrea cárdenas “ÊXODO DA COLMÉIA” & claudia ruiz herrera “DOSE 2010”

VEJA MAIS:
VAREJO SORTIDO
FREVO BRINCARTE
RADIO TATARITARITATÁ – LIGUE O SOM E VAMOS CURTIR!!

terça-feira, setembro 23, 2008

POETAS DE ALAGOAS



NILTON RESENDE

O ORVALHO E OS DIAS

Dispo-me
Como quem quer se dar. Desvelando-se,
Expondo as faces, as dobras,
Os caminhos.
Entregando o peito, a nuca.
O calcanhar. Como quem necessita
Ser frágil no braço do outro. Desmaiado
Num colo precioso. Dispo-me
Para ser amado.
Mantendo um véu.

PARA A MATADA (E QUASE MORRIDA) AMADA

Mostra agora o teu rosto
E te aproxima.
Quero Candido
Achegar-me junto a ti;
Um teu cheiro,
Leve, perto aspirar.
Toda tua essência
Integra sentir.
Roça já o teu lado
Em meu lado.
Suga esse adocicado
Que exalo.
Dá-me logo esse teu veludo casto
Que tu tens, tão febril, sofrido assim.
Desses teus olhos ardentes quase brasa
Dá-me logo tuas lágrimas melhores.
E te embebas
Deste meu beijo sincero:
Ele é teu –
O meu impoluto carmim.
Vem inteira, vem materna,
Vem amável.
Dá-me, fêmea, os teus braços.
O teu corpo.
E então também me darei
Inteiro.
Minha carne,
Minha alma para ti.

PROFECIA

Um dia a mulher cobrará o sangue do esposo,
Escorrendo perene.
E ele vai querer saber do cálice, suspenso nas mãos da mulher.
E olhará nos olhos dos que o beberam.
E também nos
Daqueles que cuspiram em seu bojo e o chutaram.
Derramando
Seus rubis.

TEMPOS: NO TEMPO

Mira: à tua frente o nebuloso;
Às costas, o abismo fendido,
Na fronte carregas trouxa pesada.
Das o teu passo adiante
E sempre. O fardo te curva,
O volume recrudesce. Que massa
Imensa essa que te verga.
Não olhes atrás.
Ou o peso da trouxa te lançará
No abismo – abismo de ti.
Mergulha na nuvem
Que é sempre caminho.
Teus cornos perfuram o tecido.
São ocos teus cornos.
E recebem o fluido da trouxa.
Sois um: tu e ela.
Mergulha na nuvem.
Dá o teu passo certo.
Mesmo que duvidoso.
Dá o teu passo sempre.
Até que a boca
Imensa te sugue
Da frente a nevoa.
Abrindo o caminho
Mais claro. E certo.

O PEDIDO DO POETA

Deixe-me vê-la por um instante mais.
Contar-lhe ao ouvido: vai, toma teu melhor vestido.
Coloca-te a melhor seiva, perfuma-te. Calça-te
Com as sandálias guardadas (pensava que as não ia usar).
Arruma o cabelo no ato, mantem o teu pescoço nu,
E põe um sorriso na face – os olhos cercados de azul.
Toma logo a minha mão, cerra os olhos-anil.
Abraça-me
Nas longas noites (eu te aquecendo no frio). Fecha,
Fecha
As pálpebras.
Quando as abrires, será rebatizada;
Eu
Te dizendo: “Laetita”. E tu muito alegrada:
“Não me chamo eu já assim”?
“Queria apenas lembrar que Laetita não nos parecias”.
E darás três saltos de êxtase,
Extremas tuas alegrias.
Deixe-me. Deixe-me vê-la por um instante mais.
Contar-lhe ao ouvido: vai,
Apressa-te, toma teu melhor vestido. Que ao fim
Tudo será baile. Ao fim, tudo será festa, rodeios em danças
Faustosas, na sala dourada os pares, a pleniplural
Multidão
Cantando em plenos ares: é vero o gozo-canção.

NILTON RESENDE – o poeta, professor, ator e pesquisador alagoano, Nilton Resende, foi premiado no projeto Alagoas Em Cena 2006, na categoria poesia com o livro “O Orvalho e os Dias” (Edufal/Trajes Lunares). Ele atua na companhia teatral Ganymedes, grupo, formado em meados de 2006 que estreou com o espetáculo O Mágico (2007), baseado na obra Mário e o Mágico, de Thomas Mann. Edita os blogs www.trajeslunares.blogspot.com e www.trajeslunaresprosas.blogspot.com.

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POETAS DE ALAGOAS
PALESTRAS
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segunda-feira, setembro 22, 2008

