terça-feira, fevereiro 19, 2008
POETAS MINEIROS
FERNANDO FÁBIO FIORESE FURTADO
PORQUE CANTAR JÁ NÃO MUDA EM MANHÃ
Porque cantar já não muda em manhã
A paisagem, nem mesmo abrevia a cena
Onde me falta, ali onde o amor acena
- decerto uma rubrica temporã,
o gesto equívoco de quem espera
aquele que na palavra demora
e, sabendo não haver olhos nem hora,
descreve a elipse que não quisera.
Porque cantar já não apura senão
O palrar do corpo, a palavra pouca
E demasiada – o nada, o nunca, o não.
Porque mesmo em festa, cantar ressalta
O que em mim recusa, recua ou apouca
Quando a palavra acusa minha falta.
BIOGRAFIA
quem
como altar ou casa
o dédalo elegeu
de nenhum deus foi refém
por buscar outra face
no chão sem algarismos
no oceano sem sintaxe
quem, consagrou os dias
ao diálogo das nuvens
e noites consumia
descarnando arcanos
com suas miragens
um herói engendrou
- lá onde finda a palavra
e a fábula principia
quem herdou as rasuras
do livro de linhagens
e soletrou-as
para tecer a biografia
os signos
em punhal traduzia
SERPENTE EMPLUMADA
Gente não morre,
Fica embaraçada
Nos cílios da grande hora.
Arrasta um nome
Com cuidados de
Quem afina instrumento.
Pernas pronúncia
Para o baile findo
Descansam nos arames.
Eia riso, rio,
O terreiro esplende,
Estamos no seu anel.
Percute o tombo
Do amor, enfim entre.
Olhai quem canta o enredo:
O embaixador
Afinou instrumento
Para um corpo discorde.
CACILDA GANFONHA
No desvestido
Os varais vagam.
Onde dependurar
O que a descoberto?
Por que cercar o corpo
Como altar ou pasto?
Um despudor detém os cílios.
Os muitos me atravessam
Como uma rua ao meio-dia.
Sílaba de lençol
Termina em hiato.
AMÉLIA, COMO GRADIVA
Como são belos os pés
Da jovem perdida na penumbra.
Como são ásperos os espíritos
Sob o sol do meio-dia.
Como são frágeis a borboleta,
O lagarto, a rosa.
Quanto demora
Para desmontar um fantasma?
AS MOÇAS DO EMBALO
Das Dores é uma.
Imaculada outra.
Podiam atravessar a parede
E a casa amanhecia.
Aos pares ficam invisíveis.
Acolhem a sombra uma da outra.
Mulher sem sombra dói?
Menino não sabe
O que era para não ver.
Nem perguntar.
FERNANDO FÁBIO FIORESE FURTADO é poeta, doutor em Semiologia, escritor e professor da Faculdade de Comunicação e do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora – MG. É autor, dentre outros livros, de Ossário do mito, Corpo Portátil e Dicionário Mínimo.
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