sábado, outubro 23, 2010
POETAS DO MARANHÃO: NASCIMENTO MORAIS FILHO
NASCIMENTO MORAIS FILHO (1922-2009)
EVOCAÇÃO
Poetas, meus irmãos, acompanhai meu grito!
- Eu sou o sofrimento dos sem nome!
- Eu sou a voz dos oprimidos!
Não tanjo a lira mágica de Orfeu
De quem as aves se acercavam para ouvi-lo
E lhe vinham lamber os pés as próprias feras!
As láureas, meus irmãos, olímpicas não busco
Com que cingis de gloria os vossos sonhos!
- Cravaram-me a coroa dos crucificados!
Minha Castália – são as lágrimas do povo;
Meu Parnaso – a dor da minha gente!
Meu instrumento é poliforme e rude!
Não tem o aristocrático perfil das harpas nobres
Nem as rutilações de sons das pedras raras.
- Ele é clamor!
Ruge nos seus trons
O estrugir do povo em praça pública!
Poetas, meus irmãos, acompanhai meu grito!
Maldigo a resignação infame dos covardes!
- Eu prego a rebeldia estóica dos heróis:
- Meu evangelho é a liberdade!
A liberdade, meus irmãos,
Tem a forma simbólica da cruz
E a cor do sangue.
- O sangue é o apanágio da conquista!
Poetas, meus irmãos, acompanhai meu grito!
Jesus,
Se conquistou os céus com suas orações,
Ele, o Redentor,
Sobre a terra triunfou com o sangue do seu corpo!
Sangue, flâmula bendita,
E no Calvário – fé – aberta em cruz!
Poetas, meus irmãos, acompanhai meu grito!
EGO SUM QUI SUM
Corre sangue de heróis nas minhas veias;
Descendo da nobreza dos gigantes;
As flamas das batalhas conservei-as,
Forjadas na bigorna dos atlantes!
Atenas – meu brasão!... e das cadeias
Olímpicas dos sonhos deslumbrantes,
As vertigens azuis arrebatei-as
Aureolando-as com os raios dos levantes!
Legionário da glória, dos umbrais
Da luz dardejarei coruscantes astas
Contra o furor dos vis iconoclastas!...
A ressoar as trompas aurorais
Formarei novos mundos dos escombros
- Carregarei os séculos nos ombros!...
APOCALIPSE SOCIAL
Ó vós que adorais o Bezerro de Ouro,
Olhai para o levante!
Vede a coluna incandescente
Que fumega no horizonte!
- É o sinal dos novos tempos!
- É aquela mesma coluna de fogo
Que desceu dos céus,
Para guiar a humanidade para a
Terra da promissão!
- São os legionários da liberdade,
Que marcham abalando o infinito,
Qual terremoto de luz,
Craterando as regiões das alvoradas!
Tremei, ó potentados!
Tremei!
- É a sentença dos séculos!
Pesa pontiaguda sobre vossa cabeça,
Como aquela espada sinistra do banquete!...
Mas breve o fio se partirá, ó potentados!....
O juízo final vos espera...
Contados, vossos dias!
Pesados, vossos crimes!
Divididos, vossos tesouros pelos clamores,
Que rondam os muros de vossos
Palácios e mansões!
Não ouvis as vociferações
Dos cartazes nas paredes?
Não ledes as sentenças ameaçadoras
Escritas por mãos misteriosas,
Nos muros e nas calçadas?
- É a voz do povo
Clamando no muro das lamentações!
- É a voz de Deus,
Escrita com piche à vossa porta!
- Quem ouvidos tiver que ouça!
- Quem olhos tiver que veja!
Ó rubro tonitroar de trombetas
- explosões dos Andes aureolados de flamas!
Clamarei, ó potentados: “o pesadelo dos céus”!
- A liberdade destruindo as muralhas dos
Presídios!
Presídios,
Quem tem como cúpula
A toga dos magistrados consteladas de lágrimas!
Lágrimas,
Que tremem como bocas balbuciantes
E acenam para a justiça
Que vós, ó potentados, cegastes.
Os arranha-céus
- operários petrificados em revolta
Desmoronando em cadeia!
E dos escombros
Falanges de fantasmas sinistros
Com os punhos fechados para o alto
Avançando sobre vós!
Os verdes campos, ridentes de alegria verde,
Há séculos,
Transformados em campos de tortura da esperança,
Despertando da letargia do sofrimento!...
E das outrora dadivosas covas das seares,
Cardos espectrais brotando agora!
Ai de vós, industriais da miséria e da injustiça!
Ai de vós
Que desperdiçais em vossa lauta mesa
A comida que roubais da boca dos meus irmãos!
Ai de vós
Que transformais em sons de long-play
Os soluços e os ais de meus irmãos!
Ó vós
Que os céus enegreceis de tantos crimes,
Levantai-vos de vossa prostração!
- É outra vossa crença! É outro vosso culto!
- As vossas oblações ofendem a Deus,
Ó vós
Que celebrais a missa negra da miséria
E da injustiça!
Escutai, ó meus irmãos,
Os trons estranhos de trombetas estranhas!
- Eclosões de auroras!
Não mais
Os apitos enfumaçados das chaminés
Açoitando a besta-humana para o trabalho-forçado!
- ´W a marcha universal dos novos tempos!
Erguei-vos, e vivei, ó meus irmãos!
- A luz, o ar, a terra é para todos!...
Vinde comigo!
Eu vim da idade que virá,
Para revelar-vos os dias que virão!
Não mais, meus irmãs, fundireis nas oficinas
A chave de vossa cadeia!
Não mais tecereis nos teares
O sudário moral dos vossos dias!
Livres,
Trareis os vossos pulsos
Das algemas da escravidão
E vosso rosto das rugas do ferro do senhor!
- Não mais a vida de escravo,
Não mais senhor o patrão!
O suor não é mortalha
Nem o labor opressão!
Ao som do canto agreste dos campônios,
Ó campos reflori! Ó campos reflori!
Cantai na vos dos pássaros, cantai!
Cantai na branca voz das cataratas, cantai!
Na luz transfigurada das searas
Ó campo exultai! Ó campo exultai!
De novo cavalgai, homens do campo,
Vosso corcel olímpico de auroras!
... Um riso faltava na sociedade...
Uma lágrima... e uma idéia....
Inda uma cor faltava na paisagem
E uma nota na harmonia universal!
- Rides?
Vossa alegria será por todos comemorada!
- Chorais?
Vossa dor será por todos compartilhada!
- Pensais?
Vossos pensamentos não precisarão esconder-se
Nos subterrâneos da noite!
- A liberdade é a pátria universal!
Vossa consciência é vossa.
Consciência,
Que não precisareis vender por um prato de
Comida,
Nos dias de eleição!...
Vossa mulher agora terá leite,
Para amamentar vossos filhos,
E, nos seus fecundos seios, criará os novos homens!
Homens,
Que, ao contemplar o firmamento azul,
Se lembrarão das suas origens...
E, então, no êxtase de deuses redivivos,
Exclamarão:
- Eu vim também do infinito! Nasci naquela estrela!
JOSÉ NASCIMENTO MORAIS FILHO – O poeta, professor, jornalista e folclorista maranhense, José Nascimento Morais Filho (1922-2009), foi um dos participantes do Modernismo no seu estado e ocupante da cadeira 37 da Academia Maranhense de Letras. Fundador do Comitê de Defesa da Ilha de São Luiz e militante ambiental, é autor dos livros Clamor da hora (1956), Azulejos (1963), Esfinge Azul (1972), Pé-de-conversa (1957), Um punhado de Rima (1959) e Clamor do Presente (1992).
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