segunda-feira, setembro 15, 2008

FAGUNDES VARELA: POETAS DO RIO DE JANEIRO



FAGUNDES VARELA – o poeta e advogado Luís Nicolau Fagundes Varela (1841 - 1875), morreu prematuramente aos 34 anos de idade, vitima de uma trombose cerebral pela vida desregrada com alcool, noites insones. Integrante da segunda geração do Romantismo brasileiro, geração esta que absorvia a literatura desenvolvida na Europa e procuravam vivê-la aqui. Grandes nomes como Byron e Goethe marcariam essa geração, que primou por um sentimentalismo exagerado e pelo escapismo. Foi batizada de Mal do Século, Byroniana ou Ultra-romântica e que apresenta egocentrismo exacerbado, pessimismo, satanismo e atração pela morte, além dos traços mais marcantes: subjetivismo exagerado, tédio constante, vontade de sofrer, fuga da realidade, obsessão pela morte, melancolia e pessimismo Foi uma geração fortemente influenciada pela poesia de Lord Byron e Musset. Seu tema preferido é a fuga da realidade, que se manifesta na idealização da infância, nas virgens sonhadas e na exaltação da morte.
A poesia de Fagundes Varela, segundo Assis Brasil, é marcada pelo sofrimento, embora a sua variedade temática, e valorizada pelo domínio da empressão. É considerado pela crítica como um dos mais hábeis poetas do Romantismo, numa fase de muita poesia adolescente e ligeira. Ao lado dos temas constantes da época, saudade, amor, angustia, o poeta se interessa também pelos temas sociais, com destaque para o abolicionismo. A situação poética é indianista como Gonçalves Dias, byroniano como Alvares de Azevedo e poeta social como Castro Alves. Com variedade de influencias e de sua temática, Fagundes Varela deixou sua marca pessoal nas suas obras: Poesia - Cantos e Fantasias (Cântico do Calvário) / Noturnas / O Estandarte Auriverde / Vozes da América / Cantos Meridionais / Cantos do Ermo e da Cidade / Anchieta ou O Evangelho da Selva / Diário de Lázaro / Cantos Religiosos.
A obra Vozes da América é um livro composto por 36 poemas, entre eles Mauro, o Escravo; O Suplício; A Vingança; Visão; Predestinação; O Proscrito; Vingança; Napoleão; Infância e Velhice; Soneto; Ilusão; Ideal; Deixa-me!; A...; O Vizir; Não te esqueças de Mim!; Soneto; O Vagalume; Elegia; Tristeza; ***; Ecos do Cárcere; O Exilado; Aurora; As Selvas; Á Lucília;Recitativo;Childe-Harold; Cantiga; O Sabiá; Harmonia; Estâncias; O Mar; Oriental;Poema;A Serenata. Neste livro Fagundes Varela relata todas suas recordações. Fala entre outras coisas das lembranças do seu filho Emiliano e das lembranças do seu primeiro amor. Relata sobre a história de seu amor adolescente e do triste fim que esse tivera, faz críticas a crise religiosa e com maior força evidência a natureza. Por abordar vários temas "Vozes da América" é sem dúvida a obra que nos mostra com maior clareza quem foi Fagundes Varela e o que ele pensava. Nesta obra ele nos deixa perceber todas suas inquietações, sua irregular vida poética, suas incertezas e indecisões. No poema "Soneto", integrante da obra mencionada, Fagundes Varela nos deixa perceber claramente suas recordações do primeiro amor. Nos mostra como se sente uma pessoa sem rumo, pois chega a comparar-se com um navio perdido em uma noite escura, até encontrar a pessoa amada. Ele nos mostra como se encontrava carente, solitário e conseqüentemente precisando de atenção, de consolo, mesmo que esta suposta força surgisse de uma palavra de apoio, de um gesto, qualquer coisa que fosse capaz de tirá-lo deste desespero e deste mundo melancólico. Ele diz ter encontrado esta melancolia quando entregou tudo de si a uma pessoa que o abandonou; E agora ele implora alguma coisa como resposta deste amor vivido, mesmo que seja apenas a saudade.

