terça-feira, agosto 26, 2008
POETAS DO RIO DE JANEIRO
REGINA SOUZA VIEIRA
“Escritor que se dá à escrita escreve ao sol, lê da lua”.
BRINCANDO DE HAICAIS
Quando a neve esfria
Sabe-se: o quanto se ama
Calor feito em chama
Sempre me pergunto:
Quem não tens bons? Maus momentos?
E muitos sofrimentos?
O relógio inerte
Da noite exige sossego
Do sol, aconchego.
Sonhos que vigilam
No dia, minha fantasia.
Sonhos são orgia.
Brinco com poesia,
Rimas, aliterações,
Ventos e paixões.
Qual hashish de amor
Pensamentos me entontecem
E me amadurecem.
Anoitece à claridade
Da paisagem inocente
Do riso da gente.
Quando o vento bate
Bem de encontro á mim
Sinto-o assim.
Sol é alegria
Que ilumina toda a gente
Chuva que aquece fria.
Sinto que me perco
No labirinto da vida
Será bem vivida?
CAIXA-SURPRESA
Dentro de uma caixa havia
Outra caixa encerrada
Nesta, outra caixa fechada
Aquele era o meu presente
Olhei-o meio assustada
Só via caixa em caixa
N´outra caixa embrulhada
De repente, uma voz saltou:
- Ei, moça! De cavalo dado
não se olha o dente.
INCOGNITA
Muita gente me conhece
Eu não conheço ninguém
E aqueles que conheço
Não sei se conheço bem.
O NASCITURO
O poema que se perdeu
Lá no ato de fazê-lo
Se se perdeu
Poema não era
Ou não estava poeta
Aquele que
Quis escrevê-lo.
O poema não precisa
Mão para rabiscá-lo
Ele se escreve sozinho
Como terra lavrada
Expulsa o joio, colhe o trigo.
Ele nasce tranqüilo,
Espontâneo, violento
Impondo suas antíteses
Colhendo seus sememas
Ele mesmo separa
Como ouro feito gemas
Emoções já vividas
Cerne d´outras vidas.
Entanto, se se perdeu
É porque ainda imaturo
Se sentiu mais seguro
Lá no ventre materno
Da inspiração.
Poeta, aguarde a hora!
O tempo imenso
Em que abraçados
Poeta e poesia
Ambos serão
Um só: gigante imenso!
AMAR/O/AMOR
Porque não soube amar
Amou muito, demais
Se entregou, sofreu
Foi feliz, se deu
Mas acabou e agora
Sem poder suportar
Decidiu, então, calar!
Mas quem cala o amor
Se de amor se quer morrer?
Quem? Quem? Quem quer viver
Se sem amor só se
Pode chorar e sofrer?
Amar é viver, querer
Amar é vida, é ser.
Por que, então, calar?
Se o sentir não se cala
Se o sentir só é fala
E se é impossível de
Sem sentir se querer
E sem amor, viver?
GRAMATICALHA
Para a palavra miséria
Não há eufemismo
Não busquemos lirismo
Bem tampouco hibridismo
Miséria é palavra
Profunda, rasteira
Está no português
É bem brasileira
Não tentemos escondê-la
Está no dicionário.
ÁRIES NOS ARES
Nasci no terceiro mês do ano
Sou do signo de Áries
Vivo procurando nos ares
Ondas verdes de mares
Ventos zéfiros sem pesares.
Vivo este fogo da intempere
Por mais que o obstáculo impere
Crio asas, me ponho a voar.
E porque vôo sem ter asas
Caio de tombo certo
Me ergo para em seguida cair
Áries, força, fogo, ares
Busca incessante de cantares
De risos e de companhias
Lanças que visam pelos ares
Luzes novas e novos dias.
Sensibilidade tocando
O invisível, o invencível, o inventável
Inventando no impossível
O mundo do improvável
Este mundo que sem existir
Se me torna bem mais durável.
Sou inconstante, incontida
Como uma flecha desmedida
Que com Áries me guia
Pela vida que, por enquanto,
Nem é longa e nem é curta
Apenas vida comovida
Na dor e na festa
Completamente entregue
Por mais artimanhas que
A vida a mim me pregue
Eu sou eu e a minha lança
Voltada para outros ares
Apontando longe em Áries
Se lança, para não mais sofrer.
FANTASIA
Enquanto durmo ou sonho
No meu sonho me contento
Feliz, não sei onde ponho
Todo o alvo do meu intento
Mas se acordo, logo vejo
Intranslúcida luz: vida
Na fantasia é que bocejo
E relaxo comovida
Quero este algo que tão alto
Se torna de mim a essência
Se torna uma ânsia de sonhar
Minha estrela quinta-essencia
Qualquer sonho belo passa
Volta a luz, volta o real
Real de que tanto fujo,
]procurando outro refugio
noutro sonho, tal e qual.
Sonho, ou melhor, metáfora
Do querer, de amar o amor.
REGINA SOUZA VIEIRA – A poeta, escritora, professora e tradutora carioca Regina Souza Vieira, é doutora em Literatura Brasileira e autora premiada em diversos concursos literários. Tendo dedicado seus estudos e sua paixão literária à obra de Carlos Drummond de Andrade, participou das celebrações do centenário do autor em Itabira. São de sua autoria os seguintes livros: Sentimentogramas - poesia (RJ: Cátedra, 1987); Boitempo: autobiografia e memória em Carlos Drummond de Andrade - ensaio (RJ: Presença, 1992); Revivências - poesia (RJ: Taba Cultural, 1997); Inventivas verossimilhantes - contos (RJ: Papel Virtual, 2000); A prosa à luz da poesia - ensaio (RJ: Edições Galo Branco, 2002); Bernardo, o imprevisível romance (RJ: Edições Galo Branco, 2005); Reflexões em verso- poesia (RJ: Edições Galo Branco, 2007).
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