LITERATURA BRASILEIRA & POETAS DO RIO DE JANEIRO



CASIMIRO DE ABREU

CASIMIRO DE ABREU – O poeta e boêmio carioca, Casimiro de Abreu (1839-1860) teve uma vida carregada de amarguras, sendo exilado por força do pai em Portugal, a ponto de escrever: “Vivo muito triste e padeço mesmo um pouco do físico; a minha saúde vai-se estragando e eu desconfio que o canastro não dura muito tempo. Adeus; estima-me sempre e lamenta” e também: “eu continuo sempre bom do físico e sempre enfermo do moral”.
Historicamente, depois da fase de instabilidade do Primeiro reinado, com as lutas pela consolidação da Independencia e o clima geral de insatisfação diante do autoritarismo de dom Pedro I, o Brasil entrou numa fase de relativa tranqüilidade política e social com a abdicação do imperador e posterior ascensão de dom Pedro II ao poder, em 1840. A antecipação da maioridade do príncipe, aos 15 anos incompletos, veio pôr fim ao conturbado período período regencial e acabou por definir o regime do país como uma monarquia conservadora. Tomando a si o papel de protetor das artes, o jovem monarca incentiva as aspirações do nacionalismo romântico, que ia ao encontro do desejo de reconstrução e desenvolvimento do pais. É nessa época, a dos primeiros vinte anos do Segundo Reinado, que vive Casimiro de Abreu que pertencia à geração byroniana que representa a segunda geração romântica e que, ao mesmo tempo, representava o homem do Romantismo, esse inadaptado à vida e ao mundo, que sofre do chamado mal do século, ou seja, a crise moral do homem da primeira metade do século XIX. A poesia dessa geração é uma poesia de pessimismo, desalento e evasão, exercida por poetas que geralmente morriam jovens numa época em que as doenças graves, dentre as quais a romântica tísica – a tuberculose de hoje -, não tinham cura assegurada.
Para os românticos, a natureza era a emanação da grandeza divina, a expressão do Criador. Em Casimiro, isso está muito claro nos cânticos religiosos, em que o supremo ser não é o das indagações filosóficas ou abstrações místicas. Filtrado pela visão materna, o Deus do poeta – evidente no poema de que é título – é do aprendizado da infância, força misteriosa que só pode ser confrontada com os aspectos mais temíveis da natureza. Mas que, ainda assim, pode reduzir-se à intimidade da oração.
A idealização romântica do amor, na poesia casimiriana, tem nuanças próprias. De uma parte, a fruição amorosa, sem peias nem resslavas, surge em alguns poemas de conotação barroca, em que o gozo sensual do momento presente prevalece. De outra parte, essa mesma fruição é contida em poemas que exprimem temor e repressão da sexualidade.
Casimiro de Abreu não escapa aos sentimentos ambivalentes do seu tempo, em que a concepção de pureza atribuída ao amor entra em choque com o aspecto carnal do desejo. Também ele não pôde fugir ao temário do Romantismo, nem a uma fonte comum de imagens, nem a recursos estilísticos de sua época. Dentro disso, tem suas preferências e características próprias. Assim, a extrema musicalidade de seus versos chega a limites como o do ritmo imitativo.
Segundo Assis Brasil, a sua poesia é simples, individualista, meio desleixada quanto às normas, por vezes ingênua, adolescentes. Saudade, amor, paisagens, a sua vida domestica, ternura e timidez são seus temas, não se aprofundando neles. É o poeta preferido entre os adolescentes pelo sentimentalismo e musicalidade de seus versos e pelo tom saudoso do passado.
Suas obras: Camões e Jau (drama camoniano, 1856), As primaveras (1869) e Obras (1955).

MEUS OITO ANOS

Oh! Que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida,
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!

Como são belos os dias
Do despontar da existência!
- Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é lago sereno,
O céu - um manto azulado,
O mundo - um sonho dourado,
A vida - um hino d'amor!

Que auroras, que sol, que vida,
Que noites de melodia,
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d'estrelas,
A terra de aromas cheia,
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!

Oh! dias de minha infância
Oh! meu céu de primavera!
Que doce à vida não era
Nessa risonha manhã!
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã!

Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
Da camisa aberto o peito,
- Pés descalços, braços nus -.
Correndo pelas campinas
À roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!

Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo,
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!

Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
- Que amor, que sonhos, que flores -,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!

CANÇÃO DO EXILIO

Se eu tenho de morrer na flor dos anos
Meu Deus! não seja já;
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
Cantar o sabiá!

Meu Deus, eu sinto e tu bem vês que eu morro
Respirando este ar;
Faz que eu viva, Senhor! dá-me de novo
Os gozos do meu lar!

O país estrangeiro mais belezas
Do que a pátria não tem;
E este mundo não vale um só dos beijos
Tão doces duma mãe!

Dá-me os sítios gentis onde eu brincava
Lá na quadra infantil;
Dá que eu veja uma vez o céu da pátria,
O céu do meu Brasil!

Se eu tenho de morrer na flor dos anos
Meu Deus! não seja já!
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
Cantar o sabiá!

Quero ver esse céu da minha terra
Tão lindo e tão azul!
E a nuvem cor-de-rosa que passava
Correndo lá do sul!

Quero dormir à sombra dos coqueiros,
As folhas por dossel;
E ver se apanho a borboleta branca,
Que voa no vergel!

Quero sentar-me à beira do riacho
Das tardes ao cair,
E sozinho cismando no crepúsculo
Os sonhos do porvir!

Se eu tenho de morrer na flor dos anos,
Meu Deus! não seja já;
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
A voz do sabiá!

Quero morrer cercado dos perfumes
Dum clima tropical,
E sentir, expirando, as harmonias
Do meu berço natal!

Minha campa será entre as mangueiras,
Banhada do luar,
E eu contente dormirei tranqüilo
À sombra do meu lar!

As cachoeiras chorarão sentidas
Porque cedo morri,
E eu sonho no sepulcro os meus amores
Na terra onde nasci!

Se eu tenho de morrer na flor dos anos,
Meu Deus! não seja já;
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde, Cantar o sabiá!

PRIMAVERAS

Primavera! juventud del anno,
Mocidad! primavera della vita.

METASTASIO
I

A primavera é a estação dos risos,
Deus fita o mundo com celeste afago,
Tremem as folhas e palpita o lago
Da brisa louca aos amorosos frisos.
Na primavera tudo é viço e gala,
Trinam as aves a canção de amores,
E doce e bela no tapiz das flores
Melhor perfume a violeta exala.
Na primavera tudo é riso e festa,
Brotam aromas do vergel florido,
E o ramo verde de manhã colhido
Enfeita a fronte da aldeã modesta.
A natureza se desperta rindo,
Um hino imenso a criação modula,
Canta a calhandra, a juriti arrula,
O mar é calmo porque o céu é lindo.
Alegre e verde se balança o galho,
Suspira a fonte na linguagem meiga,
Murmura a brisa: - Como é linda a veiga!
Responde a rosa: - Como é doce o orvalho!

II

Mas como às vezes sobre o céu sereno
Corre uma nuvem que a tormenta guia,
Também a lira alguma vez sombria
Solta gemendo de amargura um treno.
São flores murchas; - o jasmim fenece,
Mas bafejado s’erguerá de novo
Bem como o galho do gentil renovo
Durante a noite, quando o orvalho desce.
Se um amargo de ironia cheio
Treme nos lábios do cantor mancebo,
Em breve a virgem do seu casto enlevo
Dá-lhe um sorriso e lhe intumesce o seio.
Na primavera - na manhã da vida -
Deus às tristezas o sorriso enlaça,
E a tempestade se dissipa e passa
À voz mimosa da mulher querida.
Na mocidade, na estação fogosa,
Ama-se a vida a mocidade é crença,
E a alma virgem nesta festa imensa
Canta, palpita, s’extasia e goza.

