segunda-feira, setembro 08, 2008
LITERATURA BRASILEIRA: POETAS DO MARANHÃO
GONÇALVES DIAS – O poeta maranhense Gonçalves Dias (1823-1864) é o primeiro grande representante e o maior expoente da primeira fase do Romantismo no Brasil. Ele formou-se em Direito, foi professor de Latim e História e executou várias missões diplomáticas. É autor de Primeiros cantos, Os Timbiras e Últimos Cantos, dentre outras obras. Sua literatura é marcada pelo nativismo, pela exaltação da terra nacional e pela recorrência a mitos primitivos que representassem a origem de uma nação que, no caso brasileiro, foram tomados como esses representantes os mitos indígenas, daí o índio ter sido tomado como "herói nacional" e de cunhar essa primeira fase romântica brasileira de indianista. Ele, portanto, é reconhecidamente o verdadeiro criador da literatura nacional. Além do indianismo, o autor desenvolveu uma poesia lírica tão eloqüente na descrição dos encantos da mulher amada como a que expressou no poema Seus Olhos, e tão dramática como a que expressou nos poemas, Ainda uma vez – Adeus! E se se morre de amor!
Para Assis Brasil, o autor possuía uma formação clássica, no entanto, elevou o sentimento romântico de nacionalidade a uma dimensão sem igual no sistema poético brasileiro. Não apenas por retratar as três raças formadoras do brasileiro, bem como pelo domínio da língua e de uma sintaxe já de acentuação nacional. A sua poesia é assim de alta qualidade estilística, inventiva; linguagem sóbria, equilibrada, sem os derramamentos de muitos românticos. Usou vários recursos técnicos em sua poesia e é por isso considerado um notável artesão do verso. Ele cultivou a poesia lírica, épica e dramática e nas três foi igualmente importante.
Cassiano Ricardo assinala que a poesia de Gonçalves Dias possui a entonação típica da fala brasileira, motivada pela influencia da fonética indígena que marcaria os seus poemas indicanistas.
O seu poema Canção do Exilio é um dos mais representativos das ideologias do primeiro romantismo, onde está patente as idéias do nativismo, do ufanismo e do saudosismo românticos. Este poema é talvez o mais célebre da literatura brasileira e que mais foi copiado, parodiado, criticado, especialmente a partir do Modernismo. Na época em que foi escrito, o Brasil era uma nação recém-independente de Portugal e estes versos se propunham acima de tudo a forjar uma identidade nacional para um país politicamente autônomo.
Destaca-se, também, o seu poema I-Juca Pirama, de feição épica que exalta idealisticamente o índio.
CANÇÃO DO EXÍLIO
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar — sozinho, à noite —
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
I-JUCA-PIRAMA
I
No meio das tabas de amenos verdores,
Cercadas de troncos — cobertos de flores,
Alteiam-se os tetos d’altiva nação;
São muitos seus filhos, nos ânimos fortes,
Temíveis na guerra, que em densas coortes
Assombram das matas a imensa extensão.
São rudos, severos, sedentos de glória,
Já prélios incitam, já cantam vitória,
Já meigos atendem à voz do cantor:
São todos Timbiras, guerreiros valentes!
Seu nome lá voa na boca das gentes,
Condão de prodígios, de glória e terror!
As tribos vizinhas, sem forças, sem brio,
As armas quebrando, lançando-as ao rio,
O incenso aspiraram dos seus maracás:
Medrosos das guerras que os fortes acendem,
Custosos tributos ignavos lá rendem,
Aos duros guerreiros sujeitos na paz.
No centro da taba se estende um terreiro,
Onde ora se aduna o concílio guerreiro
Da tribo senhora, das tribos servis:
Os velhos sentados praticam d’outrora,
E os moços inquietos, que a festa enamora,
Derramam-se em torno dum índio infeliz.
Quem é? — ninguém sabe: seu nome é ignoto,
Sua tribo não diz: — de um povo remoto
Descende por certo — dum povo gentil;
Assim lá na Grécia ao escravo insulano
Tornavam distinto do vil muçulmano
As linhas corretas do nobre perfil.
