quinta-feira, fevereiro 12, 2009
POETAS DO RIO GRANDE DO SUL
ADEMIR ANTONIO BACCA
Conheci o Ademir Bacca através de sua publicação impressa e on line, Garatuja, isso nos anos 90. À época eu editava tablóide impresso o "Nascente - Publicação Lítero Cultural" que depois transformei também em site.
Da nossa troca de correspondência não tardou ele me convidar para ser diretor regional, em Alagoas, do Proyecto Cultural Sur, uma vez que além de editar o meu tablóide, eu ainda acumulava a função de assessor de imprensa do Sindicato dos Escritores de Alagoas - SINDEAL.
Como no começo de 1999 aconteceu aquele desastre econômico, o meu tablóide afundou, não pude prosseguir com o trabalho no Proyecto Cultural Sur aqui e, o pior de tudo, perdi o contato com o Bacca, só retomando agora por causa do Orkut.
Pois bem, para os que não conhecem Ademir Antonio Bacca é poeta, contista, folclorista, jornal e é considerado um dos maiores ativistas culturais do país.
Ele já publicou oito livros, fundou os jornais "Laconicus" e "Garatuja", criou e coordena o Congresso Brasileiro de Poesia, o Encontro Latino-Americano de Casas de Poetas, a Mostra Internacional de Poesia Visual e a Noite da Poesia Brasileira em Havana.
Criou ainda a Semana Oscar Bertholdo de Poesia e é Presidente do Proyecto Cultural Sur/Brasil e também primeiro vice-presidente internacional da entidade com sede no Canadá.
Bem, isso é só para ter uma idéia, pois o Bacca é um incansável participante de entidades culturais, grandioso incentivador e sempre está recepcionando amigos e artistas em Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, onde reside.
Pois bem, quando Ademir Bacca publicou seu oitavo livro de poesias: "Plano de Vôo", não me contive e de um fôlego só devorei o livro. Logo vi: recheado de boas poesias e de muita gente comentando.
A primeira pessoa a falar no livro, é a nossa amiga, poeta e advogada, Sandra Falcone, que diz: "(...) Bacca vive e respira poesia, nas suas palavras escritas e faladas. (...) O grande destaque da poesia do Bacca é a naturalidade de seus versos, que chegam sem subterfúgios e sem ostentação. O equilíbrio entre os poemas em si, entre si e com o mundo que abordam, aliado à peculiaridade de forma, ou seja, a alternância em elegantes oposições simétricas (simetria perfeita), ressalta e de forma poética, musical mesmo, as similitures de passados, experiências e estados do eu-poeta. (...) Os versos de Bacca escorrem vida em doses de pura poesua e... nos embriagam".
Políbio Alves também dá seu testemunho no livro: "Os desenredos vérsicos de Plano de Vôo, logo na primeira leitura me impressionaram. E muito. Ao meu ver, este poeta sabe, como poucos, granjear em sua fraseologia contemporânea, os engastes fonéticos da palavra. Daí, maior assonância em cada verso, em cada palavra, em cada trecho do livro. Nenhum artifício, nenhum, é bom assinalar. (...) Sem dúvida, este livro torna-se um exemplo de transparência da alma. Transluminador, no desaguar da alegria de vozes repassadas de sigilo, e de rostos reconfigurados do dia-a-dia. (...) Por excelência, orgânico. Sobretudo, de vertiginosas leituras. Há mais nessa trajetória de ilusionismo, espanto e luz. Sim. Resta-nos a voragem desta cuimplicidade eletiva que se move, se impõe e renasce, talvez, além dos meandros do encantamento e da paixão".
Ainda José Mendonça Teles, outro que se manifesta acerca do livro: "(...) Neste Plano de Vôo Ademir Antonio Bacca está sempre voando, ou melhor, caminhando em busca de novos sonhos, de um horizonte sempre distanciado. É aí que nasce o poema, essa vontade de chegar lá, essa inquietação de sonhar absurdos. (...) Em seu Plano de Vôo o poeta atinge o estágio do amadurecimento quando depara com a impossibilidade do possível, ao buscar o amor sempre distanciado e se escapulindo como um brinquedo de criança, fugaz e passageiro. Sonhando, em seu universo poético, produz poemas como se estivesse desferindo em si mesmo os punhais da solidão. (...) Ao alçar o seu Plano de Vôo, com poemas curtos e tocantes, é possível imaginar o poeta navegando sua asa delta emocional pelas querência gaúchas, captando o silêncio do silêncio, num horizonte sempre distanciado".