CÂNTICO DO CALVÁRIO - À Memória de meu filho morto a ll de dezembro de 1863.

Eras na vida a pomba predileta
Que sobre um mar de angústias conduzia
O ramo da esperança. — Eras a estrela
Que entre as névoas do inverno cintilava
Apontando o caminho ao pegureiro.
Eras a messe de um dourado estio.
Eras o idílio de um amor sublime.
Eras a glória, — a inspiração, — a pátria,
O porvir de teu pai! — Ah! no entanto,
Pomba, — varou-te a flecha do destino!
Astro, — engoliu-te o temporal do norte!
Teto, caíste! — Crença, já não vives!

Correi, correi, oh! lágrimas saudosas,
Legado acerbo da ventura extinta,
Dúbios archotes que a tremer clareiam
A lousa fria de um sonhar que é morto!
Correi! Um dia vos verei mais belas
Que os diamantes de Ofir e de Golgonda
Fulgurar na coroa de martírios
Que me circunda a fronte cismadora!
São mortos para mim da noite os fachos,
Mas Deus vos faz brilhar, lágrimas santas,
E à vossa luz caminharei nos ermos!
Estrelas do sofrer, — gotas de mágoa,
Brando orvalho do céu! — Sede benditas!
Oh! filho de minh'alma! Última rosa
Que neste solo ingrato vicejava!
Minha esperança amargamente doce!
Quando as garças vierem do ocidente
Buscando um novo clima onde pousarem,
Não mais te embalarei sobre os joelhos,
Nem de teus olhos no cerúleo brilho
Acharei um consolo a meus tormentos!
Não mais invocarei a musa errante
Nesses retiros onde cada folha
Era um polido espelho de esmeralda
Que refletia os fugitivos quadros
Dos suspirados tempos que se foram!
Não mais perdido em vaporosas cismas
Escutarei ao pôr do sol, nas serras,
Vibrar a trompa sonorosa e leda
Do caçador que aos lares se recolhe!

Não mais! A areia tem corrido, e o livro
De minha infanda história está completo!
Pouco tenho de anciar! Um passo ainda
E o fruto de meus dias, negro, podre,
Do galho eivado rolará por terra!
Ainda um treno, e o vendaval sem freio
Ao soprar quebrará a última fibra
Da lira infausta que nas mãos sustento!
Tornei-me o eco das tristezas todas
Que entre os homens achei! O lago escuro
Onde ao clarão dos fogos da tormenta
Miram-se as larvas fúnebres do estrago!
Por toda a parte em que arrastei meu manto
Deixei um traço fundo de agonias! ...

Oh! quantas horas não gastei, sentado
Sobre as costas bravias do Oceano,
Esperando que a vida se esvaísse
Como um floco de espuma, ou como o friso
Que deixa n'água o lenho do barqueiro!
Quantos momentos de loucura e febre
Não consumi perdido nos desertos,
Escutando os rumores das florestas,
E procurando nessas vozes torvas
Distinguir o meu cântico de morte!
Quantas noites de angústias e delírios
Não velei, entre as sombras espreitando
A passagem veloz do gênio horrendo
Que o mundo abate ao galopar infrene
Do selvagem corcel? ... E tudo embalde!
A vida parecia ardente e douda
Agarrar-se a meu ser! ... E tu tão jovem,
Tão puro ainda, ainda n'alvorada,
Ave banhada em mares de esperança,

