sexta-feira, julho 10, 2009

O TRÂMITE DA SOLIDÃO



Imagem: foto de Derinha Rocha


DEPOIMENTO

Luiz Alberto Machado

Quando souber de mim
Lembre de como a tarde cai
Ou de quanto tudo se esvai
Na última gota do canto do cisne

Não sendo apenas o fim disso
E sim a do olho vidrado
Com a nascente clara e límpida
Do despertar superior

É que a luz abrasa a calma
Alenta a alma pelo cismar
Surpreso por outro dia ignoto
Tácito na esquina

E em sendo amanhecido
Espreita a jogada plural
Que desemboca na loucura
Civil e seminal

Devia ser desse jeito
E sendo assim será feito o céu
Infinito e grande

E eu capaz do inacessível
Do inalcançável que não se concebe

Quando souber de mim
Saiba do riso quente e detentor
Da maior bandeira desejada
Mais abençoada que esconjuro
Que vem dum porto seguro
Mais aberto que o oceano
Mais falível quanto o engano
Do perdedor da vitória
Mais enamorado quanto
Dado ao lado do amor

E quando souber saiba quantas
Cartas extraviadas foram jogadas
No interior das garrafas bebidas
E sacralizadas no dia-a-dia de nenhum dia
De nenhum vintém
De nenhum ninguém nem de nada

Em sabendo tal sabença saiba
Quão foi difícil sustentar a curva da relatividade
Para ignaros e avarentos sem tempo de beber no vento
A boca da maior verdade

Ao saber não saberá nada
Onde vai dar qualquer estrada
Ou desejo ou razão ou senão
Ou da verdade mais guardada pelos esotéricos
Pelos condutores elétricos
Ou herméticas explicações

Não saberá por que o sorriso
É só o outro lado da tristeza

Nem a distância de sofrer e amar
De perder e de se dar
De não ter o que ganhar
No prazer efêmero do contendor
Ou na soberba do vencedor
Ou na derrota eterna
Ou na angústia certa de quem não ganhou
Sequer um aplauso
Acaso houvesse platéia tácita
Em crendo seria mais atéia
Que a desilusão

Sem saber jamais saberá
Do que trata a mão nua
Nem do beijo que despolua a intenção

Não saberá dos braços abertos
Nem do olhar incerto do menino amanhã

Quando souber de mim
Será notícia invalidada
Já terei quadra formada
Num poema sem fim

Não terei que agradecer pelas lembranças
Nem de respeitosamente requerer mútua estima
Nem solenemente disfarçar
Uma hipocrisia esgrima
Pra tolerar tal dança de estimar

Terei apenas que mostrar quando souber algo

De fato, nada saberá daqui, dali, dacolá
Dessa insólita emoção
De mostrar o coração
A quem possa apenas amar.


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