Pelo que vi, li e curti no livro, deu-me a satisfação de participar de um planejamento que em si já é o próprio vôo: o trâmite do vôo com todas as asas de si e o pé no chão da vida. Como ele mesmo diz em "Dos remendos":
A vida
Nada mais é
Que um sonho remendado
Com pedaços
De outros sonhos
Que não deram certo.
Sim, mas não como vencido mas como o que aprende e retoma para a "Partilha":
Nem pão,
Nem peixes,
em água
Muito menos Vinho.
O que tenho para repartir São versos mal dormidos,
Maus conselhos
E fantasias com validade vencida
Pelo cantar de galos precipitados
Alguém se habilita?
Pois é, a transcendência de voar com os pés no chão para "De estradas & entradas":
As estradas que não percorri
Hoje não me cansam mais.
(...)
O que deixei de fazer,
O que não fui,
Tudo o que não amei
E o que me fugiu por entre os medos,
Foram fardos de frustrações
Que carreguei em ombros calegados
Pelas estradas que escolhi.
Agora,
Na encruzilhada do que sou
Com aquilo que queria ser
E com o que eu poderia ter sido
Chamo o garçon e peço mais uma dose:
A vida é assim mesmo,
Está escrito em algum lugar:
Nós nunca vamos,
É ela que nos leva ao seu bel prazer.
As estradas que não percorri
Foram aquelas que me cansaram mais.
E sempre no sisifismo dos dias e da vida, como em "Replay":
O passado
De vez em quando
Bate em minha porta
Vestido de amanhã
E, por isso, o poeta e(i)merge no seu vôo, como em "De paixões & distâncias":
(...) fecho os olhos
E vôo".
E voa com a solidariedade de "Da solidão":
Há
Em mim
Um
Porto vazio
A te esperar
De braços
Abertos.
Pelo que consegui flagrar aqui, há, inegavelmente, uma natural e cristalina forma deliciosa de encantar. Eu mesmo, confesso, voei. E mais ainda: se é um plano, o vôo já se faz em si. E desejo uma ótima viagem a quem se prestar a voar junto porque saberei que será uma agradabilíssima viagem. Quem se habilita?
Aí dia desse eu estava em Blumenau com os amigos Tchello d´Barros e Luiz Eduardo Caminha, quando dei de cara com o poetamigo gaúcho e berrei logo?
- Se é Bacca, é bom!!!
Ele sorriu abrindo a guarda o que oportunizou sem delongas de peitá-lo para uma entrevista, o que, de bate pronto, saiu na hora:
LAM - Bacca, vamos para a pergunta de praxe: como foi o seu encontro com a arte? Como tudo começou? Por que sua opção pela arte?
Eu sempre gostei de escrever, e escolhi o lado mais fácil, ou seja, enveredei pela poesia ainda na adolescência (embora tenha alguns contos premiados), o que acabou me empurrando depois para o jornalismo. Mas sempre falou muito forte em mim um lado aventureiro-empreendedor, então organizei festivais de música, apresentações teatrais, feiras do livro e até uma mostra de cartuns de grande projeção nacional. Aí o caminho já estava definido e não teve mais como escapar dele. Então veio a idéia de fazer um grande encontro de poetas e surgiu o Congresso Brasileiro de Poesia, em 1990, que já vai para sua décima sexta edição. A arte digital veio mais tarde, mais como uma necessidade de tentar dominar alguns programas de computação.
LAM - Quais as influências da infância e adolescência que contribuíram decisivamente para formação do artista?
Os clássicos não me influenciaram nem um pouco, pelo contrário, fugi da maioria deles como o diabo foge da cruz. Dois poetas tiveram grande influência em minha vida, lá no início: J. G. de Araújo Jorge e Vinicius de Morais. Depois vieram o Quintana, Thiago de Mello, Drummond e alguns malditos, principalmente Leminsky. Mas o bom foi a descoberta da poesia marginal, a famosa geração do mimeógrafo. Ali, com eles, descobri o rumo que eu deveria dar aos meus versos.
LAM - Primeiro vamos falar do poeta, faz um histórico da sua trajetória e das suas publicações poéticas.