Por casos de guerra caiu prisioneiro
Nas mãos dos Timbiras: — no extenso terreiro
Assola-se o teto, que o teve em prisão;
Convidam-se as tribos dos seus arredores,
Cuidosos se incubem do vaso das cores,
Dos vários aprestos da honrosa função.
Acerva-se a lenha da vasta fogueira
Entesa-se a corda da embira ligeira,
Adorna-se a maça com penas gentis:
A custo, entre as vagas do povo da aldeia
Caminha o Timbira, que a turba rodeia,
Garboso nas plumas de vário matiz.
Em tanto as mulheres com leda trigança,
Afeitas ao rito da bárbara usança,
O índio já querem cativo acabar:
A coma lhe cortam, os membros lhe tingem,
Brilhante enduape no corpo lhe cingem,
Sombreia-lhe a fronte gentil canitar,
II
Em fundos vasos d’alvacenta argila
Ferve o cauim;
Enchem-se as copas, o prazer começa,
Reina o festim.
O prisioneiro, cuja morte anseiam,
Sentado está,
O prisioneiro, que outro sol no ocaso
Jamais verá!
A dura corda, que lhe enlaça o colo,
Mostra-lhe o fim
Da vida escura, que será mais breve
Do que o festim!
Contudo os olhos d’ignóbil pranto
Secos estão;
Mudos os lábios não descerram queixas
Do coração.
Mas um martírio , que encobrir não pode,
Em rugas faz
A mentirosa placidez do rosto
Na fronte audaz!
Que tens, guerreiro? Que temor te assalta
No passo horrendo?
Honra das tabas que nascer te viram,
Folga morrendo.
Folga morrendo; porque além dos Andes
Revive o forte,
Que soube ufano contrastar os medos
Da fria morte.
Rasteira grama, exposta ao sol, à chuva,
Lá murcha e pende:
Somente ao tronco, que devassa os ares,
O raio ofende!
Que foi? Tupã mandou que ele caísse,
Como viveu;
E o caçador que o avistou prostrado
Esmoreceu!
Que temes, ó guerreiro? Além dos Andes
Revive o forte,
Que soube ufano contrastar os medos
Da fria morte.
III
Em larga roda de novéis guerreiros
Ledo caminha o festival Timbira,
A quem do sacrifício cabe as honras,
Na fronte o canitar sacode em ondas,
O enduape na cinta se embalança,
Na destra mão sopesa a iverapeme,
Orgulhoso e pujante. — Ao menor passo
Colar d’alvo marfim, insígnia d’honra,
Que lhe orna o colo e o peito, ruge e freme,
Como que por feitiço não sabido
Encantadas ali as almas grandes
Dos vencidos Tapuias, inda chorem
Serem glória e brasão d’imigos feros.
"Eis-me aqui", diz ao índio prisioneiro;
"Pois que fraco, e sem tribo, e sem família,
"As nossas matas devassaste ousado,
"Morrerás morte vil da mão de um forte."
Vem a terreiro o mísero contrário;
Do colo à cinta a muçurana desce:
"Dize-nos quem és, teus feitos canta,
"Ou se mais te apraz, defende-te." Começa
O índio, que ao redor derrama os olhos,
Com triste voz que os ânimos comove.
IV
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi:
Sou filho das selvas,
Nas selvas cresci;
Guerreiros, descendo
Da tribo tupi.
Da tribo pujante,
Que agora anda errante
Por fado inconstante,
Guerreiros, nasci;
Sou bravo, sou forte,
Sou filho do Norte;
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi.
Já vi cruas brigas,
De tribos imigas,
E as duras fadigas
Da guerra provei;
Nas ondas mendaces
Senti pelas faces
Os silvos fugaces
Dos ventos que amei.
Andei longes terras
Lidei cruas guerras,
Vaguei pelas serras
Dos vis Aimoréis;
Vi lutas de bravos,
Vi fortes — escravos!
De estranhos ignavos
Calcados aos pés.
