sexta-feira, outubro 29, 2010

LILLY PAES BARRETO: OS BÍPEDES TAMBÉM DEIXAM RASTROS



LILLY PAES BARRETO: OS BÍPEDES TAMBÉM DEIXAM RASTROS – A jornalista, professora e palestrante Lilly Paes Barreto, acaba lançar o seu segundo livro de crônicas “Os bípedes também deixam rastros”. A obra narra situações vivenciadas por executivos, profissionais liberais e pessoas comuns. O objetivo da obra é demonstrar, numa linguagem simples, frequentemente crítica, que as pessoas podem trabalhar e viver melhor quando a sua atitude é pautada pelo interesse real de se aperfeiçoar. A autora foi premiada, já publicou seus trabalhos em jornais e revistas, escreveu mais de 50 crônicas para o terceiro livro “Observei o Mundo e Saí de Fininho”, assim como “Historinhas para Crianças e Adultos Sensíveis”, ambos para serem ainda editados. Ela foi correspondente de jornal americano, publicou também um trabalho, no Japão, sobre conversação, em língua estrangeira, no ambiente de sala de aula e o livro “Como Se Livrar de Um Executivo Incômodo”. Veja mais Lilly Paes Barreto.



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quarta-feira, outubro 27, 2010

POETAS DO MARANHÃO: NAURO MACHADO



NAURO MACHADO

PROVÍNCIA UTERINA

É inútil, mãe, a sopa para este verbo
À noite entrando pela boca morta
De antigamente. É inútil, mãe, a sopa
Alimentada por meus dois olhos
No prato mortuário do crepúsculo.
Já a mesa está vazia dos pés. Sem beijos.
A noite enfim desceu, ó mãe, e ainda desce.
Até encontrar o ventre do universo
Servido outro em vivo sangue à ceia.

ARITMÉTICA PRIMÁRIA

Que m,e levem deste mundo,
Aonde há terra depois.
Embarcadiço do mundo,
Se transponho o um, ganho dois.

Sei que a eternidade é assim
Para a sucessão do três.
Feita do nada de mim
E do todo de vocês.

TEMPO DE SERVIÇO

Durante a noite o emprego, a aposentadoria,
O possessivo lucro e as tábuas na cerviz,
A sepultarem todos o descanso ao sol,
Impediram do humano o homem e o seu sonho.

Ao sair entretanto à miséria das ruas,
Entre matérias gastas e altares sem cruzes,
O homem encontrou a tábua insubmissa
Do sentimento. E teve ódio da escravidão.

AS CREDENCIAIS PARA O INFERNO

Não se cumprimentaram com prazer
Ou desprazer sequer: só e simplesmente
Ficaram hirtas como esses carvões
Na escuridão fechados, enquanto o ouro
Da profundeza explode no amarelo
Maior que o sol na lepra dos vocábulos.
Silenciaram por certo até na boca
Da carne em resto de útero nenhum
Saudando a morte publica e geral.
Não construíram pedras para as jóias
E nem gavetas toscas para as cartas
Que acaso escritas fossem mais humanas.
Ensaboaram-se no alto como um príncipe
Ou a um rei imune às metáforas da plebe
Surdas-mudas são até o final dos tempos.

DIARRÉIA DOMINICAL NO BOLO DA PROVINCIA

O pão que dar devera a minha mãe
Na casa agora morta estéril trigo.

A refeição que em dor devera à mãe
Chamada agora mãe do eterno olvido.

Enquanto passo e vou comendo pães
Em casa alheia ao trigo de outros risos

É pão cozido e feito só lembrança:
É joio imundo agora ao próprio cristo.

ROCHEDO HERACLITIANO

É tua esta praia, embora nela não mãos banhes
Em coisa de matéria ou pedra inconsciente.
Se lhe banhaste às ondas o corpo um dia, cães
De realidade hoje ladram na corrente
Levando, estéril mar, carnes velhas de anciães.
(Postas no matadouro. Restos tão-somente)
Se é tua casa esta praia, fá-la voltar às manhãs
Onde banhar-te novo, outra vez, na tua mente.

