sábado, setembro 11, 2010

POETAS DE ALAGOAS: FÁBIO DOS SANTOS



POEMAS DE FÁBIO DOS SANTOS

I.

Quando vim ao mundo
Um corvo esguio piou num frágil galho de oliveira.
Ou era um triste cipreste?
Não chorei porque não tinha do que se queixar,
Eu não era como os outros bebês.
Recém-nascido já vim com a lascívia na saliva
E com apenas seis meses já falava latim.
Ou eram latidos?
Língua nenhuma me perturbava,
Pois, eu não tinha pressa.
De vez em quando soltava uns grunhidos abrasivos
Mas só quando eu sentia raiva.
Aos doze meses, uma grande confusão: as primeiras peraltices e maldades.
Odiava mingau! No entanto, entupiam-me o estômago.
Como paga, eu cagava na cara dos curiosos.
Resmungares daqui, resmungares dali...
Esse menino tem raça com o capeta! Parece que saiu da nata de Macunaíma!
Como o mundo era mal e chato! Como as pessoas eram tão idiotas!
E calado, produzindo meus primeiros fingimentos poéticos,
Balbuciava versos, embora que monossilábicos e babados.

II.

Poderia ser uma página em branco
Se eu não descobrisse em tempo
Que a Majestade não escolhe berço.
Refiro-me à Musa que nos embala com sua doçura e saber
E eterniza-nos depois de crucificar-nos.
A mesma Musa que envolveu em seu manto de ouro os Grandes Homens.

III.

Quando completei dois anos, levei o meu primeiro tombo.
Foi a partir daí que percebi o árduo caminho
Pela frente, as aporrinhações de adultos imaturos,
As orquídeas de choro fácil e indomáveis.
As seqüelas foram muitas como as negras penas daquela ave.
Os ambientes pelos quais passei, achei-os infelizes
E se pareciam com as apelativas paisagens de Van Gogh.

IV.

Aos nove tive a minha primeira namorada:
Uma coroa gorda e feia que tinha uma cara de jaca mole.
Os pesadelos afloraram como germes
Disfarçados em ogras e bruxas, paixão e rancor,
Porque as flores, antes de mim, já haviam sumido
Sem que o mundo pudesse ser inventado.
Nenhuma Ceci nem Iracema pairou em minha vida;
Às vezes, algumas Ritas Baianas, em que eu era obrigado a vencê-las à marra.
Amor mesmo, serei brevemente sincero, nenhum.
Talvez eu queime a boca e quem sabe mais para a frente
Eu volte aqui e rasgue esta página.

V.

Aos onze, veio a escuridão e envenenou mamãe.
Eu a fixava de olhos secos ali deitada ainda sorrindo o último beijo.
Os beiços carnudos, agora mudos.
Em que mundo ela estaria agora?
Então, morrer não dói?

VI.

Aos treze fui reprovado no ginásio.
Eu pensava que estudo era vida de porco,
Só para quem tinha talento para ser porco,
Ter focinho de porco, patas de porco...
E não sabia que, ao assobiar Chopin, eu estava sendo um porco,
Lendo Dostoievski, dublando Jorge de Lima, vivendo uma vida de Fabiano.
Por que será que eu era assim?
Dizem por aí que treze é uma idade perigosa...

VII.

Aos quinze fui agraciado na Escola Edson dos Santos Bernardes.
Contemplado pelas corujas e pelas garças da educação.
Que mudança! Eu era normal, ou aparentava ser...
A vergonha que eu tinha era a de ter sido filho da lagoa Mundaú,
Descobrindo que eu poderia me tornar um fruto ingrato.
Vergonha sincera de ter sido extraído pelo destino de uma favela,
De ter convivido com pessoas sujas e bichos duros.
“A pobreza não é um pecado, é a verdade”, já disse Dostoievski.
Porém, os moleques do meu tempo não sabiam disso
E, por isso, evitavam-me.
Até os bichos merecem a dignidade.