MINHA MÃE

Da pátria formosa distante e saudoso,
Chorando e gemendo meus cantos de dor,
Eu guardo no peito a imagem querida
Do mais verdadeiro, do mais santo amor:
— Minha Mãe! —

Nas horas caladas das noites d'estio
Sentado sozinho co'a face na mão,
Eu choro e soluço por quem me chamava
— “Oh filho querido do meu coração!” —
— Minha Mãe! —

No berço, pendente dos ramos floridos,
Em que eu pequenino feliz dormitava:
Quem é que esse berço com todo o cuidado
Cantando cantigas alegre embalava?
— Minha Mãe! —

De noite, alta noite, quando eu já dormia
Sonhando esses sonhos dos anjos dos céus,
Quem é que meus lábios dormentes roçava,
Qual anjo da guarda, qual sopro de Deus?
— Minha Mãe! —

Feliz o bom filho que pode contente
Na casa paterna de noite e de dia
Sentir as carícias do anjo de amores,
Da estrela brilhante que a vida nos guia!
— Minha Mãe!—

Por isso eu agora na terra do exílio,
Sentando sozinho co'a face na mão,
Suspiro e soluço por quem me chamava:
— “Oh filho querido do meu coração!” —
— Minha Mãe! —

SAUDADES

Nas horas mortas da noite
Como é doce o meditar
Quando as estrelas cintilam
Nas ondas quietas do mar;
Quando a lua majestosa
Surgindo linda e formosa,
Como donzela vaidosa
Nas águas se vai mirar!

Nessas horas de silêncio
De tristezas e de amor,
Eu gosto de ouvir ao longe,
Cheio de magoa e de dor,
O sino do campanário
Que fala tão solitário
Com esse som mortuário
Que nos enche de pavor.

Então - Proscrito e sozinho -
Eu solto aos ecos da serra
Suspiros dessa saudade
Que no meu peito se encerra
Esses prantos de amargores
São prantos cheios de dores:
Saudades - Dos meus amores
Saudades - Da minha terra!

A VALSA

Tu, ontem,
Na dança
Que cansa,
Voavas
Co'as faces
Em rosas
Formosas
De vivo,
Lascivo
Carmim;
Na valsa
Tão falsa,
Corrias,
Fugias,
Ardente,
Contente,
Tranqüila,
Serena,
Sem pena
De mim!

Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
— Não negues,
Não mintas...
— Eu vi!...

Valsavas:
— Teus belos
Cabelos,
Já soltos,
Revoltos,
Saltavam,
Voavam,
Brincavam
No colo
Que é meu;
E os olhos
Escuros
Tão puros,
Os olhos
Perjuros
Volvias,
Tremias,
Sorrias,
P'ra outro
Não eu!

Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
— Não negues,
Não mintas...
— Eu vi!...

Meu Deus!
Eras bela
Donzela,
Valsando,
Sorrindo,
Fugindo,
Qual silfo
Risonho
Que em sonho
Nos vem!
Mas esse
Sorriso
Tão liso
Que tinhas
Nos lábios
De rosa,
Formosa,
Tu davas,
Mandavas
A quem ?!

Quem dera
Que sintas
As dores
De arnores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
— Não negues,
Não mintas,..
— Eu vi!...

Calado,
Sózinho,
Mesquinho,
Em zelos
Ardendo,
Eu vi-te
Correndo
Tão falsa
Na valsa
Veloz!
Eu triste
Vi tudo!

Mas mudo
Não tive
Nas galas
Das salas,
Nem falas,
Nem cantos,
Nem prantos,
Nem voz!

Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!

Quem dera
Que sintas!...
— Não negues
Não mintas...
— Eu vi!

Na valsa
Cansaste;
Ficaste
Prostrada,
Turbada!
Pensavas,
Cismavas,
E estavas
Tão pálida
Então;
Qual pálida
Rosa
Mimosa
No vale
Do vento
Cruento
Batida,
Caída
Sem vida.
No chão!

Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
— Não negues,
Não mintas...
Eu vi!

