quarta-feira, janeiro 16, 2008

JUAREIZ CORREYA



AMERICANTO AMAR AMÉRICA

América
Mulher de carnes cruas
Pregadas no meu peito
Como colunas de ventos colossais
Meus gritos são alegria de tambores
& montanhas de plástico
são doces campos de açúcar
& rios de sangue cheios de troncos negros
queimados na dança dos teus cabelos
que a noite estupra gargalhando
América
Eu me dou com este corpo de criança
Que a tua febre come e joga
Para os céus dos chacais
Meu corpo virgem nas estradas
Que a tua volúpia rodopia
Além onde estão todas as promessas
Para que o meu gozo encha os mares
E enterre todas as florestas
Com tempestades de espermatozóides
América
Tua alegria me embebeda eu sou teu
Deus poeta incandescido no teu ventre
Teus olhos brilham poemas terríveis
Gaivotas criminosas de Ginsberg
& me enfeitam & me enfeitam
arco-iris de luas gigantescas
empoeiradas nos ruídos das motocicletas
& há tanta doçura na gasolina
matando a sede na minha garganta &
alucinógenos & lírios & violetas & roseiras
& porres de cocaína & rolos de maconha
América América
Tua cabeça vomita jovens famélicas
Ninfomaníacas crianças sensuais
& doces meninas
brigando sexualmente pela minha carne
espalhada em todos os lugares
em todos os bares
em todas as praias
em todos os cinemas
em todos os caminhos que vão & voltam
em todos os espetáculos
em todas as feiras
em todas as casas minha carne ardente
espalhada sobre as estrelas & a gosma
& os satélites & o câncer
& os automóveis luxuosos & a carniça
& os prazeres financiados & a merda
dos estados unidos
América
Eu bebo no teu suor correntes
De petróleo & ouro & loucura
Eu sou um doido & belo êxtase de tua boca
Licores estranhos & luxuriantes escorrem
& umedecem-me a pele coberta de ilhas
dos Andes crispada
teu abraço carregadoesmagadormúltiplo
como avalanches multi modas coloridas
vermelho azul tuas pernas monstruosas
rasgam os panos de nuvens de galáxias
& me esmagam com todos os desejos
com toda a energia dos teus músculos de ferro
com toda a fúria das tuas células famintas
milhões de balas e besouros
guerrilheiros tupamaros estalando nos varais
da república desvairada & pombas brancas
carregadas de dinamites para festas
nas selvas & nos pântanos urbanos
América
Tuas velas correm lavras vulcânica
No meu corpo todo possuído
& pelos meus poros estraçalhados
entram bandos de sóis argentinos explosivos
como noites espanholas
& eu me desespero poeta errante & louco
sambando & cantando loas africanas
nas dunas dos teus seios impetuosos
& voo com os meus pés alados
na planície arenosa de púrpura & sal
para não descansar jamais
América América
Teus gritos metem jovens nos meus ouvidos
De todas as cores & raças mesclados
Irmãos nas ruas largas cantando canções
Me arrastam alegorias
& paises fantásticos de painéis
armadilhas de anúncios luminosos
& cavalos voadores & dragões
& poetas que alimentam-se de bombas atômicas
& ventres duros de fome
& choros de crianças guitarras
& mundos inteiros ansiando a hora
em que o fogo da minha carne
destrua os lobos & abutres & porcos
comedores de cabeças
América América doce América
Meu corpo te pertence flamejante & duro
Nas tuas entranhas me divido
Pasto para as tuas carnes vermelhas
Minhas caricias são mágicos jardins edênicos
& brasílica brisa
incendiada teu ventre se abre chão partido
& me engole assim com a cólera de séculos
pauliceias suicidam-se angustiadas
nos escritórios & nas ruas com as cordas
dos próprios músculos antes do carnaval
& vitimas habituais ferem as suas dores
no mesmo lugar agreste de águas
América América doce América
Arvores & bichos pregados nos meus cabelos
Como poros sexuais multiplicam-se
Eu sou tua alegria teu corpo teu deus
& tu me amas orgasmos de esperanças
luzes tontas na intima Amazônia
como os trovões da minhas voz
& os ardentes sonhos paradisíacos
& teu cansaço febril na minha boca
América América doce América

-*-

ORAÇÃO DE NARCISO

& se lambeu as mãos
se bebeu nos braços
se amassou no tórax
se fundiu no ventre
se partiu carícias
se sorveu sussurro
se escondeu escama
do corpo dentro de si.
& se ergueu do chão
se apartou dos laços,
se estendeu, um touro
se abriu em dentes
se sortiu de notícias
da carne errando urros
do corpo cheio de si.
& se escorreu então
se acendeu mormaço
se apossou no clímax
se partiu demente
se somou lascívias
do amor que ateia chamas
do corpo mesmo por si

-*-

PONTE SOBRE ÁGUAS TURVAS

Se teu sorriso
Não movesse o rio
Contra as correntes do leito
Onde escorre
Eu poderia sim eu poderia
Cair nesta noite
Sem esperança de te encontrar
Minha canção é tão pouca
Minha canção chove
E me faz um homem débil
Tua lembrança joga no meu rosto
Teus braços cheios
De plantas e odores
Teus peitos macios de tremores
E de nuvens encharcadas
Cigarros sapatos cuspo pedaços
De árvores e de pássaros
E tuas palavras algumas, que eu misturo
Com seixos assovios e a melodia
Que você gostava de ouvir na minha boca
Agora também o céu é feio e não tem graça
Tua lembrança me entristece
E me enterra
Nestes espelhos

-*-

PARÁFRASE A MAIACOVSKI

Nos demais
- isto se sabe naturalmente
e mesmo com certa vulgaridade –
o sexo está plantado
(entre as pernas)
num altar sob o ventre,
em mim
a anatomia bemlouqueceu:
sou todo sexo

-*-

CANÇÃO DE QUEM SE FAZ AMANTE

De que me serve este amor
Como uma chaga aberto?
Na cidade de criaturas vazias
Perdi a noção de mim
Enegreci o cheiro do meu calor
Enterrei o meu sexo
Num buraco de excrementos sem raízes.
De que me serve tudo isto
& a beleza que eu carrego
& as minhas palavras sinceras
& a luxuria dos meus gestos expostos?
Caminho apenas
Para evitar esses desencontros que se forjam
A minha espera em cada esquina
& se metem casa a dentro pregados
na minha roupa & pulando rutilantes na máquina.

JUAREIZ CORREYA é poeta, escritor, editor e gestor cultural pernambucano, criador e ex-presidente da Fundação Casa da Cultura Hermilo Borba Filho. Diretor editorial da Panamérica Nordestal Editora, do Recife (PE). Publicou, entre outros livros: POETAS DOS PALMARES, organização(1973/1987/2002); AMERICANTO AMAR AMÉRICA (1975/1982/1993); POESIA VIVA DO RECIFE, organização (1996); CORAÇÃO PORTÁTIL (1984/1989); POESIA DO MESMO SANGUE,em parceria com José Terra (2007); ARRAES NA BOCA DO POVO - Cordéis & Repentes -,organização (2007). Os poemas aqui transcritos são do livro “Americanto amar América”. Recife: Nordestal, 1982.

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