terça-feira, outubro 07, 2008

POETAS DO RIO DE JANEIRO



TANUSSI CARDOSO

UM POETA NAS CIDADES

Neste momento, um poeta está sozinho nas ruas de Nova York.
Caminha nas calçadas de Nova Deli.
Passeia o cansaço pelos gelos nórdicos.
É triste nas esquinas do mundo.
É o cego e o seu realejo.
O enforcado, o carrasco, o viúvo, o noivo.
A voz do mundo e seus medos.
Os amantes e seus desejos.
Neste momento, um poeta anda pelas dunas de areais do Saara.
Venta nas folhas da Amazônia.
Chora pelos mares de Espanha.
É faca, corte, bala traiçoeira.
O Espirito do Tempo, os Templos, terços e tendas.
Um poeta sozinho nas ruas do mundo.
Olha as cidades e ouve seus gritos.
Olha a cidade e vê os seus circos.
Olha as cidades e tudo é igual: lodo, verde, temporal.
Olha as cidades e os girassóis se estilhaçam nos sóis amarelos.
Olha as cidades e o corpo é flechado nos vitrais dos mistérios.
Olha as cidades e as janelas abertas no fundo dos quintais.
Olha as cidades e toca e seus muros.
O muro e suas noites.
O muro e suas peles
Atrás do muro, o mar
Atrás da noite, nada
- A Barca da Morte espreita enganosa.
Sozinho nas curvas da vida,
As luas vão e vêm, banhando-o em luz.
Neste momento, um poeta olha as cidades
Tentando confortar poemas derramados.
Poemas de sinais trocados.
Poemas que se escrevem nos esgotos.
Entre ternuras, vinhos, auroras,
Línguas estranhas beliscam como corvo.
Neste momento, um poeta olha as cidades
E a poesia não expulsa ao demônios.
Que texto o orienta?
Como escrever o poema desses dias?
Mas escreve e escreve e escreve
Porque não pode evitar desastres.
Um poeta caminha solto pelas ruas do Brasil.
Sob as estrelas tenta desenhar humanidades.

DESTINO

Suicido-me varias vezes ao dia.
Cama e maca não são um mero anagrama
Mas um encontro de marcas.

CHRONOS

O agora é cisco
Riso de rio seco
O agora é um grito
(No eterno
O tempo se cria
Cicatriz e visgo)
O agora é risco
Malabarista no escuro
O agora não passa de um tiro

SETA

O sinal vermelhou parou o ônibus
Na hora exata em que o amor passou
O amor passa sempre no sinal vermelho

OCO

Tudo é solidão. Silêncio.
Tudo é mistério. Medo.
Mesmo em ebulição nascendo as palavras.
Tudo é angustia. Ausência.
Tudo.
Mesmo o poema
Principalmente o poema.

PERDIDA

Masturbando-se, ainda menina,
A mãe cortou-lhe os pulsos.
Tentou, em frente ao espelho,
Lamber seu próprio sexo,
Exercício constante e doloroso.
A mãe viu. Menina suja.
Construiu uma proteção de ferro
E cresceu sozinha. Olhos-de-janela.
Agora,
Aquele home a chupar-lhe os peitos
E a serrar-lhe o ferro e o sexo.
A mãe morta em pânico.

ÓVULO

Das sombras nasce o poema
Luz e nudez
: absurdo caracol

CHÃO DE ESTRELAS

Barracão de zinco
Três tiros no peito
Ele já estirado
Na vitrola, Silvio Caldas
Emocionado.

UM OUTRO OLHAR

O infinito?
O que o nosso olhar
Respira.
O que cabe
Na medida da águia.
O sangue cortado
Da medula.
O corpo transformado
Em asas.
(Mais nada).

DIALÉTICA

Quem desequilibra o trapezio:
A harmonia ou o fio?
Quem desequilibra a vida:
A gargalhada ou o medo?
Quem desequilibra o homem:
A vida ou o trapezista?

TANUSSI CARDOSO – O poeta, jornalista, critico literário, escritor, letrista e advogado carioca Tanussi Cardoso, é dos mais atuantes poetas do país, apresentando-se, sempre, em recitais de poesia e eventos literários, além de ser colaborador ativo de diversas publicações literárias espalhadas pelo país, e jurado de concursos literários. É autor dos livros de poemas: "Desintegração" (Ed. do Autor,1979/RJ), "Boca Maldita" (Ed. Trote, 1982/RJ), prefaciado por Leila Míccolis, e "Beco com Saídas" (Ed. Edicom, 1991/SP), prefaciado por Socorro Trindade, Prêmios UBE/RJ e UBE-Guararapes/GO. Em 2000, lançou "Viagem em Torno de", pela Ed. 7Letras/RJ. Os poemas selecionados são da obra “A medida do deserto e outros poemas revisitados” incluído na antologia “Rios”.

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