CAROLINA
I
ADEUS!
Na estrada que conduz de Lisboa a *** erguia-se há poucos anos
uma casa de bonita aparência, com sua vinha verdejante, seu pomar
odorífero, seu jardim pequeno, mas bonito, suas alamedas, curtas
mas frondosas. O muro da quinta era alto bastante, e contudo os
ramos das faias e dos choupos gigantes debruçavam-se sobre ele,
assombrando com sua folhagem majestosa a estrada, que o mesmo
muro flanqueava para um pequeno espaço.
Ao ver-se essa pequena casa cercada de perfumes, de verdura, de
sombra e de poesia, podia-se sem receio dizer: seus habitantes são
felizes. E eram. Viviam entregues aos prazeres mais doces da vida
doméstica. Acordavam quando a natureza despertava, no meio do
trinar das aves, do sorrir da manhã e do sorrir das flores;
adormeciam sossegados ao som do vento da noite que zunia,
dobrando a coma dos arvoredos.
Era uma bela tarde de maio de 1848. Os raios moribundos do sol no
ocaso pareciam dormir nos bastos olivais que coroavam a crista dos
outeiros; uma viração suave e branda refrescava a atmosfera,
sussurrando por entre as folhas e alterando o espelho tranqüilo do
lago onde o cisne vogava majestoso; o céu trajava o azul mais puro
apenas manchado aqui e além por ligeiras nuvens brancas,
similhantes a vapores, como se fossem os rolos de incenso que os
turíbulos da terra enviavam aos pés do Senhor, impelidos pelas auras
bonançosas. Era na verdade uma tarde de primavera, da primavera,
mocidade do ano, dessa quadra amena e deleitosa, que por toda a
parte entoa o canto grandioso da criação!...
No fim duma das alameda da quinta, debaixo dum lindo
caramanchão, acabavam de assentar-se um rapaz de 20 a 22 anos e
uma menina de 17 ou 18. Tinham os braços entrelaçados e olhavamse
com esses olhares ternos dos amantes.
Que lindo par! Ele, belo com essa beleza que distingue o homem;
ela, bela com essa beleza que Deus dá só às mulheres! Ai! um
sorriso que se desprendesse dos lábios formosos daquela virgem,
mataria de amores um homem! Um olhar meigo e terno que
brilhasse por entre aquelas pestanas aveludadas, venceria o mundo!
- Ora diz-me a verdade, Augusto, sempre partes amanhã? disse a
jovem a seu companheiro, com uma voz suave como teriam os
anjos, se eles falassem.
- Não me acreditas, Carolina? Para que te havia de eu enganar?
Carolina fitou seus olhos negros nos de Augusto, e disse-lhe corando:
- Para quê?!
- Olha, és injusta; um dia to hei-de provar.
- Mas tu não te demoras muito, não é assim?
- Não sei; mas mesmo que me demore muito, um dia hei-de voltar.
- Ah! tu já não me amas! disse ela, e duas lágrimas despregaram-se
de suas pálpebras e vieram cair-lhe no seio.
- Carolina! Carolina! cada vez te amo mais, meu anjo.
E Augusto encostou a cabeça da virgem ao seu peito e beijou-lhe a
fronte.
E os pássaros cantavam seus gorjeios, e a fonte murmurava seus
queixumes, e a brisa dizia seus segredos!...
- Escuta, querida, podes vir todas as tardes sentar-te sobre este
mesmo banco, podes até trazer o meu retrato que eu te dei; e
quando os pássaros cantarem, quando o sol s' esconder, quando a
brisa brincar com as flores, tu ouvirás os meus protestos d'amor.
Sentado à popa do navio que me levar, pisando solo estranho longe
de ti, eu direi à viração do mar, eu direi às brisas da tarde: levai-me
este suspiro a Carolina.
- Sim, sim, murmurava ela, manda-me um suspiro.
- E quando um dia, continuou Augusto, a estas mesmas horas, tu
ouvires uma voz cantar estes versos:
Ó querida, estou de volta,
Venho-te um abraço dar;
Enxuga teus lindos olhos,
Sê minha, que eu sei-te amar.
Então, meu anjo, sou eu, é o teu Augusto; então, eu o juro, tu serás
minha à face do mundo e à face de Deus; então nós viveremos.
- Oh! Augusto! Augusto! não partas, não me deixes! e a jovem
banhara-se em pranto e soluçava.
- Oh! eu devo partir, mas creio em Deus, também hei-de voltar.
E Augusto com a voz trêmula e os olhos umedecidos, abraçando a
virgem, disse-lhe:
- Adeus, Carolina!
- Adeus, Augusto! Para sempre?!...
- Não! não!
E seus lábios se encontraram num longo beijo d'amor, no meio de
lágrimas e soluços.
Um grito, agudo e lúgubre como o do mocho, retumbou no espaço!...
- Jesus! exclamou Carolina, cobrindo o rosto com as mãos.
- Não creio em agouros! respondeu Augusto cavalgando o muro.
Um momento depois sentia-se o tropel dum cavalo que partia a toda
a brida para Lisboa...
Quando esse ruído se perdeu ao longe, Carolina juntou as mãos e
disse em voz baixa:
- Adeus, Augusto! adeus!...
Quase ao mesmo tempo, o cavaleiro que parecia fugir nas asas do
vento, murmurava:
- Adeus, Carolina! adeus!
II
CAIU!
No fim da mesma alameda, embaixo do mesmo caramanchão,
sentados sobre o mesmo banco onde seis meses antes dois amantes
se beijavam em prantos, dois amantes hoje beijam-se por entre
sorrisos de prazer.
Ah! mulher! mulher! que tão cedo esqueceste o homem que te votou
o amor mais ardente de sua alma! Esse homem a quem juraste vir
aqui todas as tardes escutar o suspiro saudoso, que ele te havia de
enviar nas asas da viração!...
Ah! mulher! mulher! que tão depressa esqueceste um homem que te
ama, para ouvires os galanteios doutro que te cobiça!... Deixas
adormecida em teu peito a imagem daquele por quem teu coração
novel bateu as primeiras pulsações, ao mesmo tempo tímidas e
suaves, e não te lembras que esse homem virá um dia, implacável
como o destino, terrível como o raio, pedir-te o cumprimento das
juras que lhe fizeste; exigir-te contas do seu amor, que tu
escarneceste; das suas crenças, em que tu cuspiste; da sua alma,
que tu assassinaste!...
Não te lembras que os lábios ardentes doutro homem roçaram as
tuas faces?
Oh! para o futuro, nas horas mortas da noite, sentirás o pungir desse
remorso!
................................................................................................
O dia está quase no seu termo; em breve virá a noite com seu
silêncio, suas estrelas, seus fantasmas, seus mistérios!...
Eles falam; escutamos:
- Olha, Fernando, ontem esperei-te tanto tempo, e tu não vieste!
Estava aqui sentada só, triste! Qualquer ruído que sentia na estrada,