Estreei em livro numa parceria com dois amigos, em 1975, com “Uma Porta Aberta”, que teve como padrinhos no dia do lançamento Mario Quintana (na sua única estada em Bento Gonçalves) e Carlos Nejar. O primeiro livro solo só veio em 1978 (Asas e Coração). Depois vieram outros 7: “Pátria Amada e outros poeminhas insensatos”, “A Tragédia dos Anjos”, “O Trágico Circo Cotidiano”, “Página de Jornal”, “Inventário de Emoções”, “Pandorgas ao Vento” e “Plano de Vôo”. Neste ano devo lançar “O Relógio de Alice”. Em 1986 comecei a publicar uma série de livros contando histórias do cotidiano de nossa cidade e região, totalizando 11 títulos e mais de cem mil exemplares vendidos. No momento, trabalho na conclusão de três novos livros, dois de poesia (“O Grito por dentro das palavras” e “Panis et circenses”) e um de pequenas histórias e memórias (‘Janela da Memória”), e continuo juntando histórias do folclore regional para uma publicação futura, sem previsão para concluí-lo. Também planejo lançar um livro sobre estórias engraçadas acontecidas com escritores, tendo diversas já devidamente registradas. Participações em antologias, já são mais de cinqüenta.
LAM - Além disso você atua no campo da poesia visual, da arte digital e dos fractais. Como se dá o desenvolvimento dessa linguagens e como elas atuam nas suas temáticas?
Como falei no início, a arte digital surgiu em minha vida por acaso. Sempre gostei de arte, principalmente dos abstratos, mas nunca tive a menor habilidade para isso. Sou daqueles que não conseguem desenhar um círculo nem com a ajuda do fundo de um copo. Mas diante da necessidade de ter que pelo menos entender alguns programas de computação gráfica, fui orientado a tentar a arte digital, pois assim, mexendo com os programas, seria mais fácil entendê-los. Aí conheci primeiro o “Ultrafractal” e depois o “Apophisys”, que é o programa que uso atualmente para brincar com o mundo maravilhoso dos fractais. E se digo brincar é porque não faço arte digital com nenhum objetivo que não seja o de relaxar o espírito depois de horas trabalhando no computador. A poesia visual foi uma breve aventura, talvez levado pela Mostra Internacional que promovemos todos os anos junto com o Congresso Brasileiro de Poesia. Por fim, os fractais não influem em nada no meu trabalho literário, até mesmo porque se tivesse que escolher entre um e outro, eu ficaria sempre com a poesia.
LAM - Você também é escritor e folclorista. Como e por que o folclore entra na sua arte?
Os livros de folclore surgiram de uma brincadeira com um colega de jornal, grande contador de histórias. Ele contava as histórias e eu anotava. Um dia apresentei a ele o “nosso” livro. Ele ficou espantando pois a idéia era manter os nomes originais das pessoas envolvidas nos relatos e isso poderia nos causar problemas. Relutou no início, mas acabei convencendo-o. E foi justamente o fato da identificação dos personagens que deu sucesso ao projeto, tornando-o num recordista de vendas em toda a região.
LAM - Você desenvolve uma atividade jornalística, especialmente com o jornal Garatuja. Conta pra nós o papel, proposta e como anda o Garatuja?
Durante muitos anos o jornalismo foi o meu ganha pão. Na verdade, ser jornalista sempre foi o meu sonho de menino. Nunca me imaginei fazendo outra coisa senão estar numa redação de jornal. De 1973 até 1997 eu dirigi o Jornal LACONICUS. E foi dentro do LACONICUS que surgiu o GARATUJA (nome que copiei de uma publicação de Campina Grande que eu gostava muito e que havia parado de circular), inicialmente como um Suplemento Literário encartado. Só que o suplemento cresceu e acabou ganhando circulação própria e se transformou numa das mais respeitadas publicações literárias do país. Poucos jornais abriram espaço para poetas desconhecidos quanto nós o fizemos, creio que na época só o Zanoto (“Diversos Caminhos”), lá em Varginha nos ganhava. Parou de circular em 2005, mas estamos projetando a sua volta para outubro deste ano, durante o Congresso Brasileiro de Poesia.
LAM - Como produtor cultural, você desenvolve o Congresso Brasileiro de Poesia. Conta pra gente o que é esse Congresso e passa pra gente o resultado das edições realizadas.
O Congresso Brasileiro de Poesia surgiu em 1990, na cidade de Nova Prata, pelas mãos do então prefeito João Carlos Schmitt, que me procurou dizendo que queria um evento cultural em sua cidade. O primeiro projeto apresentado foi o da Casa do Poeta Rio-grandense, que planejava organizar o Encontro Latino-americano de Casas de Poetas, mas não era o que o prefeito queria, não se encaixava no projeto cultural que ele pensara. E então pensei: por que não um congresso reunindo todos estes poetas malucos que andam dizendo seus versos pelas ruas e bares de todo o país? Apresentei o projeto e Schimmit o aprovou na hora. E sem que ele se desse conta, embuti no mesmo o Encontro Latino-Americano de Casas de Poetas, atendendo a um pedido do Nelson Fachinelli, que presidia a Casa do Poeta Rio-grandense. Então a Casa ficava com a responsabilidade do Encontro enquanto o Congresso era exclusivamente controlado pelo GARATUJA. Nova Prata sediou as três primeiras edições do evento, depois mudamos para Bento Gonçalves, que é onde eu resido, e aqui já realizamos doze edições, consolidamos o evento entre os mais importantes do gênero das três Américas. A partir da mudança para Bento Gonçalves, foi incorporada ao evento a Mostra Internacional de Poesia Visual, que é coordenada pelo Hugo Pontes. Em Outubro, de 6 a 11 de outubro, realizaremos a décima sexta edição, com a perspectiva de termos mais de 300 poetas vindo de quase todos os estados brasileiros e de diversos países.
