terça-feira, agosto 19, 2008

POETAS DE ALAGOAS



GERALDINO BRASIL

AMAR MAIS QUE POSSO

Meu poema vem de antes de mim, tem mais do que meu tempo.
Por isso senti, menino, eu amo minha mãe mais do que amo.
Assim meu pai, assim o estranho que passava perseguido, assim árvores, pássaros, manhãs, o tempo das pessoas, o ignorado trabalho do tijolo na parede, a pedra à beira do caminho e não poderá fugir por ele.
Por isso ando sempre com o poema, com ele eu cresço meu tamanho.
Com ele identifico os amoráveis homens e mulheres do futuro, esses meninso que estão chegando foram seus companheiros antes de mim, esses meninos são grandes, de enorme espírito, em breve estarão construindo contra a vontade dos pais a terra do terceiro milênio e quando os vejo não me espanto mas me rejubilo e confio, o poema os conhece.
Sem o poema eu penso apenas nos sinais do transito e te reduzo, homem gordo, a um pedestre que estorva o meu caminho.
E como te quero amar mais do que posso, minha amada, te amo com o meu poema.

SONETO DAS CAUSAS E DAS FONTES

Há coisas que não eram, pareceram.
Há coisas que nem pareceram, foram.
Há coisas que, se foram, não se soube.
Há coisas que se soube quando não foram.
Há coisas que serão ou que já foram.
Há coisas que nem foram nem serão.
Há coisas que não são mais como eram.
Há coisas que não eram como são.
Há coisas que se tem sem se querer.
Há coisas que se quer e não se pode.
Há coisas que se pode e não se quer.
Ignoro quem esteja disso fora.
Ignoro crime fora dessas causas.
Ignoro poema fora dessas fontes.

NEM NUBEM NEM POMBO

No meu poema não estará
A beleza das nuvens
Pouso dos anjos
Que não sustentaram o homem
Que caiu do avião.
Bem sou um mágico que faz
Do descuido um pombo completo
E o oferece aos aplausos
Dos distraídos.

CLASSE MÉDIA

Um médico.
Ótimo na família.
Um executivo.
Ótimo.
Um engenheiro.
Um arquiteto.
Um magistrado.
Ótimo.
Um poeta.
Melhor na família dos outros.

O POEMA

O poema não deve ser
Uma definição dicionária.
Nem oferecer uma indefinição.
Deve ser melhor
Do que bom apenas
E não se acabar como o sorvete
Que se tomou sem a namorada.
As palavras procuradas pelo seu poeta
Não serão daqueles que o leitor
Tenha de consultar o dicionário
Ou, pelas outras do poema,
O deixam desinteressado do trabalho.
O poema deve menos falar e mais dizer.
Pode ter de gritar
A quem tem ouvidos moucos.
Pode falar a quem sabe
Ouvir silêncios de um poeta que conversa.

UMA FALTA

Se leste o poema
E perguntam se terminou,
Irás procurar em vão
O verso que faltou.

O OUTRO POEMA

O poema é um momento e um fazer que não se repetem.
Outro poema será sempre o outro, como o sofrimento que não faz nunca iguais as lágrimas, meça-as o de crença pobre que duvide.
A impossibilidade é porque o poema não é a professora primaria que ensina a escrever dentro da pauta,
Segurando nos dedos do menino,
Com a mãozinha perfumada.

METÁFORA DO POEMA

Um dia ensinaram ao poeta sobre o um.
Depois lhe ensinaram sobre o um mais um, duas laranjas.
Desde então o sabe.
E sabe como o soube, e quando.
Não assim a metáfora do poema alguma vez.
O poeta não a sabia antes, nem lhe ensinaram quando a soube.
Agora não a sabe mais nem como a soube se recorda.

OS INÉDITOS

Duas da madrugada fui guardar mais um.
Foi um barulho danado dos outros que queriam sair.
Minha mulher pensou que eram os prisioneiros do filme já livres no pátio, depois de laçarem o pescoço do guarda do presídio.
Lhe respondi: é não, são os poemas da gaveta gritando pra deixar a escuridão.

A DERROTA

A cidade não saberá do poeta no seu quarto,
Seu coração, sua cabeça, a tentativa do poema.
A cidade não saberá
Da expressão de beleza
De que flor,
De que amor
Gorou nele.
A cidade não saberá do momento
Da pesada carga de dor do homem e de Deus.

DE NOVO JOVEM

Quando nasci já noutros estavas, padecente.
E vieste em mim ainda mais sofrer o teu suplicio.
Porque é da tua natureza ser insatisfeita.
Morto, não te livrarás, é o teu destino. De novo jovem,
Procurarás, nos que chegarem, o deste mesmo amor.

NESTE JOGO ADORMEÇO

Volto à infância,
Vejo os ausentes.
Neste jogo adormeço
E docemente amanhece.
Com o que trouxe
Quero o poema
Onde me encontrem
Jamais ouvido,
Que alguém leia
E se transforme.
Criação sejam
Quero o poema,
Deus que me conceda
Na escuridão
A manhã clara
Poema,
Poesia.

GERALDINO BRASIL – O poeta alagoano Geraldino Brasil (1926-1996),foi advogado, procurador autárquico federal da UBE-PE e da OAB-PE, colaborador dos suplementos literparios do Diário de Pernambuco e Jornal do Commercio, publicou os livros de poesia: Alvorada (Maceió 1947); Presença da Ausência (Recife 1951); Coração (Maceió 1956); Poemas Insólitos e Desesperados (Recife 1972); Cidade do Não (Recife 1979); Todos os Dias, Todas as Horas (Ed. Pirata, Recife 1985); Bem Súbito (Recife 1986); Lugar do Tempo e Pássaro de Vôo (Recife). É autor de uma obra ímpar, sensível e simples como o próprio poeta, farta de cotidianos, lirismos e da alma dos homens.

FONTE:
BRASIL, Geraldino. O poema e seu poeta. Palmares: Bagaço, 1988.

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