dizia comigo: é Fernando; e enganava-me, não eras tu!
- Não vim ontem, porque não pude; mas vi-te.
- Não vieste e viste-me?!
- Vi-te sim, Carolina, vi-te em sonhos como te vejo todos os dias. E
que outra mulher senão tu, há-de vir abrilhantar os meus sonhos? Às
vezes, vejo-te similhante a um anjo, fugires da terra envolta em
nuvens vaporosas. Ontem vi-te aqui, neste mesmo parque. Tu eras
já minha e estavas tão linda como agora; o céu sorria-se para ti, os
pássaros gorjeavam para tu os ouvires, a brisa brincava com teus
cabelos e tu brincavas com as flores...
- E tu, Fernando?
- Eu?! Corria atrás de ti para te dar um beijo e tu fugias ligeira como
a gazela e depois cansada, com teu seio a arfar, com teus lábios
entreabertos, com tuas tranças soltas, caías desfalecida em meus
braços... e ambos gozávamos gozos, delícias, como só se gozam no
céu... estávamos no paraíso. Ah! que sonho tão lindo, Carolina! Mas
era um sonho. Foi cruel o despertar.
- Não te acredito, disse ela com um sorriso, que queria justamente
dizer o contrário.
- Mas eu não te engano; amo-te como um louco, amo-te como
ninguém nunca amou, porque és tu a mulher que eu havia sonhado
nos meus sonhos da infância, nos meus sonhos da adolescência, nos
meus sonhos dos 18 anos, quando o coração tem necessidade
d'amor, quando os lábios desejam que os beijos duma mulher
venham mitigar a sede que os abrasa.
E Fernando pôs-se de joelhos aos pés de Carolina, cingindo-lhe a
cintura flexível e delicada, com seus braços nervosos.
- E tu, Carolina, também me amas?
- Muito, muito, disse ela, e subjugada pelo olhar ardente de
Fernando, uniu seus lábios corados aos dele, que queimavam...
A noite tinha estendido o seu manto: as estrelas cintilavam no
firmamento, grossas nuvens haviam ocultado a face da lua.
A noite tem seus mistérios!
................................................................................................
No meio daquela mudez aterradora, soou um grito de mulher,
abafado logo por algum beijo. Teria Carolina visto a figura d' Augusto
desenhada no muro fronteiro?...
...............................................................................................
Meia hora depois, à claridade da lua que se mostrou de súbito, um
vulto de mulher atravessava apressado a alameda, dirigindo-se para
casa, grave como um fantasma, trêmulo como um condenado!
................................................................................................
As estrelas cintilavam mais frouxas, a lua ocultou-se de novo e um
murmúrio indefinível, similhante a um queixume, parecia subir da
terra ao céu...
Carolina, tinha uma coroa de virgem que lhe circundava a fronte
como uma auréola brilhante; Fernando arrancou essa coroa e calcoua
aos pés!...
O anjo caiu do seu pedestal d' inocência... a rosa purpurina e bela
pendeu na sua haste... o vento da noite levou-lhe as folhas...
III
A VOLTA
Estamos em 1849.
Numa tarde de fevereiro, levado por toda a velocidade de seu bom
cavalo, seguia um cavaleiro a estrada de Lisboa a ***, estrada onde
ficava essa linda quinta com sua casa, no meio de perfumes e de
verdura.
Esse cavaleiro, era Augusto.
Quando ainda de longe ele avistou a casa, seus olhos disseram é ali,
seu coração indeciso, murmurava: aquela?!...
Ai! já não era a mesma quinta bela e verdejante, que ele tinha
deixado na primavera! O inverno havia-a transformado
horrivelmente.
Os ramos das faias e dos choupos gigantes já não se debruçavam
sobre o muro. A natureza estava triste. As árvores não tinham
folhas: apenas erguiam seus ramos despidos que vergavam com o
vento.
Uma tristeza involuntária apoderou-se do mancebo.
Prendeu ao muro o seu cavalo coberto de suor e poeira e pôs-se a
cantar com uma voz trêmula:
Ó querida, estou de volta,
Venho-te um abraço dar;
Enxuga teus lindos olhos,
Sê minha, que eu sei-te amar.
Nenhuma voz respondeu à sua copla apaixonada. Um silêncio
profundo reinava nas alamedas; só os ramos das árvores se
agitavam. Dir-se-ia ser um cemitério.
Augusto teve um pressentimento; sua fronte empalideceu por um
instante, mas continuou repetindo:
Enxuga teus lindos olhos,
Sê minha, que eu sei-te amar.
O mesmo silêncio terrível. Só o eco repetia triste suas últimas
palavras: "sê minha, que eu sei-te amar".
Saltou o muro e alongou a vista impaciente.
Que tristeza! As alamedas estavam desertas, o jardim já não
florescia, o lago já não tinha o seu cisne, a natureza já não sorria!
Foi direito ao caramanchão, ele lá estava no mesmo lugar com o seu
banco de cortiça, mas a fonte que dantes murmurava parecia gemer
agora!
Augusto sentou-se no banco com a cabeça encostada a uma das
mãos e olhou para tudo com uma indizível tristeza.
Ai! os pássaros já não cantavam, nem a brisa brincava travessa!
Então o pranto correu-lhe livre, o seu coração dizia-lhe que chorasse.
- Foi aqui, murmurava ele, foi aqui que me despedi dela, foi aqui que
prometi torná-la a ver. Meu Deus! quantas lágrimas não derramei
quando atravessava o Oceano, que me separava da pátria, onde
ficara a minha alma! E agora, que torno a ver a terra onde nasci,
agora, que devia ver a minha Carolina, não sei por quê, sinto uma
vontade imensa de chorar. Carolina! Carolina! bradou ele, vem ver o
teu Augusto, vem dizer-lhe que sempre o amaste, vem dar ao
desgraçado que chorou os prantos da saudade, o teu beijo de amor:
e os soluços abafaram-lhe a voz no peito.
Mas o mesmo silêncio lúgubre continuou; nem uma voz, nem um
som respondeu aos gemidos do amante.
Ergueu-se pálido e trêmulo e caminhou vagaroso pela alameda que
ia dar ao jardim, cantando sempre com a sua voz comovida aquela
copla, que tão bem exprimia os desejos do seu coração.
Chegou ao jardim e olhou. A casa tinha as portas e as janelas todas
fechadas. Também estava deserta.
- Mudaram-se, disse ele, Carolina já aqui não está!
E volta pensativo para o caramanchão e parou diante da fonte.
- Onde está Carolina? perguntou ele, como se a fonte pudesse
responder-lhe.
- Onde está Carolina? perguntou ele às árvores, e parecia esperar a
resposta.
Mas a fonte continuava a correr e as árvores a agitar os ramos.