VIII.

No entanto, o tempo me ensinou que a amizade só é possível
Quando não há miséria como obstáculo.
E enquanto miseráveis, alcançamos maravilhas
Sonhadamente.

IX.

Após a última ida de mamãe,
Vivi longos treze meses enjaulado num mundo saturado de corruptos
E corruptores, no internato.
Tive decepções terríveis e sonhos arrancados,
Uma vida de cão, um Oliver torto...
Não tinha nada de gauche nem de Romão...
Estava para lá de Robin Hood
Curtindo os Besouros.



X.

Aos dezenove servi ao exército.
Tempo curto de orgulho imenso.
Esse tempo passou como o Halley
E eu nem pude senti-lo, intensamente.

XI.

Não sou astrólogo nem astrônomo.
Nem cozinheiro nem cantor.
Nem violonista nem aprendiz de feiticeiro
Nem professor.
Sou um hominomorfo fero
Uma abelha aposentada
Incapaz de sentir o néctar das flores.
Estaria assim, eu não sendo nada?
Enquanto vejo tanta coisa sendo,
Tanta gente passando como nuvem
Levando uma vida sem signo.

XII.

Capítulo para um livro de influências ideológicas:
Os caminhos por onde trilhei, as pedras que testemunhei,
As dores que colhi, o trabalho perseguido durante toda a vida,
As grandes obras que li e vivi, as esperanças que investi...
Os tropeços literários, só traduzíveis pelo sentimento...
A revolta que tive, a rebeldia que acreditei, a carga que carreguei...
Tudo isso viera de uma única fonte: dos livros.
De Gullar, Graciliano Ramos, Zola;
De Chopin, Corelli, Mozart;
De Monet, Van Gogh, Renoir;
De Pascal, Dostoievski, Baudelaire;
De Borges, Balzac, Mallarmé;
De Drummond, Saramago, Chekhov;
De Humsun, Sartre, Mayakovsky;
De Huxley, Lispector, Rosa, Nabokov;
De Heidegger, Aristóteles, Orwell;
De Poe, Wilde, Hesse, Nietzsche...
Eis o pilar de uma formação profícua;
Se não me foi permitido compreendê-los, tive-os junto a mim.

XIII.

Viver bem é um segredo,
Não é um resultado de uma obrigatória e dolorida aquisição de conhecimentos.
Para que um beija-flor viva toda sua plenitude
Duas coisas bastam: o céu e as flores.
Para que as rosas perfumem o mundo
É preciso que haja mãos acalentadoras.
Para que o mar se imponha com todo o seu poder: a imensidão assustadora.
Por que se preocupar em aprender uma única cosa?
Custe-me o estômago e os olhos
Mas é preciso que se apreenda a alma de todas as coisas.

XIV.

Huckleberry Finn povoou minha infância;
Graças a ele descobri à vida as mais felizes aventuras:
Como superar a sequidão da miséria;
Como entender os adultos;
Como apreciar a natureza primitiva.
Mas a infância é uma época verde, passageira,
Morre no instante em que descobrimos um pouco de Paulo Honório
Dentro da gente.
Quando adolescente, quis ser um gênio, perseguir sem descanso
Os rastos do Dr. Jekyll e me foi revelado um grande mistério:
A vida é uma espécie de concerto regida por um Grande Maestro,
As batidas cardíacas ditam o ritmo e os impulsos nevróticos, o caminho.
Eu, um simples coadjuvante dessa orquestra, ou espécie de Frankenstein reinventado
Sob as garras do poderoso Mr. Hyde.

XV.

Tenho cultivado mais livros do que pessoas.
Às solidões que vivi, tive apenas uma única testemunha: as bibliotecas.
Nada de saliva humana expelida pelas multidões.
A multidão é muda e nada diz a respeito.
Expectante sempre aguardei o ritmo natural das coisas.
Quando olhava para os meus, a tristeza com sua sequiosa influência
Me cuspia à cara.
Minha família foi-me sempre um esturro irritante
Que eu tinha de superá-la e não entregar-se jamais à derrota.
Uma mãe morta sem o por quê; uma avó sem língua e sem pernas
E sem nome e sem porquê;
E uma irmã perdida pelo mundo.
Minha vida foi isso: um riso melancólico entre uma capa e outra
De um livro.