Rosa em botão, crisálida entre luzes,
Foste o escolhido na tremenda ceifa!
Ah! quando a vez primeira em meus cabelos
Senti bater teu hálito suave;
Quando em meus braços te cerrei, ouvindo
Pulsar-te o coração divino ainda;
Quando fitei teus olhos sossegados,
Abismos de inocência e de candura,
E baixo e a medo murmurei: meu filho!
Meu filho! frase imensa, inexplicável,
Grata como o chorar de Madalena
Aos pés do Redentor ... ah! pelas fibras
Senti rugir o vento incendiado
Desse amor infinito que eterniza
O consórcio dos orbes que se enredam
Dos mistérios do ser na teia augusta!
Que prende o céu à terra e a terra aos anjos!
Que se expande em torrentes inefáveis
Do seio imaculado de Maria!
Cegou-me tanta luz! Errei, fui homem!
E de meu erro a punição cruenta
Na mesma glória que elevou-me aos astros,
Chorando aos pés da cruz, hoje padeço!

O som da orquestra, o retumbar dos bronzes,
A voz mentida de rafeiros bardos,
Torpe alegria que circunda os berços
Quando a opulência doura-lhes as bordas,
Não te saudaram ao sorrir primeiro,
Clícía mimosa rebentada à sombra!
Mas ah! se pompas, esplendor faltaram-te,
Tiveste mais que os príncipes da terra!
Templos, altares de afeição sem termos!
Mundos de sentimento e de magia!
Cantos ditados pelo próprio Deus!
Oh! quantos reis que a humanidade aviltam,
E o gênio esmagam dos soberbos tronos,
Trocariam a púrpura romana
Por um verso, uma nota, um som apenas
Dos fecundos poemas que inspiraste!

Que belos sonhos! Que ilusões benditas!
Do cantor infeliz lançaste à vida,
Arco-íris de amor! Luz da aliança,
Calma e fulgente em meio da tormenta!
Do exílio escuro a cítara chorosa
Surgiu de novo e às virações errantes
Lançou dilúvios de harmonias! — O gozo
Ao pranto sucedeu. As férreas horas
Em desejos alados se mudaram.
Noites fugiam, madrugadas vinham,
Mas sepultado num prazer profundo
Não te deixava o berço descuidoso,
Nem de teu rosto meu olhar tirava,
Nem de outros sonhos que dos teus vivia!

Como eras lindo! Nas rosadas faces
Tinhas ainda o tépido vestígio
Dos beijos divinais, — nos olhos langues
Brilhava o brando raio que acendera
A bênção do Senhor quando o deixaste!
Sobre o teu corpo a chusma dos anjinhos,
Filhos do éter e da luz, voavam,
Riam-se alegres, das caçoilas níveas
Celeste aroma te vertendo ao corpo!
E eu dizia comigo: — teu destino
Será mais belo que o cantar das fadas
Que dançam no arrebol, — mais triunfante
Que o sol nascente derribando ao nada
Muralhas de negrume! ... Irás tão alto
Como o pássaro-rei do Novo Mundo!

Ai! doudo sonho! ... Uma estação passou-se,
E tantas glórias, tão risonhos planos
Desfizeram-se em pó! O gênio escuro
Abrasou com seu facho ensangüentado
Meus soberbos castelos. A desgraça
Sentou-se em meu solar, e a soberana
Dos sinistros impérios de além-mundo
Com seu dedo real selou-te a fronte!
Inda te vejo pelas noites minhas,
Em meus dias sem luz vejo-te ainda,
Creio-te vivo, e morto te pranteio! ...

Ouço o tanger monótono dos sinos,
E cada vibração contar parece
As ilusões que murcham-se contigo!
Escuto em meio de confusas vozes,
Cheias de frases pueris, estultas,
O linho mortuário que retalham
Para envolver teu corpo! Vejo esparsas
Saudades e perpétuas, — sinto o aroma
Do incenso das igrejas, — ouço os cantos
Dos ministros de Deus que me repetem
Que não és mais da terra!... E choro embalde.