E os campos talados,
E os arcos quebrados,
E os piagas coitados
Já sem maracás;
E os meigos cantores,
Servindo a senhores,
Que vinham traidores,
Com mostras de paz.
Aos golpes do imigo,
Meu último amigo,
Sem lar, sem abrigo
Caiu junto a mi!
Com plácido rosto,
Sereno e composto,
O acerbo desgosto
Comigo sofri.
Meu pai a meu lado
Já cego e quebrado,
De penas ralado,
Firmava-se em mi:
Nós ambos, mesquinhos,
Por ínvios caminhos,
Cobertos d’espinhos
Chegamos aqui!
O velho no entanto
Sofrendo já tanto
De fome e quebranto,
Só qu’ria morrer!
Não mais me contenho,
Nas matas me embrenho,
Das frechas que tenho
Me quero valer.
Então, forasteiro,
Caí prisioneiro
De um troço guerreiro
Com que me encontrei:
O cru dessossêgo
Do pai fraco e cego,
Enquanto não chego
Qual seja, — dizei!
Eu era o seu guia
Na noite sombria,
A só alegria
Que Deus lhe deixou:
Em mim se apoiava,
Em mim se firmava,
Em mim descansava,
Que filho lhe sou.
Ao velho coitado
De penas ralado,
Já cego e quebrado,
Que resta? — Morrer.
Enquanto descreve
O giro tão breve
Da vida que teve,
Deixai-me viver!
Não vil, não ignavo,
Mas forte, mas bravo,
Serei vosso escravo:
Aqui virei ter.
Guerreiros, não coro
Do pranto que choro:
Se a vida deploro,
Também sei morrer.
V
Soltai-o! — diz o chefe. Pasma a turba;
Os guerreiros murmuram: mal ouviram,
Nem pode nunca um chefe dar tal ordem!
Brada segunda vez com voz mais alta,
Afrouxam-se as prisões, a embira cede,
A custo, sim; mas cede: o estranho é salvo.
Timbira, diz o índio enternecido,
Solto apenas dos nós que o seguravam:
És um guerreiro ilustre, um grande chefe,
Tu que assim do meu mal te comoveste,
Nem sofres que, transposta a natureza,
Com olhos onde a luz já não cintila,
Chore a morte do filho o pai cansado,
Que somente por seu na voz conhece.
— És livre; parte.
— E voltarei.
— Debalde.
— Sim, voltarei, morto meu pai.
— Não voltes!
É bem feliz, se existe, em que não veja,
Que filho tem, qual chora: és livre; parte!
— Acaso tu supões que me acobardo,
Que receio morrer!
— És livre; parte!
— Ora não partirei; quero provar-te
Que um filho dos Tupis vive com honra,
E com honra maior, se acaso o vencem,
Da morte o passo glorioso afronta.
— Mentiste, que um Tupi não chora nunca,
E tu choraste!... parte; não queremos
Com carne vil enfraquecer os fortes.
Sobresteve o Tupi: — arfando em ondas
O rebater do coração se ouvia
Precípite. — Do rosto afogueado
Gélidas bagas de suor corriam:
Talvez que o assaltava um pensamento...
Já não... que na enlutada fantasia,
Um pesar, um martírio ao mesmo tempo,
Do velho pai a moribunda imagem
Quase bradar-lhe ouvia: — Ingrato! Ingrato!
Curvado o colo, taciturno e frio.
Espectro d’homem, penetrou no bosque!
VI
— Filho meu, onde estás?
— Ao vosso lado;
Aqui vos trago provisões; tomai-as,
As vossas forças restaurai perdidas,
E a caminho, e já!
— Tardaste muito!
Não era nado o sol, quando partiste,
E frouxo o seu calor já sinto agora!
— Sim demorei-me a divagar sem rumo,
Perdi-me nestas matas intrincadas,
Reaviei-me e tornei; mas urge o tempo;
Convém partir, e já!
— Que novos males
Nos resta de sofrer? — que novas dores,
Que outro fado pior Tupã nos guarda?
— As setas da aflição já se esgotaram,
Nem para novo golpe espaço intacto
Em nossos corpos resta.