- Então adeus, meu caramanchão, minha fonte, meu jardim, adeus!
E Augusto saltou o muro e quis passar por diante da casa onde
estivera a sua amada. Quando aí chegou, parou e pôs-se a olhar
para a janela onde a tinha visto a primeira vez.
- Jesus! Meu Deus! aquele não é o senhor Augusto? dizia uma saloia,
que passava por ali, a seu marido.
- Parece que é, respondeu o saloio.
Ao ouvir o seu nome, Augusto olhou para o lado donde partiram as
vozes e reconheceu-os. Depois de os cumprimentar perguntou logo:
- Diga-me, o senhor Ferraz já aqui não mora?
- Há que tempos! mudaram-se pelo Natal.
- Sabe para onde?
- Isso é que não sei; tanto ele como a senhora estavam muito
tristes, e tinham razão, aqueles desgostos não são para menos.
- Então eles tiveram algum desgosto? perguntou Augusto, que
pressentia a morte de Carolina.
- E muito grande. Sua filha, a senhora D. Carolina, fugiu...
- Carolina fugiu? perguntou Augusto com uma voz que assustou a
pobre mulher.
- Sim senhor, respondeu ela, foi no meado do mês de dezembro.
Custa a creditar, que uma menina tão boa deixasse sua mãe. E daí
pode ser que fosse roubada, quem sabe!
Augusto já nada ouvia; estava louco.
- Oh meu Deus! meu Deus! murmurou ele.
- Jesus! que é isso, senhor Augusto? perguntou a mulher vendo-lhe a
extrema palidez e o chamejar sinistro dos olhos.
- E eu que a amava tanto! continuou ele em voz baixa.
A saloia compreendeu-o e afastou-se murmurando:
- Pobre rapaz! o que lhe fui eu dizer!
Augusto ficou ainda algum tempo imóvel com os olhos turvos e o
peito arquejante, mas depois erguei a fronte de repente e bradou
com uma explosão terrível de dor:
- Ah! mulher, mulher! tu me mataste!
Desprendeu seu cavalo, montou e desapareceu na estrada. Ainda
olhou de longe uma vez para aquela quinta deserta e triste, que lhe
inspirava tantas recordações...
IV
O MUNDO!
O esplêndido sol dum dia de junho de 1852 brilhava com toda a sua
força.
Lisboa-a ufana-curvada graciosa para o Tejo, que lhe beija as
plantas, oferecia alegre as suas torres, seus palácios, suas praças,
suas ruas, aos raios ardentes desse astro vivificador.
Entranhemo-nos por essa Lisboa, labirinto como tantos outros que se
chamam Paris, Londres, etc. Vereis por toda a parte desonra,
infâmia, crime! Vereis a virtude esmagada pelo vício! Vereis a par da
mais deslumbrante opulência, a mais horrível miséria! Vereis o pobre
ajuntar as migalhas dos festins e das orgias do rico! Vereis
desacatada a religião, profanado o templo, insultado o Cristo!
- E vive-se nesse inferno?! perguntareis vós.
- Vive-se sim, porque esse abismo alcatifado de flores, tem uma
atração a que ninguém resiste. Vive-se sim, porque aí pode o
malvado esconder a fronte criminosa no meio da multidão, que se
agita e ruge como o oceano em um dia de cólera. Vive-se sim,
porque a mulher, que o mundo perdeu, pode aí facilmente furtar-se à
vista daqueles, que a conheceram no seu tempo de candura e
d'inocência.
- Vinde.
- Por aqui?!...
- Sim, por aqui; causam-vos nojo estas ruas estreitas, tortuosas e
lamacentas? Também a mim. Reparai como estes prédios denegridos
exalam um fétido insuportável. Tudo respira orgia, vício! Não vedes
essas mulheres, que nos atraem com seus olhares voluptuosos, seus
sorrisos d'amor, seus requebros lascivos? São mulheres perdidas.
Coitadas! Arrojaram-nas nesse abismo de devassidão, e não há mão,
que as salve! Hão-de morrer revolvendo-se nesse lodaçal imundo!
Desçamos esta calçada.
Não vedes além, aquela jovem pálida e linda encostada à sua janela?
Tem seus olhos negros fitos no céu; talvez esteja passando pelo
pensamento toda a sua vida. Quem sabe?
Olhai! também tem sobre a fronte o cunho da prostituição.
Mas reparai bem: não vos parece, assim como a mim, tê-la já
visto?... Esperai! Foi...há-de haver quatro anos...numa linda
quinta...chamava-se...chamava-se...Carolina...
Carolina!! Aquela virgem que passeava pensativa e bela no seu
jardim...inocente como uma pomba?... Oh o mundo!...O mundo!...
E foi um miserável que a perdeu!...
Fernando! Fernando! o que fizeste!...
Onde está teu filho, malvado?!
Meteste-o na roda! Vai, mostro, vai ver se o encontras agora, no
meio dessas crianças condenadas a viver, sem jamais receberem
uma carícia de sua verdadeira mãe, sem que na hora derradeira se
recordem que os beijos maternos lhe roçassem as faces na sua
infância.
E quando um dia, um homem puser sobre teu peito a ponta do seu
punhal, exigindo-te a-bolsa ou a vida,- terás a certeza de que esse
bandido não seja o teu filho?...
Ah! Fernando! Fernando! a virgem, que louca, se confiou na tua
lealdade,- seduziste-a!
A mulher, que com vergonha da sua família, deixou por teus
conselhos a casa paterna, - abandonaste-a!
E a desgraçada, numa noite tempestuosa, vertendo prantos de dor e
arrependimento, bradou desesperada: "Fernando! Fernando! tu m'
enganaste! Augusto, perdão! Meu Deus, valei-me! que hei-de eu
fazer? Oh! a culpa não é minha, levo a consciência tranqüila!"
E lançou-se no vício!...
E não houve um braço que a sustivesse à borda do precipício!...
E as turbas, que vêm e vão, quando passam, chamam-lheprostituta!...
Covardes! não insulteis essa mulher. Foi um homem que a perdeu.
Lembrai-vos que ela já foi virgem; lembrai-vos que essa rosa, hoje
pálida, desbotada, murcha e estendida no solho dum lupanar, já foi
um botão mimoso, que entreabria risonho num jardim florido, e que
o vendaval da vida derrubou.
Não a insulteis! resgatai-a do vício; tirai-lhe o labéu infamante, que
lhe pesa sobre a fronte e Deus vos recompensará.
Não a insulteis, que aquele pobre coração há-de sofrer tormentos
horríveis. Quantas vezes não terá ela chorado lágrimas de sangue,
lembrando-se das carícias de sua mãe, do amor de seu pai, dos seus
dias sossegados e felizes passados no lar doméstico! Quantas vezes
não terá pensado no seu Augusto, que tanto a amava e que talvez
agora a amaldiçoe!...
E essa infeliz, ralada por sofrimentos horríveis, não terá, na última
hora, mão amiga, que lhe venha cerrar as pálpebras?!...
Ah! mundo! mundo! abismo insondável, que tragas tantas vítimas!...
