quarta-feira, outubro 27, 2010
POETAS DO MARANHÃO: NAURO MACHADO
NAURO MACHADO
PROVÍNCIA UTERINA
É inútil, mãe, a sopa para este verbo
À noite entrando pela boca morta
De antigamente. É inútil, mãe, a sopa
Alimentada por meus dois olhos
No prato mortuário do crepúsculo.
Já a mesa está vazia dos pés. Sem beijos.
A noite enfim desceu, ó mãe, e ainda desce.
Até encontrar o ventre do universo
Servido outro em vivo sangue à ceia.
ARITMÉTICA PRIMÁRIA
Que m,e levem deste mundo,
Aonde há terra depois.
Embarcadiço do mundo,
Se transponho o um, ganho dois.
Sei que a eternidade é assim
Para a sucessão do três.
Feita do nada de mim
E do todo de vocês.
TEMPO DE SERVIÇO
Durante a noite o emprego, a aposentadoria,
O possessivo lucro e as tábuas na cerviz,
A sepultarem todos o descanso ao sol,
Impediram do humano o homem e o seu sonho.
Ao sair entretanto à miséria das ruas,
Entre matérias gastas e altares sem cruzes,
O homem encontrou a tábua insubmissa
Do sentimento. E teve ódio da escravidão.
AS CREDENCIAIS PARA O INFERNO
Não se cumprimentaram com prazer
Ou desprazer sequer: só e simplesmente
Ficaram hirtas como esses carvões
Na escuridão fechados, enquanto o ouro
Da profundeza explode no amarelo
Maior que o sol na lepra dos vocábulos.
Silenciaram por certo até na boca
Da carne em resto de útero nenhum
Saudando a morte publica e geral.
Não construíram pedras para as jóias
E nem gavetas toscas para as cartas
Que acaso escritas fossem mais humanas.
Ensaboaram-se no alto como um príncipe
Ou a um rei imune às metáforas da plebe
Surdas-mudas são até o final dos tempos.
DIARRÉIA DOMINICAL NO BOLO DA PROVINCIA
O pão que dar devera a minha mãe
Na casa agora morta estéril trigo.
A refeição que em dor devera à mãe
Chamada agora mãe do eterno olvido.
Enquanto passo e vou comendo pães
Em casa alheia ao trigo de outros risos
É pão cozido e feito só lembrança:
É joio imundo agora ao próprio cristo.
ROCHEDO HERACLITIANO
É tua esta praia, embora nela não mãos banhes
Em coisa de matéria ou pedra inconsciente.
Se lhe banhaste às ondas o corpo um dia, cães
De realidade hoje ladram na corrente
Levando, estéril mar, carnes velhas de anciães.
(Postas no matadouro. Restos tão-somente)
Se é tua casa esta praia, fá-la voltar às manhãs
Onde banhar-te novo, outra vez, na tua mente.
UM JAPONÊS NO PALANQUE
- Pode-se fazer uma revolução com tal povo?
- Pode-se, com tal pov, fazer uma mais nova pátria?
Ó aurora em bugigangas de bois e fitas coloridas
Enquanto se desfaz a noite entre hóstias e matracas.
O POETA DOS AFOGADOS E DOS PRAZERES
A grande miséria é quando ele enfim se afasta
Para ser esquecido, vilmente esquecido
Como um desajustado ou inútil bibelô.
E ser, sem feira de amostras, o urso polar
Ou esse elefante público para a alegria
Da indiferença adulta, onde ele seja o Bobo.
PROCISSÃO DE SÃO BENEDITO
O povo é sábio na fome de estradas...
Inculto é o rico a ouvir-se aqui dizer.
- prostituiram a rua, abriram-na a todos.
No povo andando abaixo – rumo a Deus.
NO VELÓRIO DE UMA CIDADE
Tua mãe morreu
E não verá teus netos
Presencia esse sonho
A cada anoitecer.
MATÉRIA DE JORNAL
Drummond falou dos seus mortos reunidos.
Eu falo dos meus mortos insepultos.
Dos que amanhecem são, mal rompe o dia
Bailando sobre as valsas pelo outrora.
Eu canto o azul nos galhos dos meus pássaros.
(Plantei uma árvore muito além dos frutos)
Meus mortos é que estão nascendo: os vivos
Apodrecem reais e como póstumos.
CAIXA DE PANDORA
São Luis instala-se em mim
Como o poema lacrando
O cadáver do poeta.
(Já é tempo. Todo silêncio
Envolve-me vegetal)
CÂMARA MORTUÁRIA
São Luís
Cidade de pedra
Cidade de pernas
Cidade de fezes
Cidade de infernos
E agora com o teu sexo
Dentro da minha voz.
NO LEPROSÁRIO DO BONFIM
Por quanto tempo agüento ainda esta vida?
O leprosário é mar na tumba abrindo
A solidão do ventre, um telefone
Sequer falando: o pássaro ao crepúsculo
- no abandonar-te – segue para a noite.
DESCENDO DO BONDE
Onde moras, ó meu pai?
Qual o nome do teu lar?
- Moro aqui, mas por enquanto
E me chamo Outro, entretanto.
RÉVEILLON
No ano-novo, humano sino, um par copula
Na Praça Benedito Leite, ao rés do chão.
É madrugada ainda: e copula esse par
Como desde o primeiro dia se faz no mundo.
PRESÉPIO PUBLICO
Filho a nascer
Com sofrimento
Também és ser
No irmão jumento?
Também, cavalo,
Te fez um zurro?
Ou, chão de um galo
Nascido és burro?
Crio-te assim,
A qualquer custo
Menino em mim
Bezerro augusto.
SUBINDO A RUA DOS AFOGADOS
Atirei-me em busca do fim
Andando adiante de mim.
(Caminhando em desafio,
Como um mar negando o rio)
Alguém nos juntou depois
Já éramos um e não mais dois.
LENÇON DE PROSTITUTA
Um cão se queixa, frio, dos invasores
A terra do ânus, o céu nas varizes.
Assim a morte de homem ou animal
De repente. Depois... o esquecimento.
CAPA E ESPADA
Metade de Demônio e parte em Deus.
Metade em ti, além, de alma e de matéria.
O resultado é estar cheio de outros eus.
As partes somam tua igual miséria.
CHÃO CONJUGAL
Quanto sofreu
Neste refugo
Vocabular
Da minha vida
O meu nome?
( - Uma pedra apenas).
NAURO MACHADO – O premiado poeta maranhense Nauro Diniz Machado possuí várias de sua obras traduzidas para o ingles, frances e alemão. Entre as suas obras estão Nau de Urano – Antologia de Sonetos. Ed. Siciliano 2002; Melhores Poemas – Seleção de Hildeberto Barbosa Filho. Editora Global, 2005; Pão maligno com miolo de rosas. Edição do autor, 2004; A rocha e a rosca. Edição do autor, 2003.
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