— Mas tu tremes!
— Talvez do afã da caça....
— Oh filho caro!
Um quê misterioso aqui me fala,
Aqui no coração; piedosa fraude
Será por certo, que não mentes nunca!
Não conheces temor, e agora temes?
Vejo e sei: é Tupã que nos aflige,
E contra o seu querer não valem brios.
Partamos!... —
E com mão trêmula, incerta
Procura o filho, tateando as trevas
Da sua noite lúgubre e medonha.
Sentindo o acre odor das frescas tintas,
Uma idéia fatal ocorreu-lhe à mente...
Do filho os membros gélidos apalpa,
E a dolorosa maciez das plumas
Conhece estremecendo: — foge, volta,
Encontra sob as mãos o duro crânio,
Despido então do natural ornato!...
Recua aflito e pávido, cobrindo
Às mãos ambas os olhos fulminados,
Como que teme ainda o triste velho
De ver, não mais cruel, porém mais clara,
Daquele exício grande a imagem viva
Ante os olhos do corpo afigurada.
Não era que a verdade conhecesse
Inteira e tão cruel qual tinha sido;
Mas que funesto azar correra o filho,
Ele o via; ele o tinha ali presente;
E era de repetir-se a cada instante.
A dor passada, a previsão futura
E o presente tão negro, ali os tinha;
Ali no coração se concentrava,
Era num ponto só, mas era a morte!
— Tu prisioneiro, tu?
— Vós o dissestes.
— Dos índios?
— Sim.
— De que nação?
— Timbiras.
— E a muçurana funeral rompeste,
Dos falsos manitôs quebraste a maça...
— Nada fiz... aqui estou.
— Nada! —
Emudecem;
Curto instante depois prossegue o velho:
— Tu és valente, bem o sei; confessa,
Fizeste-o, certo, ou já não fôras vivo!
— Nada fiz; mas souberam da existência
De um pobre velho, que em mim só vivia....
— E depois?...
— Eis-me aqui.
— Fica essa taba?
— Na direção do sol, quando transmonta.
— Longe?
— Não muito.
— Tens razão: partamos.
— E quereis ir?...
— Na direção do acaso.
VII
"Por amor de um triste velho,
Que ao termo fatal já chega,
Vós, guerreiros, concedestes
A vida a um prisioneiro.
Ação tão nobre vos honra,
Nem tão alta cortesia
Vi eu jamais praticada
Entre os Tupis, — e mas foram
Senhores em gentileza.
"Eu porém nunca vencido,
Nem nos combates por armas,
Nem por nobreza nos atos;
Aqui venho, e o filho trago.
Vós o dizeis prisioneiro,
Seja assim como dizeis;
Mandai vir a lenha, o fogo,
A maça do sacrifício
E a muçurana ligeira:
Em tudo o rito se cumpra!
E quando eu for só na terra,
Certo acharei entre os vossos,
Que tão gentis se revelam,
Alguém que meus passos guie;
Alguém, que vendo o meu peito
Coberto de cicatrizes,
Tomando a vez de meu filho,
De haver-me por pai se ufane!"
Mas o chefe dos Timbiras,
Os sobrolhos encrespando,
Ao velho Tupi guerreiro
Responde com tôrvo acento:
— Nada farei do que dizes:
É teu filho imbele e fraco!
Aviltaria o triunfo
Da mais guerreira das tribos
Derramar seu ignóbil sangue:
Ele chorou de cobarde;
Nós outros, fortes Timbiras,
Só de heróis fazemos pasto. —
Do velho Tupi guerreiro
A surda voz na garganta
Faz ouvir uns sons confusos,
Como os rugidos de um tigre,
Que pouco a pouco se assanha!
VIII
"Tu choraste em presença da morte?
Na presença de estranhos choraste?
Não descende o cobarde do forte;
Pois choraste, meu filho não és!
Possas tu, descendente maldito
De uma tribo de nobres guerreiros,
Implorando cruéis forasteiros,
Seres presa de vis Aimorés.