Ah! Sociedade estúpida! que escarneces da desgraça!...
Ah! Justiça! Justiça! palavra irrisória, que nunca punes o criminoso!...
Mas há a de Deus, e essa...é justa!
V
DEUS
Nesse magnífico dia de junho de 1852 em que Carolina na sua janela
olhava para o céu e parecia murmurar uma oração à Virgem, dois
jovens caminhavam conversando pela mesma rua.
- Pois é como te digo, dizia um deles, o amor cá para mim resume-se
no gozo. Para que diabo tem um homem dinheiro, senão para pagar
com ele os seus prazeres? Um homem rico é feliz, tem tudo quanto
quer.
Nada inveja, nem mesmo o sultão, porque o dinheiro também pode
comprar um serralho com cem mil mulheres, que todas juntas
entoem um canto imenso de voluptuosidade e d'amor, cerquem um
homem de carícias e encham o espaço com um concerto mágico de
beijos e suspiros.
Isso é que é vida. Se a não posso ter assim, ao menos nunca me
deixei arrastar por essas torrentes de sentimentalismo estúpido, de
que tantos parvos têm morrido. Cá para mim, o amor é o prazer.
- Tens razão, Fernando, replicou o outro: de que serve dar um
homem o seu amor puro e sincero a uma mulher, se ela depois
escarnece dele?
Tens razão; o amor é o prazer.
- Ora Augusto! disse Fernando soltando uma gargalhada do mais
revoltante cinismo: então tu também caíste na asneira de amar com
muito respeito alguma virgem encapotada? Hein? aposto que ela te
pagou bem!
- Fugiu com outro, a pérfida! disse ele, e seu rosto cobriu-se da
palidez da morte.
- É porque entendia melhor da vida do que tu.
- Oh! Fernando, tu não sabes o que eu tenho sofrido! Era a primeira
mulher que amava, a única, que tenho amado. Era tão linda! parecia
um anjo. Não, não! não creio que aquela mulher me traísse; foi
decerto uma fraqueza d' instante.
- Histórias da vida! Ela aborreceu-se de ti e gostou doutro, eis o
caso. Há quanto tempo foi?
- Há quatro anos.
- Há quatro anos e ainda tu pensas nisso! Se fosse há dois dias tinha
alguma desculpa. É a primeira vez que tal vejo. Pois há mulher
alguma que mereça as lágrimas dum homem? Há tantas!
- Mas eu amava-a!
- Ora amavas! Gostavas dela é que queres dizer. Pois bem, esquecea;
goza agora de vinte ao mesmo tempo e estás vingado
nobremente.
- Sim, sim, quero vingar-me! bradou Augusto, e sobre seus lábios
pairou um sorriso sinistro, diabólico!...
- Até que afinal! Filiei mais um campeão às minhas bandeiras. Dou-te
os parabéns. Para essa vingança, à minha moda, tens quem te
ajude, toca.
E estes dois homens, que deviam saldar entre si uma dívida terrível
de sangue, apertaram as mãos como amigos!
- Sim, sim, quero vingar-me, continuou Augusto, hei-de perder
tantas mulheres quantas as lágrimas que ela me fez verter.
- Bravo! bravo! isso é que se chama uma vingança sublime.
E assim conversando, tinham ambos chegado junto à escada do
prédio onde morava Carolina.
- Oh! Augusto, para principiares a vingar-te, vamos aqui ao 4º andar.
- Não vou.
- Anda, vem! O Moreira disse-me que há aqui uma rapariga muito
linda. Que diabo vais tu fazer agora ao passeio? Anda, vem.
E ambos subiram a escada, bateram ao 4º andar e entraram.
No corredor, sentiram o roçar dum vestido pelas paredes; um vulto
de mulher apareceu a uma porta e fugiu de súbito.
Seguiram essa mulher e viram-na cair sobre um sofá com o rosto
oculto entre as mãos, soluçando como uma criança.
Quando eles se aproximaram, a desgraçada ergueu-se e juntando as
mãos para Augusto disse-lhe:
- Perdão! Perdão! Fernando é que me perdeu, e caiu sem sentidos!
- Carolina! exclamaram os dois mancebos ao mesmo tempo,
recuando um passo.
E só então é que esses dois homens compreenderam o papel, que
deviam representar nesse drama.
- Miserável! Foste tu! bradou Augusto lívido de cólera agarrando
Fernando por um braço.
Este levou a mão ao peito, os olhos injetaram-se-lhe de sangue,
sentiu vergarem-lhe as pernas e ferido por uma apoplexia fulminante
caiu redondamente no chão. Na queda, roçou com a cabeça a orla do
vestido de Carolina.
A justiça de Deus foi terrível!...O algoz expirou aos pés da vítima!
VI
PERDÃO!
Augusto fugiu espavorido daquela casa onde deixava um cadáver; o
cadáver de Fernando, punido pela cólera do Senhor!...
E ele conviveu com esse homem durante tantos anos e chamava-lhe
seu amigo!...
E a mulher que ele amara pediu-lhe perdão, confessando o seu erro
e o seu arrependimento!...
Ela ainda o amava...talvez! e com esta lembrança ele sentia reviver
todo o amor que lhe jurara nos seus dias felizes. Cem vezes quis
voltar para trás e levar nos seus braços Carolina desfalecida, que ele
reanimaria com o seu hálito abrasador, mas a cabeça andava-lhe à
roda, as casas pareciam cair e as pernas tremiam-lhe. Uma febre
ardente devorava-lhe o cérebro.
Uma hora depois, dois médicos contemplavam-no estendido sobre a
cama.
Erguia meio corpo, apoiava-se com os cotovelos, e espraiando os
olhos desvairados, perguntava com uma voz terrível: "Onde está
Carolina?"
Depois...seus punhos cerravam-se, seus dentes rangiam e
murmurando: Fernando! Fernando! caía de novo sobre o travesseiro.
Era o delírio.
À claridade das velas, aquele rosto pálido, que se debatia na cama,
parecia o dum espectro agitando-se sobre um túmulo.
À meia noite cessou-lhe a febre e um sono tranqüilo e longo o
conservou deitado até às 10 da manhã.
Apenas acordou, contra a ordem expressa dos médicos, vestiu-se e
saiu.
Quem o visse na rua diria ser um fantasma. Estava desfigurado como
um cadáver; só seus olhos tinham um brilho imenso.
Dirigia-se apressado para a casa onde se desenrolara a seus olhos o
drama da véspera: queria ver Carolina.
- Quero falar à menina Carolina, disse ele à dona da casa, apenas
entrou.
- O senhor certamente enganou-se com a casa, aqui não há
nenhuma Carolina.
- Pois ela não estava aqui ontem?
- Carolina!...não senhor.
- Se eu estava aqui quando ela desmaiou ontem à tarde!
- Ah! é verdade, mas ela chama-se Amélia.
- Mudou de nome! disse consigo o mancebo, tinha vergonha que a
conhecessem! Depois dirigindo-se à mulher: Não lhe podia falar
agora?
- Ela já cá não está. Saiu ontem mesmo quase à noite, deixando-me