UM JAPONÊS NO PALANQUE

- Pode-se fazer uma revolução com tal povo?
- Pode-se, com tal pov, fazer uma mais nova pátria?
Ó aurora em bugigangas de bois e fitas coloridas
Enquanto se desfaz a noite entre hóstias e matracas.

O POETA DOS AFOGADOS E DOS PRAZERES

A grande miséria é quando ele enfim se afasta
Para ser esquecido, vilmente esquecido
Como um desajustado ou inútil bibelô.

E ser, sem feira de amostras, o urso polar
Ou esse elefante público para a alegria
Da indiferença adulta, onde ele seja o Bobo.

PROCISSÃO DE SÃO BENEDITO

O povo é sábio na fome de estradas...
Inculto é o rico a ouvir-se aqui dizer.
- prostituiram a rua, abriram-na a todos.
No povo andando abaixo – rumo a Deus.

NO VELÓRIO DE UMA CIDADE

Tua mãe morreu
E não verá teus netos
Presencia esse sonho
A cada anoitecer.

MATÉRIA DE JORNAL

Drummond falou dos seus mortos reunidos.
Eu falo dos meus mortos insepultos.
Dos que amanhecem são, mal rompe o dia
Bailando sobre as valsas pelo outrora.

Eu canto o azul nos galhos dos meus pássaros.
(Plantei uma árvore muito além dos frutos)
Meus mortos é que estão nascendo: os vivos
Apodrecem reais e como póstumos.

CAIXA DE PANDORA

São Luis instala-se em mim
Como o poema lacrando
O cadáver do poeta.

(Já é tempo. Todo silêncio
Envolve-me vegetal)

CÂMARA MORTUÁRIA

São Luís

Cidade de pedra
Cidade de pernas
Cidade de fezes
Cidade de infernos

E agora com o teu sexo
Dentro da minha voz.

NO LEPROSÁRIO DO BONFIM

Por quanto tempo agüento ainda esta vida?
O leprosário é mar na tumba abrindo
A solidão do ventre, um telefone
Sequer falando: o pássaro ao crepúsculo
- no abandonar-te – segue para a noite.

DESCENDO DO BONDE

Onde moras, ó meu pai?
Qual o nome do teu lar?
- Moro aqui, mas por enquanto
E me chamo Outro, entretanto.

RÉVEILLON

No ano-novo, humano sino, um par copula
Na Praça Benedito Leite, ao rés do chão.
É madrugada ainda: e copula esse par
Como desde o primeiro dia se faz no mundo.

PRESÉPIO PUBLICO

Filho a nascer
Com sofrimento
Também és ser
No irmão jumento?

Também, cavalo,
Te fez um zurro?
Ou, chão de um galo
Nascido és burro?

Crio-te assim,
A qualquer custo
Menino em mim
Bezerro augusto.

SUBINDO A RUA DOS AFOGADOS

Atirei-me em busca do fim
Andando adiante de mim.

(Caminhando em desafio,
Como um mar negando o rio)

Alguém nos juntou depois
Já éramos um e não mais dois.

LENÇON DE PROSTITUTA

Um cão se queixa, frio, dos invasores
A terra do ânus, o céu nas varizes.
Assim a morte de homem ou animal
De repente. Depois... o esquecimento.

CAPA E ESPADA

Metade de Demônio e parte em Deus.
Metade em ti, além, de alma e de matéria.
O resultado é estar cheio de outros eus.
As partes somam tua igual miséria.

CHÃO CONJUGAL

Quanto sofreu
Neste refugo
Vocabular
Da minha vida
O meu nome?

( - Uma pedra apenas).



NAURO MACHADO – O premiado poeta maranhense Nauro Diniz Machado possuí várias de sua obras traduzidas para o ingles, frances e alemão. Entre as suas obras estão Nau de Urano – Antologia de Sonetos. Ed. Siciliano 2002; Melhores Poemas – Seleção de Hildeberto Barbosa Filho. Editora Global, 2005; Pão maligno com miolo de rosas. Edição do autor, 2004; A rocha e a rosca. Edição do autor, 2003.