"Possas tu, isolado na terra,
Sem arrimo e sem pátria vagando,
Rejeitado da morte na guerra,
Rejeitado dos homens na paz,
Ser das gentes o espectro execrado;
Não encontres amor nas mulheres,
Teus amigos, se amigos tiveres,
Tenham alma inconstante e falaz!
"Não encontres doçura no dia,
Nem as cores da aurora te ameiguem,
E entre as larvas da noite sombria
Nunca possas descanso gozar:
Não encontres um tronco, uma pedra,
Posta ao sol, posta às chuvas e aos ventos,
Padecendo os maiores tormentos,
Onde possas a fronte pousar.
"Que a teus passos a relva se torre;
Murchem prados, a flor desfaleça,
E o regato que límpido corre,
Mais te acenda o vesano furor;
Suas águas depressa se tornem,
Ao contacto dos lábios sedentos,
Lago impuro de vermes nojentos,
Donde fujas com asco e terror!
"Sempre o céu, como um teto incendido,
Creste e punja teus membros malditos
E oceano de pó denegrido
Seja a terra ao ignavo tupi!
Miserável, faminto, sedento,
Manitôs lhe não falem nos sonhos,
E do horror os espectros medonhos
Traga sempre o cobarde após si.
"Um amigo não tenhas piedoso
Que o teu corpo na terra embalsame,
Pondo em vaso d’argila cuidoso
Arco e frecha e tacape a teus pés!
Sê maldito, e sozinho na terra;
Pois que a tanta vileza chegaste,
Que em presença da morte choraste,
Tu, cobarde, meu filho não és."
IX
Isto dizendo, o miserando velho
A quem Tupã tamanha dor, tal fado
Já nos confins da vida reservara,
Vai com trêmulo pé, com as mãos já frias
Da sua noite escura as densas trevas
Palpando. — Alarma! alarma! — O velho pára!
O grito que escutou é voz do filho,
Voz de guerra que ouviu já tantas vezes
Noutra quadra melhor. — Alarma! alarma!
— Esse momento só vale a pagar-lhe
Os tão compridos transes, as angústias,
Que o frio coração lhe atormentaram
De guerreiro e de pai: — vale, e de sobra.
Ele que em tanta dor se contivera,
Tomado pelo súbito contraste,
Desfaz-se agora em pranto copioso,
Que o exaurido coração remoça.
A taba se alborota, os golpes descem,
Gritos, imprecações profundas soam,
Emaranhada a multidão braveja,
Revolve-se, enovela-se confusa,
E mais revolta em mor furor se acende.
E os sons dos golpes que incessantes fervem,
Vozes, gemidos, estertor de morte
Vão longe pelas ermas serranias
Da humana tempestade propagando
Quantas vagas de povo enfurecido
Contra um rochedo vivo se quebravam.
Era ele, o Tupi; nem fora justo
Que a fama dos Tupis — o nome, a glória,
Aturado labor de tantos anos,
Derradeiro brasão da raça extinta,
De um jacto e por um só se aniquilasse.
— Basta! Clama o chefe dos Timbiras,
— Basta, guerreiro ilustre! Assaz lutaste,
E para o sacrifício é mister forças. —
O guerreiro parou, caiu nos braços
Do velho pai, que o cinge contra o peito,
Com lágrimas de júbilo bradando:
"Este, sim, que é meu filho muito amado!
"E pois que o acho enfim, qual sempre o tive,
"Corram livres as lágrimas que choro,
"Estas lágrimas, sim, que não desonram."
X
Um velho Timbira, coberto de glória,
Guardou a memória
Do moço guerreiro, do velho Tupi!
E à noite, nas tabas, se alguém duvidava
Do que ele contava,
Dizia prudente: — "Meninos, eu vi!
"Eu vi o brioso no largo terreiro
Cantar prisioneiro
Seu canto de morte, que nunca esqueci:
Valente, como era, chorou sem ter pejo;
Parece que o vejo,
Que o tenho nest’hora diante de mi.
"Eu disse comigo: Que infâmia d’escravo!
Pois não, era um bravo;
Valente e brioso, como ele, não vi!
