segunda-feira, agosto 04, 2008
POETAS DO RIO DE JANEIRO
SÉRGIO CAMPOS
NÊNIA DE ABRIL
Música de Luiz Alberto Machado sobre poema de Sérgio Campos - memória.
Sou um poeta obscuro.
Os meus companheiros são poetas obscuros.
Nosso país é o amor subterrâneo em sagração de interiores catedrais. Porquanto seja nosso pranto anônimo, choramos nossos mortos sozinhos. Nosso embalar ainda é canto inaudível nas praças e nas avenidas do povo. Lambemos nossas feridas ignoradas e nossos cantos codificam perdas.
Mas se o país é triste somos tristes porque é de nós sofrer a aflição geral. Somos cidadãos de um trágico país cuja desgraça ataca sempre e cedo. Antes que os nossos filhos denunciem o luto secular de seus abris.
O que é melhor em nós desfaz-se em perda.
O que tocamos nos trai com seus punhais.
Perpetramos nosso sonho coletivo e o velamos, mas quando tangemos é tarde demais.
Enfim quando se vai o que é do povo
Aqui na terra se depõe perto de nós.
É quando os obscuros cantam suas nênias
Para embalar o amado enquanto morto.
Sou um poeta obscuro.
Meus companheiros são poetas obscuros.
Nosso país é o amor.
TEXTUS
Nada julguemos
Pois somos fracos
Para brandir a pedra
E somos frágeis
Para atingir o alvo.
ÍON
Arder no amor
Uma leitura de cinzas
Deus no círculo
Dos jogos extremos
Ara de búzios
Ritual da areia
Habitou nossos corpos
Mas não nos fez plenos.
VULNERAÇÃO
Nosso amor conspira e se mente
Pois meu silencio já não te reconhece
E tua solidão já não é minha
E te contemplo no Dédalo da suspeita
E ardo no deserto da reticência
Nossas sombras tem prismas não-convergentes
E meu agora é nunca no seu tempo
Somente o abismo nos dá tangência
Pois nos encontramos no centro do adeus
E só te amo amando tua ausência.
A CÚPULA E O RUMOR
A imagem aparente da estrela
E a do sol nas montanhas
São sempre últimas
Equações da sombra
Ofícios da luz
Ampliar a imagem
Deste céu
Como a cúpula
O rumor.
O NAVEGANTE E SUA LENDA
Soprou um vento fatal
Varreu nosso ancoradouro
Fez-se nossa expiação
Quando a maré sossegou
O porto se transformara
Em campo de girassóis
Como navio-fantasma
Remamos entre espantalhos
De marinheiros possessos
Em trapos de febre e sonho
Chagamos as mãos nos remos
Pois navegamos o exílio
E navegamos a dor
Tomamos posse do frio
De cemitérios de búzios
Nossos ossos são ruínas
Legado a pedra ao tempo
Muitos de nós se morreram
Somos o luto de Egeu
Velas negras no horizonte
De lendas adormecidas
Não temos noite ou aurora
Somos um som vertical
Resgate da sombra ao frio
Por um punhado de luz
Por isso te demandamos
De nosso mar feito chão
Devolve nossas marés
A bordo de alguma ilha
Ao oceano que somos
Teus enigmas vermelhos
Salgarão nosso convés.
NOME DE NOME
O nome do homem
É mais que seu nome
É o de sua gênese
Órfã do espanto
O nome do homem
É mais que seu nome
É o de seu grito
Ante a eternidade
É seu exílio
Às terras da sombra
Sua solidão
Tempo sem paredes
O nome do homem
É mais que seu nome
É a dor sem idade
Estranho ser do sonho
E o sonhador.
RENASCER
Sei que tua fronde intumescida
Solta-me do sol de teu pendão
Morro na sombra de tua vida
Na florescência de teu verão
Vulnera a terra mas me resume
Me deliquesce no seu plural
De sol e chuva adubo e estrume
Pois me reciclo em ser germinal
E quando março cinde o verão
E te recusas a transmigrar
O azul de maio da transgressão
Faz de teu junho um desfigurar
Desnuda e seca vens à procura
De tua própria fertilidade
De teus agostos e genitura
Sêmen de terra seiva e uberdade
E é reciclagem reverdecida
E é primavera de tua sorte
Vives a vida de minha vida
Pois que renasço de minha morte.
LÂMINA CEGA
Se a justiça não é a finalidade do direito
Mas apenas seu processo regulador
Balança de dois pesos e volumes
Toda medida implica perda de controle
Se a hegemonia resulta desses termos
- de equidade chamemos o primeiro
que nivela o desigual á coisa desigual
a trigo à seca a seara à fome
- e de poder ao segundo
(seu nome entre iguais)
ao que obra com malicia e audácia
não há limite salvo a própria conquista
perante o qual o direito é mera abstração
PALHAÇO DE TUDO
Palhaço de tudo
Sou quem anuncia
O numero mudo
E subo nas barras
Zizio no espaço
Espanto cigarras
E visto no fio
Um funambulesco
Paletó baldio
E monto corcéis
Quase incontroláveis
No dorso e nos pés
E deito o semblante
Sob a pata abúlica
De um deselefante
E entro na grade
Dos leões famélicos
Sem relho e piedade
No circo mudo
Sou de minha vida
Palhaço de tudo
Onde desmaquilo
Sem denunciar
Meu rosto-sigilo
Tudo sem chorar
ELEGIA BRANCA
Estas pedras
Já foram vento
Feriram
A corda do arco
Hoje são ilha
Amas do silêncio
Embalando as águas
Já foram abismo
Estas pedras
Hoje são milênios
De ágata e silício
Lápide
Porosa
Geografia das heras
Memória
Das pedras de um colar
MEDO
No dia em que José Celso
Foi atropelado e morreu
Numa rua onde não trafegavam veículos
Aprendemos a temer o Barão
Tinha dez anos
A rua nunca mais foi a mesma
Nem eu não
APRENDIZADO PELA PALAVRA
É a palavra que nos antecede
E nos revela a voz do acontecer
E como somos aflição e sede
Cruel é a inocência de a saber
Para insculpir teu gesto na neblina
Para guardar teu rosto na memória
Basta um coral de tessitura fina
E a harpa de sigilos de uma estória
Entre metal e mel temos buscado
Palavra que a si mesma se descubra
Que saiba sombra ser e luz do amado
Que tato menor seja tanto cresça
Que não se perca antes que nos descubra
Que nos encontre antes que nos conheça.
