quarta-feira, julho 16, 2008

POETA DE ALAGOAS



DIÓGENES TENÓRIO JÚNIOR

O CLAMOR DAS PEDRAS

Um dia, um dia as pedras gritarão” (Mario Quintana)

Deixe as pedras clamarem;
Com o tempo, calarão.
Verão que é inútil seu grito,
E guardarão suas forças
Para chorar silenciosamente
Pelas vozes silenciadas.
Não dê ouvidos ao que elas dizem!
A vida não é retórica, e o mundo
Nunca sobreviveu às custas
Dos idealistas e das poesias.
Olhe ao seu redor: podes sentir
O mau-cheiro das almas em decomposição.
É essa a realidade em que vives,
É esse o destino que te aguarda.
Vamos embora, cuidar do que é nosso.
Deixe as pedras clamarem;
Com o tempo calarão.

CANTIGA DE NINAR

Navega, sonho, navega
No meu sono que é um mar.
Se a tristeza te carrega,
Mesmo assim não me sonegues
O direito de sonhar.
Navega, sonho, navega,
Não me deixes naufragar.
Se qualquer onda te pega,
Por favor, não me entregues,
Nem me deixa despertar.
Navega, sonho, navega
Nas águas do meu pensar.
De vez por todas renega
A solidão; me delega
Esse dom de navegar...

PISCINA

Na piscina da existência,
Toda a água é renovada:
Vai-se a antiga, da inocência,
Vem a nova, maculada.

MURICI

Essa cidade me vence.
E de tal modo me envolve,
Que já não sei se habito
Ou se é ela que vive em mim.

CARLITO, AOS SESSENTA

Para Carlito Lima

Chega Carlito aos sessenta. Mesmo assim
O tempo não diminui sua energia,
Renova o exercício da alegria,
E seu humor parece não ter fim.
Se o avanço da idade é ruim,
Carlito não demonstra, e irradia
Cada vez mais carinho e fidalguia,
Esteja num palácio ou botequim.
Seis décadas Carlito faz agora,
E a multidão que está aqui implira
Que outras seis permaneça entre nós;
Que viva, vibre, ame e se entregue,
Mas haja o que houver, nunca nos negue
Sua presença, seu abraço e sua voz.

OFÍCIO

Já não sei como grito:
Se através das palavras
Ou dos meus olhos aflitos.
Se grito com minha lavra,
Imagino que ela salva
Uma multidão de proscritos;
Mas, se com meus olhos falo,
Nada escondo, e num estalo
Alço vôo ao infinito.

POEMINHA CONCLUSIVO

Nós somos
O fardo
Mais pesado
Que carregamos.

DO EMBARAÇO DIVINO

Os trovões são pigarros de Deus,
Embaraçado, quando algum anjo irreverente
Pergunta se ele está satisfeito
Por haver criado o homem.

CREDO

Eis que somos aurora e esperança,
E nossos medos já não mais impedem
A trajetória rumo à imensidão.
Nem mais ouvimos o rumor dos passos
Que, lentamente, plena noite escura,
Nos encaminham para as ermas sombras
Dos precipícios onde acaba o chão.
Em força viva nos transfiguramos,
Como se fôssemos, por um instante,
O sonho convertido em missão
(Tal se pudéssemos, na luta infinda,
acalentar a velha liberdade
que faz sempre vencer toda verdade
sobre a mentira que sonega o pão).
Não renegamos mais a nossa crença,
Pois não nos basta apenas a certeza
Do que palpita em nosso coração.
É necessária a nossa luta insana,
O nosso sacrifício sobre-humano,
Para que brote o fruto sazonado
Dessa semente de transformação.

DIÓGENES TENÓRIO JUNIOR – O poeta alagoano com formação em Direito e atuação no campo jurídico da capital alagoana. É autor dos livros O Clamor das Pedras (1997) e Mar sem Porto (2003). Dele prefaciou seu primeiro livro o poeta Jorge Cooper: “(...) O Clamor das Pedras, livro de poemas inédito, adquire, de imediato, à primeira mira, todo o engenho que constrói o poeta – (passageiro de pouca idade gesticulando os versos das indagações e das dúvidas). (...) São muitos gritos de um só poeta, ao mesmo tempo jovem e cismado. Juventude aliada às cismas, aos presságios. Só cismas e presságios? Que mundo é este onde são as pedras que clama, que advertem? A pedra que não é plágio, é fragmento de adágio e que estava no caminho de outro poeta, tal como pedra que era, sólida e muda, aconselhava o caminho de quem primeiro a viu. Muda e tácita. Os tempos são outros, tudo piorou, e as pedras do poeta Diógenes Tenório Junior chegam falando e ninguém as escuta (...) É um inicio proimissor, tendo ao lado uma lanterna e certas pedras”.
Também sobre ele escreveu o também poeta Sidney Wanderley: “Você demonstra ter o que falta à quase totalidade dos que andam praticando poesia por estas bandas: a noção de que em poesia a forma pode não ser tudo, pero es fundamental. Você promete. Pior ainda: já está começando – indiscutivelmente – a cumprir a promessa. Os da velha guarda (eu inclusive) que se cuidem”.

FONTE:
TENÓRIO JUNIOR, Diógenes. O clamor das pedras. Curitiba: HD Livros, 1997.
______. Mar sem porto. Maceió: Catavento, 2003.

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