E à fé que vos digo: parece-me encanto
Que quem chorou tanto,
Tivesse a coragem que tinha o Tupi!"
Assim o Timbira, coberto de glória,
Guardava a memória
Do moço guerreiro, do velho Tupi.
E à noite nas tabas, se alguém duvidava
Do que ele contava,
Tornava prudente: "Meninos, eu vi!".
CANÇÃO DO TAMOIO
(Natalícia)
I
Não chores, meu filho;
Não chores, que a vida
É luta renhida:
Viver é lutar.
A vida é combate,
Que os fracos abate,
Que os fortes, os bravos
Só pode exaltar.
II
Um dia vivemos!
O homem que é forte
Não teme da morte;
Só teme fugir;
No arco que entesa
Tem certa uma presa,
Quer seja tapuia,
Condor ou tapir.
III
O forte, o cobarde
Seus feitos inveja
De o ver na peleja
Garboso e feroz;
E os tímidos velhos
Nos graves concelhos,
Curvadas as frontes,
Escutam-lhe a voz!
IV
Domina, se vive;
Se morre, descansa
Dos seus na lembrança,
Na voz do porvir.
Não cures da vida!
Sê bravo, sê forte!
Não fujas da morte,
Que a morte há de vir!
V
E pois que és meu filho,
Meus brios reveste;
Tamoio nasceste,
Valente serás.
Sê duro guerreiro,
Robusto, fragueiro,
Brasão dos tamoios
Na guerra e na paz.
VI
Teu grito de guerra
Retumbe aos ouvidos
D'imigos transidos
Por vil comoção;
E tremam d'ouvi-lo
Pior que o sibilo
Das setas ligeiras,
Pior que o trovão.
VII
E a mão nessas tabas,
Querendo calados
Os filhos criados
Na lei do terror;
Teu nome lhes diga,
Que a gente inimiga
Talvez não escute
Sem pranto, sem dor!
VIII
Porém se a fortuna,
Traindo teus passos,
Te arroja nos laços
Do inimigo falaz!
Na última hora
Teus feitos memora,
Tranqüilo nos gestos,
Impávido, audaz.
IX
E cai como o tronco
Do raio tocado,
Partido, rojado
Por larga extensão;
Assim morre o forte!
No passo da morte
Triunfa, conquista
Mais alto brasão.
X
As armas ensaia,
Penetra na vida:
Pesada ou querida,
Viver é lutar.
Se o duro combate
Os fracos abate,
Aos fortes, aos bravos,
Só pode exaltar.
A UM POETA EXILADO
Tambem vaguei, cantor, por clima estranho;
Vi novos vales, novas serranias,
Vi novos astros sobre mim luzindo;
E eu só! E eu triste!
Ao sereno Mondego, ao Douro, ao Tejo
Pedi inspirações, - e o Douro e o Tejo
Do misero proscrito repetiram
Sentidos carmes.
Repetiu-mos o plácido Mondego;
Talvez em mais de um peito se gravaram,
Em mais de uns meigos lábios murmurados,
Talvez soaram.
Os filhos de Minerva, novos cisnes,
Que a fonte dos amores meigos cria,
E alguns de Lisia sonorosos vates,
Sisudos mestres;
Ouvindo aquele canto agreste e rudo
Do selvagem guerreiro, - e a voz do piaga
Rugindo como o vento na floresta,
Prenhe d´augúrios;
Benignos me olharam, e aos meus ensaios
Talvez sorriram; porem mais prendeu-me,
Quem, sofrendo como eu, chorou comigo;
Quem me deu lágrimas!
Eu, pois, que nesta vida hei aprendido
Só cantar e sofrer, não vejo embalde
Ao canto a dor unida, - e os repassados
Versos de pranto.
Do triste poleá choro a desdita,
Choro e digo entre mim; “Pobre canário
Que fado mau cegou, porque soltasse
Mais doce canto;
Pobre Orfeu, n´estes tempos mal nascido,
Atrás d´um bem sonhado pelo mundo
A vagar com lira – um bem que os homens
Não podem dar-te!
