sexta-feira, janeiro 14, 2011

LARISSA MARQUES



Imagem: Mulher na janela, de Larissa Marques.

POEMAS DE LARISSA MARQUES

GOTEIRA

escorreguei gotejando feito
chuva nas pedras do incompreendido
vãos entremeios do ignorar

há cura para o cansaço
é o sussurro seu no meu ouvido
é a mentira que me conta

já não corro da chuva, da nuvem cinza
nem da esperança que me cega
ainda tenho olhos esbugalhados

eles passam entre seus dedos
como as contas do rosário
de minha avó em devoção

lembro-me ainda do choro
de meu reflexo no seu olho
conjugações não me emocionam
só as gotas

distante me faz ler poesias
e tento reescrevê-las num ato falho
as lágrimas amargas falham em face vazia

jamais tentei o distanciamento
e até orei meu abismo aos bárbaros
que caçoaram de mim

e se consegue ver-me em seus olhos
fure-os na ira da gota
não estou pronta para nós.

ROTINA

nesses dias
confinada aos cigarros
e à solidão acompanhada
não choro
nem me queixo
apenas deixo
meus sonhos
confinados nas pílulas
dispostas nas gavetas
centrais de meus armários
imaginários
fartos de esperar.

PARÁBOLA

em outras eras
lancei-me
subi o quanto pude
projétil e palavra
a esmo
sem ter-me

e divaguei na
vertigem vazia
da queda

qual pedra
ao encontrar
o solo

quebrei-me
em mil
para estar
no centro

e o repuxo
fez-me inércia
que na descoberta
sempre pede
a dor
do chão!

MORRI DUAS VEZES

ceguei-me do olho esquerdo
de tão desgastada
não quis ver as chagas
que eu mesma abri

antes de ferir-me
mais algumas vezes
calei a aflição
na tentativa da conversão

desferi golpes certeiros
contra carnes moles
e pensamentos impuros
até não conseguir respirar

aprendi a viver assim
consumindo-me em perdas
queda a queda
gota a gota
clamando pelo novo

mãos estrangeiras
buscaram a re-vida
em vão
morri duas vezes.

SOL DE JANEIRO O ANO INTEIRO

no acalanto de sua chegada
descobriu-me mulher
giro em sua órbita
provoca em mim estações
e desconhece-me esfera

causou-me amanheceres meridianos
as belas horas brilharam aqui
vogaram tanto e como que declinaram
no desespero de seu poente
ah, meu amor, minhas dúvidas!

seus lábios queimaram os meus
fizeram juras que não podem cumprir
não sou júpiter ou urano
nem sou saturno e em segredo
trago seu anel no polegar esquerdo

meus olhos devotei aos dias
que choram durante a noite
é madrugada agora
sinto a frieza da solidão
um medo tão meu

obedeço a ordem que impôs
apertam-me suas margens
privam-me do seu calor
tento esquecer o que foi
todas as manhãs.

RUBRO

queima a palavra presa na garganta
que o plexo venoso não espera represas
arrebenta o que envergonha
descarta o obsoleto
como quem verte câimbras falhas
o reflexo rugoso do desistir
é coágulo e seca na veia de peito alheio
deixando-o à míngua.

ALICE DESPEDAÇADA

sonhei com outro presente para mim
que não incluísse bebedeira
e filhos bastardos para criar

as meias arrastão e a jogatina
acompanhadas de bebida forte
abrandavam devaneios

mas minha perdição
era a fumaça do cigarro
que fazia voar

veio cair em minha mão nada mais
que um ás e uma rainha de copas
olhava para as expressões pacíficas
de outros jogadores
naquele jogo a verdade
era o que menos importava

sem xícaras de chá ou botões
na lapela do Chapeleiro Louco
ou qualquer outra coisa
que viesse da terra dos espelhos
eu era igual a todas as outras

não fosse aquela rainha de copas
mal me lembraria de quem fui.

ORÁCULO

que em sua língua
a minha se cale
reverencio o momento
e as horas que desatento
desorientam-me

que em sua voz
meu silêncio fale
tudo a seu tempo
e é do que desdenho
descontenta-me

que em seu fim
meu Planalto seja vale
eu, início de seu templo
e do que não tenho
encontra-me

INTERPOÉTICA

a palavra reles meretriz
na boca de meu poeta fugaz
apodrece e me faz
desejá-lo ainda mais

não preciso de matiz
se nas nuances disformes me faz feliz
e em sua língua
rouca suspensa me traz

se o poema sozinho se diz
e nem todo verso apraz
seu verbo me é cicatriz
e todo resto jaz.

APRENDIZ

fosse um misto de insegurança e certeza, nem isso. aquilo era torpor cego, loucura. personagem comandava certeiro e brotava em cada linha mal feita, em cada palavrão dito enquanto ele dormia. determinada a fechar aquele ciclo digitava calada e faminta pelo verbo. no trigésimo nono capítulo, não era Carlos que pulava a janela e sim a realidade nua, violenta e sem alegorias, aprendia com ela.

LARISSA MARQUES – A escritora, editora, artista visual, blogueira e excelente poeta Larissa Marques comanda a Utopia Editora, edita diversos blogs, a revista eletrônica feminina Falópios e reúne alguns de seus textos no Recanto das Letras. Veja tudo isso e mais da arte de Larissa Marques no Crônica de amor por ela.



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