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segunda-feira, outubro 25, 2010

POETAS DO MARANHÃO: LUCIA SANTOS



LUCIA SANTOS

PRECAUÇÃO

Aviso aos navegantes:
Acenda
A coisa
Mas não
Me fume
t
r
a
g
u
e
mas não me leve
t
r
a
g
a
coisas de seiva sapos de
brejo vestidos de seda pura
mas não me cante
conte
estórias da carochinha acordes
de violinos manhãs acordadas de vicio
antes
de velejar
sobre as águas do Tejo
acendo lenhas no
p
r
e
c
i
p
i
c
i
o

AVE (NÃO – EVA)

E o que sou de poeta
Hoje me basta
Pra emergir do barro
Que tramou Deus

Já não tremo ao seduzir serpentes.

CILADA

Me esgueiro em teu pelo
Lagartixa tonta
Dentro em pouco ave

Te enlaço num beijo
Centopéia louca
Deixando mil rastros

Estrago teu tédio
Profano teu claustro
Descalça, de leve

Fuxico em teu peito
Uma palavra surda
Imitando chave.

URGENTE

Se o dia é agora
Quero o sol em minhas mãos
Antes que anoiteça

DOMESTICA

Coleciono selos
Cultivo pássaros em meu viveiro
Mas os meus zelos
Guardo-os todos
Para um homem de estimação.

UMA E OUTRA

Entre antiquada e moderna
Entre agressiva e terna
Entre nublada e acesa
Entre hippie e burguesa
Fico com a minha certeza
De não saber o que sou.

MÃOS AO ALTO!

Chega de esconde-esconde
Brincadeira de gato e rato
Chapeuzinho e lobo mau

Descortinemos o palco
E o público de pé
Aplaudirá nosso ato
- O amor caiu de quatro!

EQUAÇÃO

Num abraço
O amor nos ata
Arrebata
Embaraça

Num lance
Somos nós
Nó de um mesmo laço

DESPLANTE

Eu sou de veneta
Eu sou de repente
Eu sou por ocaso
Eu sol poente
Você de manhã
Você semente
Você somente
Nascente em mim.

LINGUAGEM

De dia
A lição das palavras
Ocas
De noite
A lição das bocas
Que só falam
Línguas

VINHO TINTO

Quando a solidão sangra
Ou o amor deleita
Um poema pinta
Escorre das veias
O vinho
A tinta
Jorra das tetas
O leite
As letras
Que às vezes, uivam
Às vezes, uva.

MERGULHO

Meu amor é imenso
E fundo
E belo
Feito esse mar teimoso que se arrebenta
Nas pedras
E não há ponte que o atravesse.

GRÃO

Se eu tentar me afogar
Salve-me
Se puder

O mar é tão grande
Que eu às vezes me perco de vista.

GUERRA SANTA

Sob o ventre
Entre pernas
- sagrados portais
Uma breve guerra ameaça
O inferno de paz

CENAS DO ÚLTIMO CAPÍTULO

Tem problema não
Pro coração não existe cancela
Lembra o bandido da vida real?
Virou mocinho na minha novela.

INCENSO

De longe
Teu brilho é intenso
De perto
Nem sei
Nem penso.



LUCIA SANTOS – A poeta e atriz maranhense Lúcia Santos é autora dos livros Quase azul quanto blue (2006), Batom Vermelho (1998) e Uma gueixa de Bashô (2006). Ela cursou teatro e ao lado de atores, músicos e poetas, roteirizou e apresentou vários recitais performáticos, como: Batom Vermelho, Cordel Technicolor, Eros&Escrachos, Dentro da Palavra, Cochichos de Bruxas, Ménage à Trois, Papas na Língua, Nu Frontal com Tarja e Companhia Ausente. Como letrista, tem parcerias com Dudu Caribé, Kléber Albuquerque, Cássio Gava, Kana do Brasil, Nosly, Rubens Kurin e Zeca Baleiro, entre outros. Participou das coletâneas, como Mulheres Emergentes (BH), Circuito de Poesia Maranhense, Afluências (RS) e Ekos (RS). Lúcia tem inéditos crônicas e histórias infantis, além de dois outros livros de poemas. Ela participa do Clube Caiubi de Compositores e tem uma entrevista dela pra 1ª Antologia Poética Momento Litero Cultural, editada pelo poetamigo Selmo Vasconcelos.

