quarta-feira, fevereiro 27, 2008
A INTROMISSÃO DO VERBO
MINHA VOZ
Minha voz é a coragem de amar no ultraje dos desencontros.
E eu sou navio com rota esquecida e naufrágios muitos.
Quando o nublado olhar pousa em meu rio
É pressagio que paira no ventre de paixão.
Quando minha vez é torrente de dor no exagero sombrio de uma canção, não é nada, é tempestade que passou e deixou danos.
Quando minha voz é a coragem de amar,
Não é a sombra de um vendaval.
É a sujeito de um eterno pavio que aceso nunca apagará.
UAKTI
Deste corpo índio melodias nuas nos ventos das mulheres e das paixões. Um destino mágico das dulcíssonas flautas. E toda ribalta na mística da palmeira, a tríade verdadeira para acalentar um coração.
JOÃO
De ser-se homem João amou.
Como outro qualquer, nunca.
Mas, joãomente.
Hermético. Humílimo. Telúrico.
Com o braço de fibra
E a canção singela da alma.
João não foi ninguém
(quase que por sina Rapunzel)
foi vivo.
EM MIM
Estou com o sentido do mundo.
Tudo está em mim querendo explodir.
Já não tenho nada meu em mim,
“sou todo coração”
e observo todo o transluz que o clímax de viver emite.
Sou todos os rostos em mim.
Todos os acenos, todo enterro e toda festa.
Todo fremido e toda decepção.
E já não sigo só.
Em mim as vozes ecoam.
E a minha sombra não está abaixo do meu sapato:
Está no espetáculo da vida.
Em 1983 eu já residia em Recife quando o poeta Jaci Bezerra apadrinhou a publicação do meu segundo livro “A intromissão do verbo”, escrevendo o prefácio “O poeta define o seu caminho”: “O município pernambucano de Palmares tem gerado alguns dos nomes mais representativos da literatura brasileira. Exemplos – para ficarmos no ligar comum – são Ascenso Ferreira – altíssimo poeta que, curiosamente, durante cerca de 20 anos o descaso das editoras deixou impublicado -, e Hermilo Borba Filho, romancista que deixou uma obra marcante, além de ter sido um dos mais importantes agentes culturais que Pernambuco já abrigou. Os dois, cada um a seu modo, alcançaram sofridamente o caminho da glória. De Ascenso, sabe-se que teve que vender, ele próprio, o seu disco. Quanto a Hermilo, por ser quem foi – uma criatura incandescente de dignidade – nunca recebeu, em vida, o reconhecimento que sua obra e o seu trabalho mereceram e continuam a merecer. Houve já quem dissesse que a convivência com Hermilo, pelo modo como recebia e orientava os novos, supria a ausência de uma universidade. É possível, pelo que sabemos, Hermilo nunca negou os seus conhecimentos a ninguém. Ele orientava, estimulava, discutia idéias e emitia opiniões. Não importava a idade. Novos ou velhos, todos os que chegavam encontravam uma ampla e larga fraternidade. O poeta Juarez Correya, também de Palmares, pode tirar qualquer dúvida sobre o assunto. Juarez ou qualquer outro escritor que tenha com Hermilo convivido intimamente. Lembrando tudo isso, é que leio o poeta Luiz Alberto Machado. Palmarense que deixou Palmares, novíssimo, ele trouxe para o Recife a sua convicção e a sua fé na poesia. Seu primeiro livro “Para viver o personagem do homem”, publicado em 1982, já expressava um forte compromisso do autor com a poesia. E mais, a sua crença na poesia como instrumento de transformação do homem. Quer dizer, não se tratava de mais um poeta que tinha a poesia como uma prenda a ornamentar uma possível vocação. E, neste livro – A intromissão do verbo -, Luiz Alberto Machado reitera o seu compromisso: “e já não sigo só; em mim as vozes ecoam/ e minha sombra/ não está abaixo do meu sapato/ está no espetáculo da vida”. Já dissemos que Luiz Alberto Machado é um poeta novo. E, como acontece geralmente com os poetas novos, em quase todos os seus poemas ele se preocupa em definir a sua posição diante do mundo. Do mesmo modo, preocupa-se, como de certa forma já foi dito, em ressalta a importância da poesia (...) É evidente que a sensibilidade mais agudamente crítica terá restrições a fazer à poesia deste livro. O que é natural, uma vez que se trata de um poeta que praticamente faz sua estréia. Apesar disso, essa mesma sensibilidade reconhecerá que se encontra diante de um autor que sabe o que é poesia. E sabe fazer poesia. Pessoalmente, não tenho dúvidas quanto a isso. Por ser novo, Luiz Alberto Machado apenas inicia o seu caminho. E tenho certeza que em Palmares, no Recife ou em qualquer lugar, ele saberá abrir espaço para sua vocação. Razão porque principio a aplaudi-lo desde agora, quando “os pássaros estão voltados... estão voltando”.
O livro publico em 1983 pelas Edições Pirata, traz ilustrações do artista plástico palmarense Gilson Braga e nots da poeta Selma Villar.
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