XVI.

Aqui penso no Amor.
O que é Amor? qual o seu nome?
Que território habita?
Talvez eu esteja na minha fase punk:
Olho a tudo e a todos, secamente;
Como se esse tudo estive para sempre podre
E que eu vivesse sobre carniças. Vomito gritos de rancor,
Endurece-me o coração contra a Fome, a Guerra, o Fanatismo, a Corrupção...
Contudo, o mundo com o seu jeito de menino enjoado ainda tem o sabor de primavera.
Prometeram-me aos quatro ventos
Mas ninguém me escuta, como se todos os ouvidos virassem zumbi.
Escutam e obedecem...
Escutam e obedecem...
Não é assim que gira a Terra?

XVII.

Um pouco de realidade, de mundo-cão, de que a vida vai melhorar,
De que vale a pena sonhar, de que um dia a inflação irá despencar,
De que os juros irão desabar, de que o salário mínimo alçará vôo...
Vozes que ouço por todos os lados; vozes ocas e absurdas, diplomacia
Televisiva. Sou povo e mereço seguir por cima, preciso provar, jogar-me
Contra a insensibilidade das paredes, perseguir uma verdade qualquer
Esturricada, desavessada, sem estoicismo algum.
Sei que as paredes são burras, mas desistir jamais.

XVIII.

Para entendermos o outro, a simplicidade basta.
O tigre de bengala não exibe sua beleza selvagem
Porque já nascera sob esse privilégio.
Assim o é o pinheiro.
Assim o é o universo.
Viver e ser útil sem querer complicar.
Deixemos esse papel ao encargo dos dédalos
E dos labirintos
Para que os minotauros da vida os entendam.

XIX.

Aos vinte e oito anos, lancei meu primeiro livro:
Tinha um aspecto artesão e rudimentar.
Um livro simples como um galho de árvore.
Para mim, a maior obra do mundo, e tenho mais onze tarefas para cumprir,
Como os doze trabalhos de Hércules.
Grande porque simples
Como uma figueira tombada;
Como um vestido que chora esquecido na lavanderia;
Como um imponente coqueiro à beira-mar que sorrir sem sentido,
Simplesmente porque é o coqueiro mais feliz do mundo;
Como um dançarino do Guerreiro lá de Alagoas que, de tanto sapatear,
Já não consegue manter-se de pé;
Como uma rádio que ninguém sintoniza;
Como uma pulga que não se estremece com o xampu,
Porque ninguém se importa com as pequenas coisas;
Como uma cadeia que não se surpreende com a fuga...
Enfim, um livro de palavras rústicas e de falas cruas; de metáforas puras
E sem hipocrisia.
Um livro escrito por mim, que sou ninguém, porque não posso ser visto
Tão facilmente.

XX.

Dizem que a solidão é um mal.
Enganam-se as bocas que expelem esta inverdade.
Pois, é através da solidão que conversamos com Deus;
Que libertamos o coração e a veia poética;
Que podemos chorar sem sermos percebidos;
Que podemos furtar os desejos mais recônditos;
Que podemos estrangular o mais inócuo rancor;
Que podemos rezar sem vergonha;
Que podemos pedir sem temor...
Neste momento, choram-me os joelhos de felicidade.
Como a felicidade é tão estranha.



FÁBIO DOS SANTOS – O poeta, músico e compositor alagoano, Fabio dos Santos, já foi contemplado com 6 prêmios da Academia Alagoana de Letras e é autor do livro Bichos Urbanos. Está na comunidade Escritores Alagoanos e edita o blog Meus Filhos Adoráveis.

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