segunda-feira, setembro 29, 2008

LITERATURA BRASILEIRA – POETAS DE SÃO PAULO



ALVARES DE AZEVEDO

ALVARES DE AZEVEDO – O poeta, ensaísta e escritor paulista Manuel Antônio Álvares de Azevedo (1831-1852) integrou a segunda geração romântica, considerada de ultra romântica, byroniana ou mal do século.
Sentimentalismo, imaginação exacerbada, amor doentio, temor à morte, são os ingredientes da poesia dele. Embora influenciado por Byron, Lamartine, Musset, Goethe, o jovem poeta procurou a sua feição propria de escritor brasileiro: é quando canta os sentimentos mais pessoais, um tanto longe do intelectualismo dos poetas de sua geração; o amor e a morte, o presságio do fim prematuro. O tempo que teve para evoluir e amadurecer, foi entre 16 e 20 anos, então já medindo os seus arroubos verbais e simplificando seu estilo. A critica acha que Alvares de Azevedo alcançaria a perfeição artistica se não houvesse morrido logo cedo. Como Castro Alves escreveria alguns anos mais tarde. Alvares de Azevedo cantou o signficado da Glória diante da morte prematura.
A sua obra compreende: Poesias diversas, Poema do Frade, o drama Macário, o romance O Livro de Fra Gondicário, Noite na Taverna, Cartas, vários Ensaios (Literatura e civilização em Portugal, Lucano, George Sand, Jacques Rolla), e a sua principal obra Lira dos vinte anos (inicialmente planejada para ser publicada num projeto – É patrono da cadeira nº 2 da Academia Brasileira de Letras.

O POETA

Era uma noite: — eu dormia...
E nos meus sonhos revia
As ilusões que sonhei!
E no meu lado senti...
Meu Deus! por que não morri?
Por que no sono acordei?

No meu leito adormecida,
Palpitante e abatida,
A amante de meu amor,
Os cabelos recendendo
Nas minhas faces correndo,
Como o luar numa flor!

Senti-lhe o colo cheiroso
Arquejando sequioso
E nos lábios, que entreabria
Lânguida respiração,
Um sonho do coração
Que suspirando morria!

Não era um sonho mentido:
Meu coração iludido
O sentiu e não sonhou...
E sentiu que se perdia
Numa dor que não sabia...
Nem ao menos a beijou!

Soluçou o peito ardente,
Sentiu que a alma demente
Lhe desmaiava a tremer,
Embriagou-se de enleio,
No sono daquele seio
Pensou que ele ia morrer!

Que divino pensamento,
Que vida num só momento
Dentro do peito sentiu...
Não sei!... Dorme no passado
Meu pobre sonho doirado...
Esperança que mentiu...

Sabem as noites do céu
E as luas brancas sem véu
Os prantos que derramei!
Contem do vale as florinhas
Esse amor das noite minhas!
Elas sim... que eu não direi!

E se eu tremendo, senhora,
Viesse pálido agora
Lembrar-vos o sonho meu,
Com a fronte descorada
E com a voz sufocada
Dizer-vos baixo: — Sou eu!

Sou eu! que não esqueci
A noite que não dormi,
Que não foi uma ilusão!
Sou eu que sinto morrer
A esperança de viver...
Que o sinto no coração!

Riríeis das esperanças,
Das minhas loucas lembranças,
Que me desmaiam assim?
Ou então, de noite, a medo
Choraríeis em segredo
Uma lágrima por mim!

Dorme, meu coração! Em paz esquece
Tudo, tudo que amaste neste mundo!
Sonho falaz de tímida esperança
Não interrompa teu dormir profundo!
Tradução do Dr. Octaviano

Fui um douto em sonhar tantos amores...
Que loucura, meu Deus!
Em expandir-lhe aos pés, pobre insensato,
Todos os sonhos meus!

E ela, triste mulher, ela tão bela,
Dos seus anos na flor,
Por que havia de sagrar pelos meus sonhos
Um suspiro de amor?

Um beijo — um beijo só! eu não pedia
Senão um beijo seu
E nas horas do amor e do silêncio
Juntá-la ao peito meu!
_____

Foi mais uma ilusão! de minha fronte
Rosa que desbotou
Uma estrela de vida e de futuro
Que riu... e desmaiou!

Meu triste coração, é tempo, dorme,
Dorme no peito meu!
Do último sonho despertei e n’alma
Tudo! tudo morreu!

Meus Deus! por que sonhei e assim por ela
Perdi a noite ardente...
Se devia acordar dessa esperança,
E o sonho era demente?...