LAM - E o Proyecto Cultural Sur?
O Proyecto Cultural Sur, que hoje é o grande parceiro na organização do congresso de poesia (ao lado da Prefeitura Municipal de Bento Gonçalves, Fundação Casa das Artes e SESC), entrou em nossas vidas no final dos anos 90. Fomos os pioneiros no intercâmbio cultural com Cuba, isso em 1992, quando trouxemos o poeta Virgílio Lopez Lemus, que acabou se transformando num verdadeiro embaixador da cultura alternativa brasileira em Cuba. E numa sua outra vinda ao Brasil, ele trouxe o convite para que eu organizasse uma caravana de escritores e artistas plásticos para irmos a Havana participar do festival de arte que o Proyecto Cultural Sur estava organizando. Foi aí que surgiu o Sur/Brasil, do qual sou presidente desde então. É um movimento que cresce na América e aos poucos vai se consolidando também no Brasil.
LAM - De que forma a Internet tem contribuído para a difusão do seu trabalho artistico?
Relutei muito em usar a internet em todo o seu potencial. Primeiro porque sou daqueles escritores antigos que consideram o computador apenas uma máquina de escrever um pouco mais avançada. Demorou para cair a ficha de que a internet era o grande lance de todos os tempos em termos de comunicação. Aí comecei a explorar, ainda que timidamente, meu blog e um blog para divulgar o congresso brasileiro de poesia. Mas confesso que isso requer uma disponibilidade de tempo que eu nem sempre tenho, razão pelo qual muitas vezes fico mais de um mês sem atualizar sequer o meu blog.
LAM - Quais projetos Ademir Bacca tem por perspectiva de realizar?
Consolidados o Congresso Brasileiro de Poesia e o Proyecto Cultural Sur, meu objetivo agora é utilizar esta estrutura para desenvolver alguns projetos dentro das escolas, uma vez que tudo aquilo que promovo tem o aluno como objetivo principal. Aqui em Bento Gonçalves a poesia já é trabalhada em todas as escolas, estamos formando uma geração de leitores muito grande. Todos os anos distribuímos milhares de livros de poesia editados pelo congresso em parceria com autores. É o projeto “Poesia na Escola”. Agora vamos lançar o “Livro na Escola”, que será desenvolvido ao mesmo tempo num maior número possível de cidades. Consiste no núcleo do Sur/Brasil local conseguir a adesão de um número determinado de poetas que cederão gratuitamente exemplares de seus livros para serem doados às escolas. A idéia inicial prevê que vinte escritores doem vinte exemplares cada um, o que formará um kit de 20 livros que serão entregues a vinte escolas. A idéia é de que esta ação seja realizada pelo menos duas vezes por ano.
Outro projeto é organizar uma grande mostra de arte digital aqui em Bento Gonçalves. Penso que poderemos fazer isso em outubro de 2008, quem sabe?
OUTROS POEMAS DE ADEMIR ANTONIO BACCA
DE ÍNDIOS & MENDIGOS
(A propósito da desculpa “A gente pensava que era um mendigo”, dada pelos jovens que queimaram, em Brasília no ano de 1997, o índio pataxó Galdino justamente no dia do índio).
A carne
do índio pataxó
arde vergonhosamente
em chamas
nas páginas de jornais
dos quatro cantos do mundo.
O cheiro da tragédia
incomoda narizes neo-burgueses
acostumados a Chanel nº 5.
Fede mais
que a carne queimada
do índio Galdino,
o cheiro da indiferença
dos seus assassinos.
A ESTRADA E A CANÇÃO
mesmo que a estrada
não dê no mar
e nem no alto da montanha
mesmo que ela passe
ao largo do rio
e faça tantas curvas
antes de chegar ao seu destino,
não importa aonde ela vai dar:
na verdade,
nós sempre voltamos ao mesmo lugar
é a velha canção da infância
quem costura as nossas lembranças
é o murmurar das mesmas palavras de sempre
quem acalenta os nossos sonhos mais caros
mesmo que a estrada nunca passe
por todos os lugares
onde planejamos um dia parar,
ainda acordo todos os dias
cantando aquela velha canção.