Mas não! Tu dormes no infinito seio
Do Criador dos seres! Tu me falas
Na voz dos ventos, no chorar das aves,
Talvez das ondas no respiro flébil!
Tu me contemplas lá do céu, quem sabe,
No vulto solitário de uma estrela,
E são teus raios que meu estro aquecem!
Pois bem! Mostra-me as voltas do caminho!
Brilha e fulgura no azulado manto,
Mas não te arrojes, lágrima da noite,
Nas ondas nebulosas do ocidente!
Brilha e fulgura! Quando a morte fria
Sobre mim sacudir o pó das asas,
Escada de Jacó serão teus raios
Por onde asinha subirá minh'alma.

SONETO

Desponta a estrela d’alva, a noite morre.
Pulam no mato alígeros cantores,
E doce a brisa no arraial das flores
Lânguidas queixas murmurando corre.

Volúvel tribo a solidão percorre
Das borboletas de brilhantes cores;
Soluça o arroio; diz a rola amores
Nas verdes balsas donde o orvalho escorre.

Tudo é luz e esplendor; tudo se esfuma
Às carícias da aurora, ao céu risonho,
Ao flóreo bafo que o sertão perfuma!

Porém minh’alma triste e sem um sonho
Repete olhando o prado, o rio, a espuma:
- Oh! mundo encantador, tu és medonho!

O EXILADO

O exilado está só por toda a parte!
Passei tristonho dos salões no meio,
Atravessei as turbulentas praças
Curvado ao peso de uma sina escura;
As turbas contemplaram-me sorrindo,
Mas ninguém divisou a dor sem termos
Que as fibras de meu peito espedaçava.
O exilado está só por toda a parte!

Quando, à tardinha, dos floridos vales
Eu via o fumo se elevar tardio
Por entre o colmo de tranqüilo albergue,
Murmurava a chorar: - Feliz aquele
Que à luz amiga do fogão doméstico,
Rodeado dos seus, à noite, senta-se.
O exilado está só por toda a parte!

Onde vão estes flocos de neblina
Que o euro arrasta nas geladas asas?
Onde vão essas tribos forasteiras
Que à tempestade se esquivar procuram?
Ah! que me importa?... também eu doidejo,
E onde irei, Deus o sabe, Deus somente.
O exilado está só por toda a parte!

Desta campina as árvores são belas,
São belas estas flores que se vergam
Das auras estivais ao débil sopro;
Mas nem a sombra que no chão se alonga,
Nem o perfume que o ambiente inunda
São dessa gleba divinal que adoro.
O exilado está só por toda a parte!

Mole e lascivo no tapiz da selva
Serpeia o arroio, e o deslizar queixoso
Peja de amor as solidões dormentes;
Mas nunca o rosto refletiu-me um dia,
Nem foi seu burburinho enlanguescido
Que embalou minha infância a descuidosa.
O exilado está só por toda a parte!

- Por que chorais? me perguntou o mundo;
Contai-nos vossa dor, talvez possamos
Saná-la às gotas de elixir suave;
Mas, quando eu suspendi a lousa escura
Que o túmulo cobria-me da vida,
Riram-se pasmos sem sondar-lhe o fundo.
O exilado está só por toda a parte!

Vi o ancião da prole rodeado
Sorrir-se calmo e bendizer a Deus,
Vi junto à porta da nativa choça
As crianças beijarem-se abraçadas;
Mas de filho ou de irmão o santo nome
Ninguém me deu, e eu fui passando triste.
O exilado está só por toda a parte!

Quando verei essas montanhas altas
Que o sol dourava nas manhãs de agosto?
Quando, junto à lareira, as folhas lívidas
Deslembrarei de meu sombrio drama?
Doida esperança! as estações sucedem-se
E sem um gozo vou descendo à campa.
O exilado está só por toda a parte!

Brandas aragens, que roçais fagueiras
Das maravilhas nas cheirosas frontes,
Aves sem pátria, que cortais os ares,
Irmãs na sorte do infeliz romeiro,
Ah! levai um suspiro à pátria amada,
Último alento de cansado peito.
O exilado está só por toda a parte!