Sequer esta lembrança a dor te abrande:
A vida é breve, e o teu cantar semelha
Vagido fraco de menino enfermo,
Que deus escuta.
LIRA QUEBRADA
Pede cantos aos ledos passarinhos,
Pede clarão ao sol, perfume às flores,
Às brisas suspirar murmúrio aos ventos,
Doces querelas ao correr das fontes;
E o sol, a ave, a flor, a brisa, os ventos
E as fontes que murmuram docemente
Na festa da tua alma hão de seguir-te,
Como um som pelos ecos repetido.
Mas não peças à lira abandonada
Um alegre cantar, - já murchas pendem
As grinaldas gentis, de que a toucaram
Donzeis louçãos, enamoradas virgens.
Hoje mal parte roucos sons dos nervos,
Que amargo pranto distendeu sem custo;
Quem há que se não dói de ouvir cantados
Uns versos de prazer entre soluços?
Não peças pois um hino ao triste bardo!
Verde ramo d´uma árvore gigante,
O raio no passar queimou-lhe o viço,
Deixando-o por escarneo entre verdores.
Uma febre, um ardor nunca apagado,
Um querer sem motivo, um tédio à vida
Sem motivo também – caprichos loucos,
Anhelo d´outro mundo e doutras coisas;
Desejar coisas vãs, viver de sonhos,
Corre após um bem logo esquecido,
Sentir amor e só topar frieza,
Cismar venturas e encontrar só dores.
Fizeram-me o que vês: não canto, sofro!
Lira quebrada, coração sem forças,
De poético manto os vou cobrindo,
Por disfarçar desta arte o mal que passo.
Mas se inda tens prazer à luz da aurora,
Se te ameiga fitar longos instantes,
Sentada à beira-mar na paz de um ermo,
Uma flor, uma estrela, os céus e as nuvens.
Pede cantos aos ledos passarinhos
À brisa, ao vento, à fonte que murmura;
Mas não peças canções ao triste bardo,
A quem te para um ai já falta o alento.
OLHOS VERDES
São uns olhos verdes, verdes,
Uns olhos de verde-mar,
Quando o tempo vai bonança;
Uns olhos por que morri;
Que, ai de mi!
Nem já sei qual fiquei sendo
Depois que os vi!
Como duas esmeraldas,
Iguais na forma e na cor,
Tem luz mais branda e mais forte:
Diz uma – vida, outra – morte;
Uma – loucura, outra – amor
Mas, ai de mi!
Nem já sei qual fiquei sendo
Depois que os vi!
São verdes da cor do prado,
Exprimem qualquer paixão,
Tão facilmente se inflamam,
Tão meigamente derramam
Fogo e luz do coração;
Mas, ai de mi!
Nem já sei qual fiquei sendo
Depois que os vi!
São uns olhos verdes, verdes,
Que podem também brilhar;
Não são de um verde embaçado,
Mas verdes da cor do prado,
Mas verdes da cor do mar,
Mas, ai de mi!
Nem já sei qual fiquei sendo
Depois que os vi!
Como se lê n´um espelho
Pude ler nos olhos seus!
Os olhos mostram a alma,
Que as ondas postas em calma
Também refletem nos céus;
Mas, ai de mi!
Nem já sei qual fiquei sendo
Depois que os vi!
Dizei vós, ó meus amigos
Se vos perguntam por mi,
Que eu vivo só da lembrança
De uns olhos cor de esperança,
De uns olhos verdes que vi!
Mas, ai de mi!
Nem já sei qual fiquei sendo
Depois que os vi!
Dizei vós: triste do bardo!
Deixou-me de amor finar!
Viu uns olhos verdes, verdes
Uns olhos da cor do mar;
Eram verdes sem esperança,
Davam amor sem amar!
Dizei-o vós, meus amigos,
Que, ai de mi!
Não pertenço mais à vida
Depois que os vi!
MIMOSA E BELA
Tão bela és, tão mimosa,
Qual viçosa
Fresca rosa,
Que em serena madrugada,
Despontada,
Rorejada
Foi pelo orvalho do céu;
E a autora que tudo esmalta
Brilha reflexos de prata
No orvalho que ali prendeu.