Eu nada lhe pedi: ousei apenas
Junto dela, à noitinha,
Nos meus delírios apertar tremendo
A sua mão na minha!

Adeus, pobre mulher! no meu silêncio
Sinto que morrerei...
Se rias desse amor que te votava,
Deus sabe se te amei!

Se te amei! se minha alma só queria
Pela tua viver,
No silêncio do amor e da ventura
Nos teus lábios morrer!

Mas vota ao menos no lembrar saudoso
Um ai ao sonhador...
Deus sabe se te amei!... Não te maldigo,
Maldigo o meu amor!...

Mas não... inda uma vez... Não posso ainda
Dizer o eterno adeus
E a sangue frio renegar dos sonhos
E blasfemar de Deus!

Oh! Fala-me de amor!... — eu quero crer-te
Um momento sequer...
E esperar na ventura e nos amores,
Num olhar de mulher!

Só um olhar por compaixão te peço,
Um olhar.... mas bem lânguido, bem terno...
...........................................................................
Quero um olhar que me arrebate o siso,
Me queime o sangue, m’escureça os olhos,
Me torne delirante!

CANTIGA

I
Em um castelo doirado
Dorme encantada donzela...
Nasceu; e vive dormindo
— Dorme tudo junto dela.

Adormeceu-a, sonhando,
Um feiticeiro condão,
E dormem no seio dela
As rosas do coração.

Dorme a lâmpada argentina
Defronte do leito seu;
Noite a noite a lua triste
Vem espreitá-la do céu.

Voam os sonhos errantes
Do leito sob o dossel
E suspiram no alaúde
As notas do menestrel.

E no castelo, sozinha,
Dorme encantada donzela...
Nasceu; e vive dormindo
— Dorme tudo junto dela.

Dormem cheirosas, abrindo,
As roseiras em botão...
E dormem no seio dela
As rosas do coração.

II
A donzela adormecida
É a tua alma, santinha,
Que não sonha nas saudades
E nos amores da minha.

— Nos meus amores que velam
Debaixo do teu dossel
E suspiram no alaúde
As notas do menestrel.

Acorda, minha donzela,
Foi-se a lua, eis a manhã
E nos céus da primavera
É a aurora tua irmã.

Abriram no vale as flores
Sorrindo na fresquidão:
Entre as rosas da campina
Abram-se as do coração.

Acorda, minha donzela,
Soltemos da infância o véu...
Se nós morrermos num beijo,
Acordaremos no céu.

É ELA! É ELA! É ELA! É ELA!

É ela! é ela!—murmurei tremendo,
E o eco ao longe murmurou—é ela!
Eu a vi—minha fada aérea e pura—
A minha lavadeira na janela!

Dessas águas furtadas onde eu moro
Eu a vejo estendendo no telhado
Os vestidos de chita, as saias brancas;
Eu a vejo e suspiro enamorado!

Esta noite eu ousei mais atrevido
Nas telhas que estalavam nos meus passos
Ir espiar seu venturoso sono,
Vê la mais bela de Morfeu nos braços!

Como dormia! que profundo sono! . . .
Tinha na mão o ferro do engomado. . .
Como roncava maviosa e pura!. . .
Quase caí na rua desmaiado!

Afastei a janela, entrei medroso:
Palpitava lhe o seio adormecido...
Fui beijá la. . . roubei do seio dela
Um bilhete que estava ali metido. . .

Oh! de certo. . . (pensei) é doce página
Onde a alma derramou gentis amores;
São versos dela. . . que amanhã de certo
Ela me enviará cheios de flores.

Tremi de febre! Venturosa folha!
Quem pousasse contigo neste seio!
Como Otelo beijando a sua esposa,
Eu beijei a a tremer de devaneio. .

É ela! é ela!—repeti tremendo;
Mas cantou nesse instante uma coruja...
Abri cioso a página secreta. . .
Oh! meu Deus! era um rol de roupa suja!

Mas se Werther morreu por ver Carlota
Dando pão com manteiga às criancinhas,
Se achou a assim mais bela,—eu mais te adoro
Sonhando te a lavar as camisinhas!

É ela! é ela! meu amor, minh'alma,
A Laura, a Beatriz que o céu revela. . .
É ela! é ela!—murmurei tremendo,
E o eco ao longe suspirou—é ela!

O POEMA DE UM LOUCO

(Fragmento de "O Conde Lopo")

I

Foi poeta: cantou, e o estro em fogo
Crestou lhe o peito, devorou seus dias
E a febre ardente desbotou lhe a fronte
Em dores sós, em delirar insano.