INICIAÇÃO
E te chamavas Ana
No lençol de chita
Do quarto mofado
Tuas ondulações
Minhas marés
ESTIGMA
Pois que te amei no impossível
O passado me delata e como uma memória
Mata
O presente sentencia
E como um verdugo
Cilicia
O futuro me nega
E como avatar
Cega
Pois que te amei no impossível
Só trago
O espolio
Do espanto
Nos olhos.
FALSO EPÍLOGO
O cacto fere a sede
Pela punção da recompensa
Tudo se preciso
Tudo pensa
SÉRGIO CAMPOS (1941-1994) – o poeta e editor carioca Sérgio Campos é detentor de um poder poético dos mais representativos no atual contexto da Literatura Brasileira. Ele deixou uma obra significativa: A casa dos elementos. Achiamé Editora. Rio de Janeiro. 1984. Bichos. Edição do autor. Rio de Janeiro. 1985. Ciclo amatório. Scortecci Editora. São Paulo. 1986. Montanhecer. Scortecci Editora. São Paulo. 1987. Nativa idade. Mundo Manual Edições. Rio de Janeiro. 1990. O lobo e o pastor. Mundo Manual Edições. Rio de Janeiro. 1990. As iras do dia. Mundo Manual Edições. Rio de Janeiro. 1990. Móbiles de sal. Mundo Manual Edições. Rio de Janeiro. 1991. A cúpula e o rumor. Mundo Manual Edições. Rio de Janeiro. 1992. Leitura de cinzas. Mundo Manual Edições. Rio de Janeiro. 1993. Mar anterior (poesia selecionada e revista 1984/94). Mundo Manual Edições. Rio de Janeiro. 1994. Sobre ele o poeta e doutor em Literatura, Leontino Filho, desenvolveu um estudo que foi resultado da sua dissertação de mestrado “Sob o Signo de Lumiar: Uma Leitura da Trilogia de Sérgio Campos”. Também o poeta Floriano Martins assinala que a sua marca “(...) nos traduz a imagem de um poeta obstinado pela criação como atividade reveladora do espírito. Rigor e substância encontram-se nele empenhados na leitura dos mínimos gestos que nos delimitam. Compromisso sólido, mas sobretudo uma paixão”. O poeta e critico literário Luiz Carlos Monteiro fala que Sérgio campos “(...) criou, no início da década de 1990, o projeto editorial Mundo Manual Edições. O fato é que, de posse desse canal de edição, sem mais perda de tempo, Sérgio Campos desenvolveu um projeto poético simultâneo de sua lavra a que intitulou Trilogia de lumiar. (...) Essa fase da poesia de Sérgio Campos - tomando como base o marco definidor do breve percurso editorial encetado, que incluiu também obras de outros autores - culmina, em 1994, com Mar anterior: poesia selecionada e revista. É desse período também A cúpula e o rumor (1992), que destaca-se como um livro maduro, incisivo e de extrema depuração, notadamente pelo ceticismo e prenúncio das temáticas e conteúdos revelados. O percurso formal que o qualifica segue passos anteriores, com o poema espacial tenso, contudo aberto em sua visualidade a perspectivas de mais de uma leitura. A recriação do soneto, nos moldes já assinalados, comparece também como uma obsessão formal do poeta, fragmentado desde sempre entre uma linhagem que abarca certas nuances épicas e clássicas e o esforço de construir poemas alinhados à mais nítida contemporaneidade. O universo semântico-vocabular de Sérgio Campos, como a sua prática formal, absorve todo um complexo lingüistico da tradição da grande poesia ocidental, em associação com a sua própria experiência vital de poeta, iniciada na década de 1960, entretanto somente sistematizada e dada a conhecer a partir da dúzia de livros que publicou entre 1984 e 1994. Na poesia de Sérgio Campos detectam-se ainda os efeitos operacionais de uma grande coerência poética interna aliada a uma notável economia verbal que passam a estender-se a toda a obra. A constante reflexão sobre o que trazer a público encontra-se especialmente presente no cuidado minucioso em selecionar os poemas, nomeá-los e arrumá-los em blocos autônomos e precisos. E isto para que a eficácia retórica e expressiva de poemas e livros, de algum modo previsível pelo poeta enquanto vivo, lograsse atingir em cheio os possíveis leitores dessa fatia da melhor, mais conseqüente e radical poesia contemporânea”. Aqui nossa homenagem à memória do poetamigo Sergio Campos.
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