uma carta para entregá-la a uma pessoa que a devia vir aqui
procurar ontem ou hoje. Talvez seja o senhor. Queira ter a bondade
de me dizer o seu nome?
- Augusto ***.
- Justamente. Vou já buscá-la.
- Esperava que eu viesse ontem ou hoje e não quis que eu a visse!
murmurou ele apenas a mulher saíra da sala. Compreendo-te,
Carolina; tu ainda me amas e receavas que eu te repelisse agora que
estás manchada, quando te havia deixado pura. Não, não! não te
repilo, porque o meu coração bate da mesma maneira que batia há
quatro anos; porque para mim sempre serás a mesma Carolina
virgem, inocente, que eu respeitei como irmã; porque terias de mim
o perdão voluntário dessas faltas que o mundo te fez cometer. Oh!
para que me separei de ti? para que fiz aquela viagem?...
E abafou com o lenço as lágrimas que lhe saltaram dos olhos.
- Aqui está a carta, disse a mulher entrando.
Augusto recebeu-a e desceu precipitadamente as escadas. Queria lêla
em casa, porque aí ninguém viria perturbar-lhe a sua dor.
Meia hora depois, sentado a uma mesa, lia ele a carta de Carolina.
" Augusto:
"Perdão! perdão! é de joelhos que to imploro. Não me amaldiçoes;
por piedade, ouve-me primeiro. Bem sei que te rasguei o coração,
porque tu me amavas deveras, mas já tenho expiado de sobra o mal
que te fiz. Para que me deixastes tu, para fazer aquela viagem?
Antes não fosses. Chorava todas as tardes debaixo do caramanchão,
por ti; chorei três meses. Um dia vi Fernando. Um dia... Perdão!
perdão! foi fraqueza; manchei o corpo, mas a alma ficou pura. Não
amava senão a ti. Desde esse dia a tua imagem perseguiu-me
sempre. Tremia diante da minha família, tremia diante de Deus,
tremia diante de tudo! Era culpada! Uma noite, enfim, seduzida por
aquele homem, que prometera desposar-me, reparando a falta,
deixei a casa onde nascera para nunca mais voltar. Passei essa
última tarde com minha mãe, que eu abracei e beijei mil vezes.
Minha pobre mãe! que nunca mais te hás-de sorrir para mim! Meu
pobre pai, que nunca mais me chamarás a tua Carolina!
"Oh! Augusto! Augusto! eu tenho sofrido muito.
"Depois, meu filho foi-me arrancado dos braços, e quando pedi a
Fernando os meus dias felizes, a minha honra, as carícias de minha
mãe e os afagos de meu pai... ele respondeu-me com uma
gargalhada e abandonou-me.
"Para onde havia de ir? Para casa de meus pais? Eles fechariam a
porta à filha indigna que lhes manchara o nome. Não tinha coragem
bastante para suicidar-me...arrojei-me no abismo!...
Mas todas as noites pedia a Deus nas minhas orações, que te
pudesse ver ainda uma vez antes de morrer, a ti, o único que tenho
amado. Deus ouviu-me, Deus puniu Fernando.
"Adeus! parto para longe de ti; nunca mais me verás. Não, nunca
mais, porque é impossível que o coração de um homem possa amar
a mulher que o traiu. Mas ao menos lembra-te que Cristo perdoou a
seus algozes, perdoa-me também. Oh! sim, Augusto, perdão! perdão
para
CAROLINA."
Sim, sim, perdôo-te, exclamou o mancebo deixando cair a carta das
mãos: perdôo-te, porque sinto renascer todo o amor que eu julgava
extinto. Carolina! Carolina! bradou ele, erguendo-se, vem a meus
braços, vem, que eu te dou todo o amor que encerra o coração de
um homem.
Meu Deus! meu Deus! dai-me a minha Carolina, que eu nunca amei
outra mulher no mundo...
VII
A ÚLTIMA HORA
Um mês depois, nos últimos dias de agosto, Carolina gemia
agonizante em Setúbal.
Que coração de mulher resistiria a tantas comoções?
Com a cabeça formosa recostada no travesseiro, firme e resignada,
ouvia ela da boca do sacerdote as doces e consoladoras palavras do
Evangelho.
Sobre uma pequena mesa via-se um crucifixo entre duas velas
acesas, que espalhavam pelo quarto a sua claridade mortuária.
Oh! triste e solene hora do passamento! Como se patenteia então
eloqüente o nada das grandezas humanas!...
- Filha, dizia-lhe o padre, com sua voz suave; lembrai-vos só de
Deus, diante do Qual ides em breve comparecer. Arrependei-vos,
filha, e Ele que é um Deus de bondade e misericórdia há-de perdoar19
vos.
- Deus perdoa-me, padre?
- Perdoa-vos, sim, filha.
- Então morro contente; mas eu também queria levar outro perdão
da terra.
- Dizei, filha.
- É o de meus pais, que eu abandonei, padre; mas eu amava-os
muito.
- Também te devem perdoar, filha, porque Deus manda que se
perdoe.
- Ainda falta outro, padre.
- Dizei, filha.
- É um homem que eu amei muito, padre, e que ainda amo.
- Fizestes-lhe mal, filha?
- Traí-o, padre, disse ela chorando.
- Descansa, filha, ele também te há-de perdoar.
- Meu padre, queria pedir-vos um favor.
- Falai, filha.
- É de enviardes para Lisboa a carta que está sobre aquela mesa; é o
último adeus que eu digo àquele homem.
- Eu enviarei a carta, filha. Mas por que chorais? são ainda
lembranças deste mundo, que vos pungem? Já vos arrependestes
sinceramente de tudo: pois bem; desligai o pensamento de tudo que
é terrestre, mesquinho e pequeno, e pensai em Deus, sublime e
grande.
- Padre, padre, eu vou morrer! repeti-me que Deus me perdoa.
O padre aproximou-se e curvado sobre o leito dizia-lhe:
- Minha filha, Deus é bom, Deus perdoa quando Seus filhos se
arrependem como vós vos arrependestes.
- Minha pobre mãe, adeus! murmurava a agonizante, perdoa a tua
filha, meu pai!
Depois um tremor percorreu-lhe os membros, um soluço saiu de seu
peito e fazendo um último esforço disse: adeus... Au... gus... e a voz
expirou-lhe nos lábios e a cabeça pendeu para o lado, sem um
gemido.
Estava morta.
O padre contemplou-a um instante, mudo e enternecido.
- Morreu! disse ele enxugando uma lágrima, ainda tão jovem! Foi o
mundo que a matou.
EPÍLOGO
Alguns dias depois, Augusto, trêmulo, abria uma carta fechada com
obreia preta, e lia:
" Adeus, Augusto: quando leres esta carta já estarei morta. Consola
meu pai e minha mãe, se os vires. Não amaldiçoes a minha
memória! Morro beijando o teu retrato, que levo comigo ao túmulo.
Adeus! ora por mim!
CAROLINA".
- Sim, sim, disse o mancebo, caindo de joelhos e juntando as mãos,
eu oro por ti. Que Deus te perdoe como eu te perdoei.

FONTE:
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