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domingo, outubro 24, 2010

POETAS DE ALAGOAS: JURANDIR MAMEDE



JURANDIR MAMEDE

SOCORRO OPERÁRIA

Socorro operária mulher de cimento.
Todo dia desce o morro com o sol,
Socorro caminho estreito.
Carrega construções na cabeça
E outro mundo no ventre.
Socorro fuma de produção,
Certeza dos marginais,
Socorro poluição.
País no chão, Socorro,
Vai ao céu com o sol descalço.

ÂNCORA DO TEDIO

Partem naus
Do porto do tédio,
Náufragos da cidade.
Ancora, marinheiro,
Toda tristeza em todo cais,
Regressa a pique
Com a despedida do sol e da lua.
O mundo fica por viajar do outro lado das águas.

ASAS

Pássaro incolor
Nas transparências
Do mundo solitário
Voou. Pássaro na gaiola
Não cantou, suplicou.
Pássaro fechou a visão,
Mas a porta do mar
Ficou aberta.

ALMA A ALMA

Moro nas nuvens,
A saudade é fiel.
Desço pelas chuvas
Ou em raios de sol,
Mas eu volto.
Contra a infidelidade inseticida
Atravesso a brisa, a ventaria e o mar,
Entro na alma-irmã e passeio na canção,
Saio na voz e vou sorrir,
Vou cantar.

-*-

A mulher
Com o dedo
Tem o homem.
O homem
Com a mão
Tem a mulher.
Feitiços de solidão.

-*-

Uma rosa quando amputada
Na roseira deixa um vácuo,
Dando existência à sua existência.
A rosa não tocada, não fenece.

-*-

Eu não gostaria de viver só porque nasci
E morrer só porque vivi.

-*-

A cabeça
Que o meu corpo
Sustenta é a mesma
Que suporta o mundo.

-*-

CONTAGEM ZERO

Resto de século
Conta segundos
Como um coração
Mente uma vida.

OVNI

Uma música
Do fundo das galáxias
Tá chegando.
Talvez
Nos ensine para que serve
A paz e a guerra.

PESTE NUCLEAR

Os mortos falaram aos vivos
Os vivos tresmalharam olhando a chuva
A chuva lavou as cidades
As cidades viraram cemitérios
Os cemitérios cercaram o mundo
O mundo mirou o vazio
O vazio dissecou o vácuo
O vácuo preencheu o universo
O universo falou aos mortos
E os vivos nada disseram.

CHUVA NUCLEAR

E quando chover chamas
Quem protegerá as crianças
Do caos espontâneo
Dando ordens as vértebras humanas?

GUERRA ANÔNIMA

Os encantos nos encontros de nuvens
Embelezam as chuvas.
Há alguma coisa no espaço metafísico.
Talvez a arvore
A energia solar
Mas ainda faltam fios de raios até o oceano.
Há alguma coisa no espanto metafísico
Chuvas de relâmpagos sobre as arvores
Chuvas de trovão sobre o mar
Mas ainda falta qualquer coisa no espaço
Metafísico
Para que as nuvens não separem
Nesse dia sem aparência de existência.

GUERRAS ASSASSINAS

A primeira, um lago de sangue afoga oceanos.
A segunda, chuvas de lágrimas no velório da humanidade.
A terceira, nem lago. Nem chuvas, nem guerras, nem nada.
Morre a vida e a morte.