Foi poeta: cantou, sonhou: a vida
Canto e sonhos lhe foi. Amor e glória
Com asas brancas viu sorrindo em vôos.
Foi lhe vida sonhar: e ardentes sonhos
A fronte lhe acenderam, lhe estrelaram
Mágico da existência o firmamento.
Cantou, sonhou—amou:: cantos e sonhos
Em amor converteu os. De joelhos
Em fundo enlevo ele esperou baixasse
Alguma luz do céu, que amor dissesse—

Anjo ou mulher! embora que ele a amara
C'o fogo queimador que o consumia
Com o amor de poeta que o matava!
Anjo ou mulher—embora! e em longas preces
Noite e dia o esperou—Mísero! Embalde!

Sonhou—amou—cantou: em loucos versos
Evaporou a vida absorta em sonhos—
E debalde! ninguém chorou lhe os prantos
Que sobre as mortas ilusões já findas
Pálido derramara—
Amou! E um peito
Junto ao seu não ouviu bater consoante
C'os amores do seu! Ninguém amou o
E nem as mágoas lhe afogou num beijo! —

E morreu sem amor.—Bateu lhe embalde
O pobre coração em loucas ânsias.
Passou ignoto, solitário e triste
Entre os anjos do amor, só viu lhe risos
Em braços doutros—e invejosa mágoa
Essa alheia ventura só lhe trouxe.
Nunca a mão dele de uma fronte branca
A alva coroa fez cair da virgem—
Jovem, solteiro, sem consórcio d'alma

Entre as rosas da vida—mas nenhuma
Nem deu lhe um riso—nem do moço pálido
No imo d'alma guardou uma saudade!

Mas se à terra saudades não deixara
Não levou as também—do peito o orgulho
Que ninguém quis amar, ninguém amou.
—Foi lhe quimera o amor, não mais lembrou o,
Tentou o ao menos. —E que importa um morto?
— Doido é quem geme em lagrimar estéril—
Quando o luto findou e alegre o baile
Corre entre flores no valsar, quem lembra
O defunto que é podre no jazigo?
—Morrera lhe o sonhar—por que chorá lo?

E morreu sem amor! E ele contudo
Tinha no peito tanto amor e vida!
Alma de sonhos, tão ardentes, cheia!
E anelante do amor do peito—em outro
Em horas ternas efundir em beijos!

E às vezes quando a fronte pela febre
Pesada e quente sobre as mãos firmava,
Quando esse delirar febril da insônia
Em vertigens travava de sua alma,
Um negro pensamento lhe passava
Como um fuzil no cérebro fervente,
E pensava dos loucos no delírio,
Na escura treva da vertigem tonta!
Temia—a morte não—mas—a loucura.

SONETO

Pálida, a luz da lâmpada sombria,
Sobre o leito de flores reclinada,
Como a lua por noite embalsamada,
Entre as nuvens do amor ela dormia!

Era a virgem do mar! na escuma fria
Pela maré das água embalada...
— Era um anjo entre nuvens d’alvorada
Que em sonhos se banhava e se esquecia!

Era mais bela! o seio palpitando...
Negros olhos as pálpebras abrindo...
Formas nuas no leito resvalando...

Não te rias de mim, meu anjo lindo!
Por ti — as noites eu velei chorando
Por ti — nos sonhos morrerei sorrindo!

O POETA

Minh’alma triste se enluta,
Quando a voz interna escuta
Que blasfema da esperança...
Aqui tudo se perdeu,
Minha pureza morreu
Com o enlevo de criança!

Ali, amante ditoso,
Delirante, suspiroso,
Eflúvios dela sorvi,
No seu colo eu me deitava...
E ela tão doce cantava!
De amor e canto vivi!

Na sombra deste arvoredo
Oh! quantas vezes a medo
Nossos lábios se tocaram!
E os seios, onde gemia
Uma voz que amor dizia,
Desmaiando me apertaram!

Foi doce nos braços teus,
Meu anjo belo de Deus,
Um instante do viver...
Tão doce, que em mim sentia
Que minh’alma se esvaía...
E eu pensava ali morrer!

O POETA

Que gemer! não me enganava!
Era o anjo que velava
Minha casta solidão?
São minhas noites gozadas
E as venturas choradas
Que vibram meu coração?

É tarde, amores, é tarde:
Uma centelha não arde
Na cinza dos seios meus...
Por ela tanto chorei,
Que mancebo morrerei...
Adeus, amores, adeus!