FONTES:
BANDEIRA, Manuel. Noções de história das literaturas. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1940.
BOSI, Alfredo, História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 1970.
BRASIL, Assis. Dicionário pratico de literatura brasileira. Rio de Janeiro: Tecnoprint, 1979.
______. Vocabulário técnico de literatura. Rio de Janeiro: Tecnoprint, 1979.
CANDIDO, Antonio. Iniciação à Literatura Brasileira. São Paulo: FFLCH/USP, 1999.
______ Antonio. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/ Edusp, 1975.
_______. A educação pela noite e outros ensaios. São Paulo: Ática, 1987.
SANTOS, Maria Rita (org). Poesia e prosa escolhida de Gonçalves Dias e Machado de Assis, São Luis, EDUFMA, 1997
CANDIDO, Antonio: CASTELLO, José Aderaldo. Presença da literatura brasileira, vol. 1. São Paulo, Difel, 1968.
CARPEAUX, Otto Maria. Historia da literatura ocidental. Rio de Janeiro: Alhambra, 1980.
_________. Pequena bibliografia critica da literatura brasileira. Rio de Janeiro: Tecnoprint, 1979.
CARVALHO, Ronald. Pequena história da literatura brasileira. Rio de Janeiro: F. Briguet, 1955.
CASTELLO, José Aderaldo. Manifestações literárias do período colonial (1500-1808/1836) São Paulo: Cultrix, 1972.
COSTA, Luiz Carlos. Gêneros Literários: Um debate permanente. In: Revista Letras & Letras, Uberlândia, 1987.
COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.
CULLER, Jonathan. Teoria Literária - Uma introdução. São Paulo: Beca Produções Culturais Ltda., 1999.
CURY, Mana Zilda e WALTY, Ivete. Textos sobre textos. Belo Horizonte: Dimensão, 1999.
DIAS, Gonçalves. Poesias completas de Gonçalves Dias. Rio de Janeiro: Cientíofica, 1965.
D’ONOFRIO, Salvatore. Literatura Ocidental: autores e obras fundamentais. São Paulo: Ática, 1990.
FERREIRA, Pinto. Historia da literatura brasileira. Caruaru: Fadica, 1981.
HOLANDA, Sergio Buarque (Org). Antologia dos poetas brasileiros da fase colonial. São Paulo: Perspectiva, 1979,
KOTHE, Flávio. O Cânone Imperial. Brasília: UnB/Uspa, 2000.
LIMA, Alceu Amoroso. Introdução à literatura brasileira. Rio de Janeiro:Agir, 1956.
LITRENTO, Oliveiros. Apresentação da literatura brasileira. Rio de Janeiro: Forense-Universitária/INL, 1978.
MARTINS, Wlson. A literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1967.
MAIA, João Domingues. Literatura: textos e técnicas. São Paulo: Ática, 1996.
MAIA, João Domingues. Português – Série Ensino Médio. São Paulo, Àtica, 2000
MOISÉS, Massaud, A Literatura Brasileira Através dos Textos. São Paulo: Cultrix, 2000.
________. A Literatura Portuguesa. São Paulo: Cultrix, 2001.
___________. A Criação Literária: Prosa. São Paulo: Cultrix, 1968.
ROMERO, Silvio. Historia da literatura brasileira. Rio de Janeiro: José Olympioo/INL, 1980.
SOARES, Angélica M. Santos. Gêneros Literários. São Paulo: Ática, 1889.
SODRÉ, Nelson Werneck. Historia da literatura brasileira. Rio de Janeiro: Civilização Brasiléia, 1976.
ZUMTHOR, Paul. Performance, Recepção e Leitura. São Paulo: EDUC, 2000.
VEJA MAIS:
LITERATURA BRASILEIRA
POETAS DO MARANHÃO
HORARIO ELEITORAL PUTO DA VIDA
DICIONÁRIO TATARITARITATÁ
FREVO BRINCARTE
ANYWHERE FM