Quando nas folhas de lustrosos plátanos
Novos luares descansarem gratos,
Já sobre a estrada de meus pés os traços
O pegureiro não verá, que passa!
Mísero! ao leito de final descanso
Ninguém meu sono velará chorando.
O exilado está só por toda a parte!

AURORA

Antes de erguer-se de seu leito de ouro,
O rei dos astros o Oriente inunda
De sublime clarão;
Antes de as asas desprender no espaço,
A tempestade agita-se e fustiga
O turbilhão dos euros.

As torrentes de idéias que se cruzam,
O pensamento eterno que se move
No levante da vida,
São auras santas, arrebóis esplêndidos,
Que precedem à vinda triunfante
De um sol imorredouro.

O murmurar profundo, enrouquecido,
Que do seio dos povos se levanta,
Anuncia a tormenta;
Essa tormenta salutar e grande
Que o manto roçará, prenhe de fogo,
Na face das nações.

Preparai-vos, ó turbas! Preparai-vos,
Rebatei vossos ferros e cadeias,
Algozes e tiranos!
A hora se aproxima pouco a pouco,
E o dedo do Senhor já volve a folha
Do livro do destino!

Grande há de ser o drama, a ação gigante,
Majestosa a lição! luzes e trevas
Lutarão sobre os orbes!
O abismo soltará seus tredos roncos,
E o frêmito dos mares agitados
Se unirá aos das turbas.

Os reis convulsarão nos tronos frágeis,
Buscando embalde sustentar nas frontes
As úmidas coroas...
Debalde!... o vendaval na fúria insana
Os levará com elas, envolvidos
Num turbilhão de pó!

Vis, abatidos, o fidalgo e o rico
Sairão de seus paços vacilantes
Nos podres alicerces...
E errantes sobre a terra irão chorando,
Mendigar um farrapo ao vagabundo,
E um pedaço de pão!

Estranho povo surgirá da sombra
Terrível e feroz cobrindo os campos
De cruentos horrores!
O palácio e a prisão irão por terra,
E um segundo dilúvio, então de sangue,
O mundo lavará!

O sábio em seu retiro, estupefato,
Verá tombar a imagem da ciência,
Fria estátua de argila,
E um pálido clarão dirá que é perto
O astro divinal que às turbas míseras
Conduz a redenção!

Como aos dias primeiros do universo,
O globo se erguerá banhado em luzes,
Reflexos de Deus;
E a raça humana sob um céu mais puro
Um hino insigne enviará, prostrada
Aos pés do Onipotente!

Irmãos todos serão; todos felizes;
Iguais e belos, sem senhor nem peias,
Nem tiranos e ferros!
O amor os unirá num laço estreito,
E o trânsito da vida uma romagem
Se tornará celeste!

A hora se aproxima pouco a pouco;
O dedo do Senhor já volve a folha
Do livro do destino!...
Ergue-se a tela do teatro imenso,
E o mistério infinito se desvenda
Do drama do Calvário!

À LUCÍLIA

Se eu pudesse ao luar, Lucília bela,
Queimar-te a fronte de insensatos beijos,
Dobrar-te ao colo, minha flor singela,
Ao fogo insano de eternais desejos;

Ai! se eu pudesse de minh’alma aos elos
Prender tu’alma enfebrecida e cálida,
Erguer na vida os festivais castelos
Que tantas noites planejaste, pálida;

Ai! se eu pudesse nos teus olhos turvos
Beber a vida da volúpia ao véu,
Bem como os juncos sobre as ondas curvos
A chuva bebem que derrama o céu,

Talvez que as mágoas que meu peito ralam
Em cinzas frias se perdessem logo,
Como as violas que ao verão trescalam
Somem-se aos raios de celeste fogo!