CISMAR

Fala-me, anjo de luz! és glorioso
À minha vista na janela à noite
Como divino alado mensageiro
Ao ebrioso olhar dos frouxos olhos
Do homem, que se ajoelha para vê-lo,
Quando resvala em preguiçosas nuvens,
Ou navega no seio do ar da noite.

ROMEU

Ai! quando de noite, sozinha à janela
Co’a face na mão te vejo ao luar,
Por que, suspirando, tu sonhas, donzela?
A noite vai bela,
E a vista desmaia
Ao longe na praia
Do mar!

Por quem essa lágrima orvalha-te os dedos,
Como água da chuva cheiroso jasmim?
Na cisma que anjinho te conta segredos?
Que pálidos medos?
Suave morena,
Acaso tens pena
De mim?

Donzela sombria, na brisa não sentes
A dor que um suspiro em meus lábios tremeu?
E a noite, que inspira no seio dos entes
Os sonhos ardentes,
Não diz-te que a voz
Que fala-te a sós
Sou eu?

Acorda! Não durmas da cisma no véu!
Amemos, vivamos, que amor é sonhar!
Um beijo, donzela! Não ouves? no céu
A brisa gemeu...
As vagas murmuraram...
As folhas sussurram:
Amar!


FONTE:
BANDEIRA, Manuel. Noções de história das literaturas. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1940.
BOSI, Alfredo, História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 1970.
BRASIL, Assis. Dicionário pratico de literatura brasileira. Rio de Janeiro: Tecnoprint, 1979.
______. Vocabulário técnico de literatura. Rio de Janeiro: Tecnoprint, 1979.
CANDIDO, Antonio. Iniciação à Literatura Brasileira. São Paulo: FFLCH/USP, 1999.
______ Antonio. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/ Edusp, 1975.
_______. A educação pela noite e outros ensaios. São Paulo: Ática, 1987.
CANDIDO, Antonio: CASTELLO, José Aderaldo. Presença da literatura brasileira, vol. 1. São Paulo, Difel, 1968.
CARPEAUX, Otto Maria. Historia da literatura ocidental. Rio de Janeiro: Alhambra, 1980.
_________. Pequena bibliografia critica da literatura brasileira. Rio de Janeiro: Tecnoprint, 1979.
CARVALHO, Ronald. Pequena história da literatura brasileira. Rio de Janeiro: F. Briguet, 1955.
COSTA, Luiz Carlos. Gêneros Literários: Um debate permanente. In: Revista Letras & Letras, Uberlândia, 1987.
COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.
CULLER, Jonathan. Teoria Literária - Uma introdução. São Paulo: Beca Produções Culturais Ltda., 1999.
CURY, Mana Zilda e WALTY, Ivete. Textos sobre textos. Belo Horizonte: Dimensão, 1999.
D’ONOFRIO, Salvatore. Literatura Ocidental: autores e obras fundamentais. São Paulo: Ática, 1990.
FERREIRA, Pinto. Historia da literatura brasileira. Caruaru: Fadica, 1981.
HOLANDA, Sergio Buarque (Org). Antologia dos poetas brasileiros da fase colonial. São Paulo: Perspectiva, 1979,
LIMA, Alceu Amoroso. Introdução à literatura brasileira. Rio de Janeiro:Agir, 1956.
LITRENTO, Oliveiros. Apresentação da literatura brasileira. Rio de Janeiro: Forense-Universitária/INL, 1978.
MARTINS, Wlson. A literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1967.
MAIA, João Domingues. Literatura: textos e técnicas. São Paulo: Ática, 1996.
MOISÉS, Massaud, A Literatura Brasileira Através dos Textos. São Paulo: Cultrix, 2000.
______. A Criação Literária: Prosa. São Paulo: Cultrix, 1968.
NICOLA, José de. Literatura Brasileira das origens aos Nossos Dias:São Paulo: Scipione,1994.
ROMERO, Silvio. Historia da literatura brasileira. Rio de Janeiro: José Olympioo/INL, 1980.
SOARES, Angélica M. Santos. Gêneros Literários. São Paulo: Ática, 1889.
SODRÉ, Nelson Werneck. Historia da literatura brasileira. Rio de Janeiro: Civilização Brasiléia, 1976.

VEJA MAIS:
LITERATURA BRASILEIRA
POETAS DE SÃO PAULO
FREVO BRINCARTE NA ESCOLA JORGE DE LIMA