JURANDIR MAMEDE – O poeta Jurandir Mamede nasceu em São Paulo e se transferiu aos 4 anos de idade para Maceió. Possui formação em Letras e já publicou os livros de poesias O ocaso não é por acaso (1986), O inverno do sol (1992), Cosmo das águas (1995), Velocidade escura (2002) e Lente Caótica (2002).

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sábado, outubro 23, 2010

POETAS DO MARANHÃO: NASCIMENTO MORAIS FILHO



NASCIMENTO MORAIS FILHO (1922-2009)

EVOCAÇÃO

Poetas, meus irmãos, acompanhai meu grito!
- Eu sou o sofrimento dos sem nome!
- Eu sou a voz dos oprimidos!
Não tanjo a lira mágica de Orfeu
De quem as aves se acercavam para ouvi-lo
E lhe vinham lamber os pés as próprias feras!
As láureas, meus irmãos, olímpicas não busco
Com que cingis de gloria os vossos sonhos!
- Cravaram-me a coroa dos crucificados!
Minha Castália – são as lágrimas do povo;
Meu Parnaso – a dor da minha gente!

Meu instrumento é poliforme e rude!
Não tem o aristocrático perfil das harpas nobres
Nem as rutilações de sons das pedras raras.
- Ele é clamor!
Ruge nos seus trons
O estrugir do povo em praça pública!

Poetas, meus irmãos, acompanhai meu grito!
Maldigo a resignação infame dos covardes!
- Eu prego a rebeldia estóica dos heróis:
- Meu evangelho é a liberdade!
A liberdade, meus irmãos,
Tem a forma simbólica da cruz
E a cor do sangue.
- O sangue é o apanágio da conquista!

Poetas, meus irmãos, acompanhai meu grito!
Jesus,
Se conquistou os céus com suas orações,
Ele, o Redentor,
Sobre a terra triunfou com o sangue do seu corpo!

Sangue, flâmula bendita,
E no Calvário – fé – aberta em cruz!

Poetas, meus irmãos, acompanhai meu grito!


EGO SUM QUI SUM

Corre sangue de heróis nas minhas veias;
Descendo da nobreza dos gigantes;
As flamas das batalhas conservei-as,
Forjadas na bigorna dos atlantes!

Atenas – meu brasão!... e das cadeias
Olímpicas dos sonhos deslumbrantes,
As vertigens azuis arrebatei-as
Aureolando-as com os raios dos levantes!

Legionário da glória, dos umbrais
Da luz dardejarei coruscantes astas
Contra o furor dos vis iconoclastas!...

A ressoar as trompas aurorais
Formarei novos mundos dos escombros
- Carregarei os séculos nos ombros!...

APOCALIPSE SOCIAL

Ó vós que adorais o Bezerro de Ouro,
Olhai para o levante!
Vede a coluna incandescente
Que fumega no horizonte!
- É o sinal dos novos tempos!
- É aquela mesma coluna de fogo
Que desceu dos céus,
Para guiar a humanidade para a
Terra da promissão!
- São os legionários da liberdade,
Que marcham abalando o infinito,
Qual terremoto de luz,
Craterando as regiões das alvoradas!

Tremei, ó potentados!
Tremei!
- É a sentença dos séculos!
Pesa pontiaguda sobre vossa cabeça,
Como aquela espada sinistra do banquete!...
Mas breve o fio se partirá, ó potentados!....

O juízo final vos espera...
Contados, vossos dias!
Pesados, vossos crimes!
Divididos, vossos tesouros pelos clamores,
Que rondam os muros de vossos
Palácios e mansões!
Não ouvis as vociferações
Dos cartazes nas paredes?
Não ledes as sentenças ameaçadoras
Escritas por mãos misteriosas,
Nos muros e nas calçadas?
- É a voz do povo
Clamando no muro das lamentações!
- É a voz de Deus,
Escrita com piche à vossa porta!
- Quem ouvidos tiver que ouça!
- Quem olhos tiver que veja!
Ó rubro tonitroar de trombetas
- explosões dos Andes aureolados de flamas!
Clamarei, ó potentados: “o pesadelo dos céus”!
- A liberdade destruindo as muralhas dos
Presídios!
Presídios,
Quem tem como cúpula
A toga dos magistrados consteladas de lágrimas!
Lágrimas,
Que tremem como bocas balbuciantes
E acenam para a justiça
Que vós, ó potentados, cegastes.