Oh! vem Lucília! é tão formosa a aurora
Quando uma fada lhe batiza o alvor,
E a madressilva, que ao frescor vapora
Os ares peja de lascivo amor...

Sou moço ainda; de meu seio aos ermos
Posso-te louco arrebatar comigo...
De um mundo novo na solidão sem termos
Deitar-te à sombra de amoroso abrigo!

Tenho um dilúvio de ilusões na fronte,
Um mundo inteiro de esperanças n’alma,
Ergue-te acima de azulado monte,
Terás dos gênios do infinito a palma!...

A MULHER
(A C...)

A mulher sem amor é como o inverno,
Como a luz das antélias no deserto,
Como espinheiro de isoladas fragas,
Como das ondas o caminho incerto.

A mulher sem amor é mancenilha
Das ermas plagas sobre o chão crescida,
Basta-lhe à sombra repousar um’hora
Que seu veneno nos corrompe a vida.

De eivado seio no profundo abismo
Paixões repousam num sudário eterno...
Não há canto nem flor, não há perfumes,
A mulher sem amor é como o inverno.
Su’alma é um alaúde desmontado
Onde embalde o cantor procura um hino;
Flor sem aromas, sensitiva morta,
Batel nas ondas a vagar sem tino.

Mas, se um raio do sol tremendo deixa
Do céu nublado a condensada treva,
A mulher amorosa é mais que um anjo,
É um sopro de Deus que tudo eleva!

Como o árabe ardente e sequioso
Que a tenda deixa pela noite escura
E vai no seio de orvalhado lírio
Lamber a medo a divinal frescura,

O poeta a venera no silêncio,
Bebe o pranto celeste que ela chora,
Ouve-lhe os cantos, lhe perfuma a vida...
- A mulher amorosa é como a aurora.

AO BRASIL

Bela estrela de luz, diamante fúlgido
Da coroa de Deus, pérola fina
Dos mares do ocidente,
Oh! como altiva sobre nuvens de ouro
A fronte elevas afogando em chamas
O velho continente!

A Itália meiga que ressona lânguida
Nos coxins de veludo adormecida
Como a escrava indolente;
A França altiva que sacode as vestes
Entre o brilho das armas e as legendas
De um passado fulgente.

A Rússia fria - Mastodonte eterno!
Cuja cabeça sobre os gelos dorme,
E os pés ardem nas fráguas;
A Bretanha insolente que expelida
De seus planos estéreis se arremessa
Mordendo-se nas águas;

A Espanha túrbida; a Germânia em brumas;
A Grécia desolada; a Holanda exposta
Das ondas ao furor...
Uma inveja teu céu, outra teu gênio,
Esta a riqueza, a robustez aquela,
E todas o valor!

Oh! terra de meu berço, oh pátria amada,
Ergue a fronte gentil ungida em glórias
De uma grande nação!
Quando sofre o Brasil, os brasileiros
Lavam as manchas, ou debaixo morrem
Do santo pavilhão!...

AO POVO

Não ouvis?... Além dos mares
Braveja ousado Bretão!
Vingai a pátria, ou valentes
Da pátria tombai no chão!

Erguei-vos, povo de bravos,
Erguei-vos, brasíleo povo,
Não consintais que piratas
Na face cuspam de novo!

O que vos falta? Guerreiros?
Oh! que eles não faltam não,
Aos prantos de nossa terra
Guerreiros brotam do chão!

Mostrai que as frontes sublimes
Os anjos cercam de luz,
E não há povo que vença
O povo de Santa Cruz!

Sofrestes ontem, criança
Contra a força o que fazer?...
Se nada podeis, agora
Podeis ao menos morrer!...
Oh! morrei! a morte é bela
Quando junto ao pavilhão
Se morre pisando escravos
Que insultam brava nação!

Quando nos templos da fama
Nas áureas folhas da história
Gravado revive o nome
Por entre os hinos da glória!