ENTÃO TÁ
Que tua boca
Diga não
Mesmo que teus olhos
Digam sim.
Que teu corpo
Diga não
Mesmo quando tua boca
Disser sim.
Que teus olhos digam não
Quando tudo em ti
Disser sim
PEDAÇOS
Hoje,
restam-me pedaços
de um sonho que aconteceu
sem que eu percebesse.
Pedaços de cores
que bailam em minha mente
perturbando o meu olhar.
Pedaços nossos
que não consigo juntar
num só.
DOS CUIDADOS
há coisas
do coração
que a gente sente
e não explica.
o infarto
por exemplo.
MURO
não lembro ao certo
quando o muro foi erguido.
foi surgindo aos poucos,
uma palavra áspera aqui,
um descaso acolá
e quando percebemos,
estava pronto.
e desde então,
tem nos dividido ao meio.
FRAGILIDADE
Brinca a criança
com o dedo no gatilho
de uma arma inexistente
enquanto o encanto se faz mistério
mal se acenda a primeira luz
no picadeiro.
Dança a bailarina a sua música triste
num palco imaginário à meia-luz
enquanto prostitutas vagam em bandos
pelas ruas vazias em busca de um porto
para a sua solidão sem homem.
Ah! Os mistérios deste circo de incertezas
que faz brincar com o encanto a bailarina
e os operários e malabaristas de corpos cansados
sem sequer imaginarem o mistério
que faz da vida um brinquedo frágil,
criança tão fácil de se quebrar.
POEMA DE INSTAFISFAÇÃO
Foi você
quem brincou
com os meus sonhos
quando eles ainda não sabiam
brincar.
Foi você
quem despertou o meu coração
quando ele não queria mais
despertar.
Foi você
quem me ensinou a sonhar
quando eu só queria lutar.
Agora,
o que é que eu faço
desta vida feita de nada?
TEMPO SETE
Há quanto tempo
eu não via os pardais
brincando sob a minha janela?
Será que eles estavam em férias,
doentes ou cansados?
Ou será que eu não os via
porque só tenho olhos para te ver?
DO TEU SABOR
O gosto da tua pele
sal impregnado em meus lábios
que me mata de sede
à beira da fonte dos teus prazeres.
O teu gosto na minha boca
mel que sacia meus desejos
na hora derradeira
do medo de te perder
em meio aos lençóis.
O teu cheiro impregnado
no meu corpo
perfume raro que nem a chuva
leva de mim...
BUSCA
esse amor
que a arte não descreve
não disseca
e nem explica
que aparece
com tantos nomes
apelidos
palavras
desafios,
esse amor
que se vive
e não se entende
nem se aprende
suspenso por um fio,
em que parte de ti
se esconde?
TEMPO SEIS
Toda vez
que ouço a sirene
do carro de bombeiros
cortando o silêncio da noite,
abro a porta do meu sonho
para verificar se não é o meu mundo
que está pegando fogo.
POSOLOGIA
da vida tenho provado
doses ousadas de paixões,
daquelas que marcam fundo,
mesmo que efêmeras,
daquelas que abrem caminhos
mesmo quando não levam
a lugar algum
tenho provado da vida
doses amargas de solidão,
daquelas que fazem da paixão
relógio de ponteiros cansados
da vida tenho provado
doses de sentimentos confusos
que as noites me servem
em goles desesperados
daqueles que viram tudo
de pernas pro ar
e depois se vão
no lamento do vento
tenho provado da vida
doses ousadas de paixão
mas do sonho,
eu sempre bebo a dose exata.
MOSAICO
com a paciência
de um velho tecelão
preparo meu manto de lembranças
para quando o frio dos anos
anunciar seu inverno mais rigoroso
em lentos goles de vinho
faço desfilar na passarela
dos meus olhos
os sonhos que trago
dentro de mim
e assim,
noite após noite de insônia
monto o mosaico de todo o tempo
que me escapuliu
por entre os dedos.
DA BOEMIA
voltamos do bar
quietos e cansados
como se fossemos
pássaros inexperientes
que voltam aos seus ninhos
assustados
com o primeiro temporal
SABOR AMARGO
dos frutos
da primeira árvore
que plantei
meus lábios
não sentiram
o sabor.
o abacateiro carregado
não foi
no caminhão de mudança.
Aproveite e confira o blog de Ademir Bacca, do Congresso Brasileiro de Poesia e Poetas do Brasil.
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