Os arranha-céus
- operários petrificados em revolta
Desmoronando em cadeia!
E dos escombros
Falanges de fantasmas sinistros
Com os punhos fechados para o alto
Avançando sobre vós!
Os verdes campos, ridentes de alegria verde,
Há séculos,
Transformados em campos de tortura da esperança,
Despertando da letargia do sofrimento!...
E das outrora dadivosas covas das seares,
Cardos espectrais brotando agora!

Ai de vós, industriais da miséria e da injustiça!
Ai de vós
Que desperdiçais em vossa lauta mesa
A comida que roubais da boca dos meus irmãos!
Ai de vós
Que transformais em sons de long-play
Os soluços e os ais de meus irmãos!
Ó vós
Que os céus enegreceis de tantos crimes,
Levantai-vos de vossa prostração!
- É outra vossa crença! É outro vosso culto!
- As vossas oblações ofendem a Deus,
Ó vós
Que celebrais a missa negra da miséria
E da injustiça!

Escutai, ó meus irmãos,
Os trons estranhos de trombetas estranhas!
- Eclosões de auroras!
Não mais
Os apitos enfumaçados das chaminés
Açoitando a besta-humana para o trabalho-forçado!
- ´W a marcha universal dos novos tempos!

Erguei-vos, e vivei, ó meus irmãos!
- A luz, o ar, a terra é para todos!...
Vinde comigo!
Eu vim da idade que virá,
Para revelar-vos os dias que virão!
Não mais, meus irmãs, fundireis nas oficinas
A chave de vossa cadeia!
Não mais tecereis nos teares
O sudário moral dos vossos dias!
Livres,
Trareis os vossos pulsos
Das algemas da escravidão
E vosso rosto das rugas do ferro do senhor!
- Não mais a vida de escravo,
Não mais senhor o patrão!
O suor não é mortalha
Nem o labor opressão!

Ao som do canto agreste dos campônios,
Ó campos reflori! Ó campos reflori!
Cantai na vos dos pássaros, cantai!
Cantai na branca voz das cataratas, cantai!
Na luz transfigurada das searas
Ó campo exultai! Ó campo exultai!
De novo cavalgai, homens do campo,
Vosso corcel olímpico de auroras!
... Um riso faltava na sociedade...
Uma lágrima... e uma idéia....
Inda uma cor faltava na paisagem
E uma nota na harmonia universal!
- Rides?
Vossa alegria será por todos comemorada!
- Chorais?
Vossa dor será por todos compartilhada!
- Pensais?
Vossos pensamentos não precisarão esconder-se
Nos subterrâneos da noite!
- A liberdade é a pátria universal!
Vossa consciência é vossa.
Consciência,
Que não precisareis vender por um prato de
Comida,
Nos dias de eleição!...
Vossa mulher agora terá leite,
Para amamentar vossos filhos,
E, nos seus fecundos seios, criará os novos homens!
Homens,
Que, ao contemplar o firmamento azul,
Se lembrarão das suas origens...
E, então, no êxtase de deuses redivivos,
Exclamarão:
- Eu vim também do infinito! Nasci naquela estrela!

JOSÉ NASCIMENTO MORAIS FILHO – O poeta, professor, jornalista e folclorista maranhense, José Nascimento Morais Filho (1922-2009), foi um dos participantes do Modernismo no seu estado e ocupante da cadeira 37 da Academia Maranhense de Letras. Fundador do Comitê de Defesa da Ilha de São Luiz e militante ambiental, é autor dos livros Clamor da hora (1956), Azulejos (1963), Esfinge Azul (1972), Pé-de-conversa (1957), Um punhado de Rima (1959) e Clamor do Presente (1992).

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