Quando a turba que se agita
Saúda a campa adorada:
- Foi um herói que esvaiu-se
Nos braços da pátria amada!

O ESCRAVO

Ao Sr. Tomaz de Aquino Borges
Dorme! Bendito o arcanjo tenebroso
Cujo dedo imortal
Gravou-te sobre a testa bronzeada
O sigilo fatal!
Dorme! Se a terra devorou sedenta
De teu rosto o suor,
Mãe compassiva agora te agasalha
Com zelo e com amor.

Ninguém te disse o adeus da despedida,
Ninguém por ti chorou!
Embora! A humanidade em teu sudário
Os olhos enxugou!
A verdade luziu por um momento
De teus irmãos à grei:
Se vivo foste escravo, és morto... livre
Pela suprema lei!

Tu suspiraste como o hebreu cativo
Saudoso do Jordão,
Pesado achaste o ferro da revolta,
Não o quiseste, não!
Lançaste-o sobre a terra inconsciente
De teu próprio poder!
Contra o direito, contra a natureza,
Preferiste morrer!

Do augusto condenado as leis são santas,
São leis porém de amor:
Por amor de ti mesmo e dos mais homens
Preciso era o valor...
Não o tiveste! Os ferros e os açoites
Mataram-te a razão!
Dobrado cativeiro! A teus algozes
Dobrada punição!

Por que nos teus momentos de suplício,
De agonia e de dor,
Não chamaste das terras africanas
O vento assolador?
Ele traria a força e a persistência
À tu’alma sem fé,
Nos rugidos dos tigres de Benguela,
Dos leões de Guiné!...

Ele traria o fogo dos desertos,
O sol dos areais,
A voz de teus irmãos viril e forte,
O brado de teus pais!
Ele te sopraria às moles fibras
A raiva do suão
Quando agitando as crinas inflamadas
Fustiga a solidão!

Então ergueras resoluto a fronte,
E, grande em teu valor,
Mostraras que em teu seio inda vibrava
A voz do Criador!
Mostraras que das sombras do martírio
Também rebenta a luz!
Oh! teus grilhões seriam tão sublimes,
Tão santos como a cruz!

Mas morreste sem lutas, sem protestos,
Sem um grito sequer!
Como a ovelha no altar, como a criança
No ventre da mulher!
Morreste sem mostrar que tinhas nalma
Uma chispa do céu!
Como se um crime sobre ti pesasse!
Como se foras réu!

Sem defesa, sem preces, sem lamentos,
Sem círios, sem caixão,
Passaste da senzala ao cemitério!
Do lixo à podridão!
Tua essência imortal onde é que estava?
Onde as leis do Senhor?
Digam-no o tronco, o látego, as algemas
E as ordens do feitor!

Digam-no as ambições desenfreadas,
A cobiça fatal,
Que a eternidade arvoram nos limites
De um círculo mortal!
Digam-no o luxo, as pompas e grandezas,
Lacaios e brasões,
Tesouros sobre o sangue amontoados,
Paços sobre vulcões!

Digam-no as almas vis das prostitutas,
O lodo e o cetim,
O demônio do jogo, a febre acesa
Em ondas de rubim!...
E no entanto tinhas um destino,
Uma vida, um porvir,
Um quinhão de prazeres e venturas
Sobre a terra a fruir!

Eras o mesmo ser, a mesma essência
Que teu bárbaro algoz;
Foram seus dias de rosada seda,
Os teus de atro retroz!...
Pátria, família, idéias, esperanças,
Crenças, religião,
Tudo matou-te, em flor no íntimo d’alma,
O dedo da opressão!

Tudo, tudo abateu sem dó, nem pena!
Tudo, tudo, meu Deus!
E teu olhar à lama condenado
Esqueceu-se dos céus!...
Dorme! Bendito o arcanjo tenebroso
Cuja cifra imortal,
Selando-te o sepulcro, abriu-te os olhos
À luz universal!

