sexta-feira, maio 15, 2009

O TRÂMITE DA SOLIDÃO


Imagem: foto de Derinha Rocha.

ABANDONO

Eu vi o poeta chorar
Numa sala exígua
Um canto remoto da casa
Voluntário eremita
De alados braços inertes
Um goleiro vencido no lance

Eu vi o seu choro
Desolada criança
Sem seu brinquedo preferido

E o seu brinquedo
É olhar nos olhos
Um calor de ternura
Cumplicidade

É sentir o coração
Falar alto
Um simples gesto

É a alegria por todos compartilhada

(os outros não têm lágrimas
em sua soez atitude)

Eu vi o seu choro
lágrimas sem dolo
lágrimas dos afeitos à guerra
em defesa do amor

Quem ama inventa o que vive

E chorando
Deixou tudo para trás

E chorando
Seu esforço é viver

Um futuro num quadro negro qualquer
Os sonhos se derretendo na solidão

O seu choro
Tangido feito necas para o chão
Em palpos de aranha

O seu choro
Pelo que fez e pelo que poderá fazer

- Uma fatia de tempo de não se lembrar

E chorava baixinho
Um punhado de gratidão

O seu suficiente conteúdo mágico
Era a revelação

E mesmo se valendo das lágrimas
Ainda canta
Para os que mal saíram do neolítico
Para os que não enxergam um palmo além do nariz

Ainda canta praqui – o lugar dos ofendidos
Dos ignorados

Eu vi o seu choro
De quem não tem farol na noite
Nem uma mão no dia
Um tinido no escuro
Um estalido no peito

Eu vi o seu choro de quem errou de veia e maldisse a sorte
Sacralizou o profano
E profanou o sagrado
Mera prece a malograr

Era um choro no seu mundo secreto que é um ermo
Um ermo onde cabem todos seus sonhos
Sonhos de tênue felicidade
Um bônus do sofrer

Eu vi o seu choro onde todo dia sua esperança
De fôlego agitado
Pra nos dizer da vida
Uma canção de chorar o sorriso pra todo mundo.