A FLOR DO MARACUJÁ

Pelas rosas, pelos lírios,
Pelas abelhas, sinhá,
Pelas notas mais chorosas
Do canto do sabiá,
Pelo cálice de angústias
Da flor do maracujá!

Pelo jasmim, pelo goivo,
Pelo agreste manacá,
Pelas gotas de sereno
Nas folhas do gravatá,
Pela coroa de espinhos
Da flor do maracujá!

Pelas tranças de mãe-dágua
Que junto da fonte está,
Pelos colibris que brincam
Nas alvas plumas do ubá,
Pelos cravos desenhados
Na flor do maracujá!

Pelas azuis borboletas
Que descem do Panamá,
Pelos tesouros ocultos
Nas minas do Sincorá,
Pelas chagas roxeadas
Da flor do maracujá!

Pelo mar, pelo deserto,
Pelas montanhas, sinhá!
Pelas florestas imensas,
Que falam de Jeová!
Pela lança ensangüentada
Da flor do maracujá!

Por tudo o que o céu revela,
Por tudo o que a terra dá
Eu te juro que minh’alma
De tua alma escrava está!...
Guarda contigo este emblema
Da flor do maracujá!

Não se enojem teus ouvidos
De tantas rimas em - á -
Mas ouve meus juramentos,
Meus cantos, ouve, sinhá!
Te peço pelos mistérios
Da flor do maracujá!

A DESPEDIDA

I

Filha dos cerros onde o sol se esconde,
Onde brame o jaguar e a pomba chora,
São horas de partir, desponta a aurora,
Deixa-me que te abrace e que te beije.

Deixa-me que te abrace e que te beije,
Que sobre o teu meu coração palpite,
E dentro dalma sinta que se agite
Quanto tenho de teu impresso nela.

Quanto tenho de teu impresso nela,
Risos ingênuos, prantos de criança,
E esses tão lindos planos de esperança
Que a sós na solidão traçamos juntos.

Que a sós na solidão traçamos juntos,
Sedentos de emoções, ébrios de amores,
Idólatras da luz e dos fulgores
De nossa mãe sublime, a natureza!

De nossa mãe sublime, a natureza,
Que nossas almas numa só fundira,
E a inspiração soprara-me na lira
Muda, arruinada nos mundanos cantos.
Muda, arruinada nos mundanos cantos,
Mas hoje bela e rica de harmonias,
Banhada ao sol de teus formosos dias,
Santificada à luz de teus encantos!

II

Adeus! Adeus! A estrela matutina
Pelos clarões da aurora deslumbrada
Apaga-se no espaço,
A névoa desce sobre os campos úmidos,
Erguem-se as flores trêmulas de orvalho
Dos vales no regaço.

Adeus! Adeus! Sorvendo a aragem fresca,
Meu ginete relincha impaciente
E parece chamar-me...
Transpondo em breve o cimo deste monte,
Um gesto ainda, e tudo é findo! O mundo
Depois pode esmagar-me.

Não te queixes de mim, não me crimines,
Eu depus a teus pés meus sonhos todos,
Tudo o que era sentir!
Os algozes da crença e dos afetos
Em torno de um cadáver de ora em diante
Hão de embalde rugir.

Tu não mais ouvirás os doces versos
Que nas várzeas viçosas eu compunha,
Ou junto das torrentes;
Nem teus cabelos mais verás ornados,
Como a pagã formosa, de grinaldas
De flores rescendentes.

Verás tão cedo ainda esvaecida,
A mais linda visão de teus desejos,
Aos látegos da sorte!
Mas eu terei de Tântalo o suplício!
Eu pedirei repouso de mãos postas,
E será surda a morte!

Adeus! Adeus! Não chores, que essas lágrimas
Coam-me ao coração incandescentes,
Qual fundido metal!
Duas vezes na vida não se as vertem!
Enxuga-as, pois; se a dor é necessária,
Cumpra-se a lei fatal!

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