domingo, novembro 14, 2010

POETAS DE SÃO PAULO: CLAUDIA PASTORE



CLAUDIA PASTORE

OS MEUS OLHOS DO MEU PAI

Recebi dos teus olhos
Ternos
Toda beleza
Pra se viver
Recebi dos teus olhos
Sábios
Toda coragem
Para só ser
Recebi dos teus olhos
Luz
O mapa das ruas
Por onde devo caminhar
Dos teus olhos
Amendoados
Castanhos e bem feitos
A cor da terra
E os desígnios
De amar
Recebi dos teus olhos
Mortos
Toda saudade
Que infinitamente
Terei que suportar.

CHAMA

Tenho as armas
De um corpo
Forte e bom
Para trazer-te
Sempre
Farto e fértil
Para perto
De mim
Tenho as armas
Marcadas
Fortes, definidas;
Mamas, ancas e pernas...
Domino este jogo,
Esta dança etérea,
Esta guerra ancestral.
Tenho a chama
Primeira
De todos os tempos
Que se chama você,
Que se chama
Você...

POESIA ABSTRATA

Pescar saudades no escuro do quarto é garimpar você no mormaço da minha mente. É sublimar-se em águas correntes, ondulantes, duradouras. Águas do corpo humano.

Flagrar verdades que me maltratam é recapitular o meu mundo, tão antigo quanto todos os mundos.

Lembrar das coisas, de sub-títulos, obras escritas, palavras de mestres ou de prolixos.... Lembrar teu rosto...
Despedaçado dentro de mim.

GUERNICA

Lutar para estar
Aqui,
Porque é aqui
Que a chuva
Esfria
A lâmpada
De mercúrio
E o pneu
Roça o
Asfalto
Molhado
Fazendo barulho.
Em dimensões menores
Eu vejo o mais fundo:
Sou gigante
Para mim mesma.
Amores da vida
Da minha vida inteira
Enterram meus pés
No chão,
Explodem
Minha cabeça-coração,
Cicatrizam
Minhas feridas.
Guernica
É a paisagem
Então vista.

ENCONTRO

Vem,
Vim te buscar,
Vem,
Vim te querer,
Vem...
Não vim pra te entender,
Vem...
Não vim pra te saber,
Vem,
Por isso vim.
Vim,
Por isso vem.

EQUÍVOCO

A vejo
Sereia
De todos os mares
Mal sabia
A mãe
Rainha e
Sub versiva
De lares
A vejo
Princesa
De reinos aquáticos
Mal sabia
A proletária
Arroz e feijão
Em noites solitárias

LUA: SUBSTANTIVO FEMININO SINGULAR NORMAL

A lua é mulher.
Muda de posição,
De cor, de nome...
Uma noite aparece.
Outra não...
Possui diversas facetas.

Tanto é que
A lua é mulher,
Que é do signo de Leão:
Menina bonita
Dos olhos espertos.
Aquela que brilha
Sozinha, altiva e vaidosa!

É certo.
A lua é mulher.
Daqui,
Aglutina-se com o céu
Quando as nuvens
A encobrem
Ou quando foge
Em lua-de-mel
Sabe-se lá com quem.

De lá,
Seu coração
É apenas um
Queijo mineiro
No escuro
De um forno
Microondas.

PESSOA

Navegas, que eu sei,
Entre livros e pedras
Trazidas de longe,
Por deuses, profetas...

Navegas por mares,
Por rios sinuosos
Que antes, tão calmos,
E agora nervosos...

Navegas, eu sei,
E o sei muito bem !
Dos livros às pernas e
Por entre as pernas...

Mergulhas profundo,
Explorando impune,
Odores perfumes,
De um outro refúgio,
De um Outro mundo...

Navegas de dia
Mas sonhas à noite,
Quando navegar ou viver
Já não é mais preciso,
Já não é mais o ato,
Já não é mais o ser.

REFLEXO

Deixa o teu cabelo
Mais comprido
E descobre
Que o mundo
É dos vermelhos.
Pega o primeiro ônibus
Que chegar
E segue
Rabiscando
Os teus caminhos.
Toma um banho
Tira o ranço
Gargareja
E lança fora
O que te desgosta.
Te livra do cinto
Do tênis pesado,
Do abrigo amassado
E veste alguma coisa
Light, meio midnight.
Pega-te nos braços
Levanta-te bem alto
E lança-te longe,
No absurdo do acaso.
Deuxa o teu cabelo
Mais vermelho
E descobre
Todo apelo
Que te come.

DOIS POEMAS DA SÉRIE POEMETOS MINEIROS
PARA VIOLA DE UMA CORDA SÓ

I
As histórias
Da minha vida
Inseridas
Na parede,
Assim
Como o trem
Que partiu
Sem os olhos
Teus

II
Em terra estranha
Onde nasce gente feliz,
Difícil mesmo
É de avistar
Aqueles olhos
De frente,
Em meio
A tanta miséria...

ABSURDO DO ACASO

Café, cigarro
Trago, um malho
Bota um mentex
Na boca
E desboca
Na Avenida Brasil,
Rumo ao Parque do Ibirapuera.
Já era o cara
Que te consumiu,
Já era o caso
Que você criou.
Vê se te cria
E te consome
Fora das horas
Que você conhece.
Submete-se no absurdo
Do acaso
Permitido por você,
Por você apenas permitido
E procura
Algo mais que
Não somente um AB-SURDO.
Pára de fumar
Ou fuma pra valer,
Tosse a tua tosse de protesto,
Atesta-te o atestado de loucura
E fica pensando que é são.
Em São Paulo, São Vicente
Já morreu na Baixada
Que afundou.
Principia pela própria vida
Que antes,
Coisa natural
E hoje,
Elemento essencial.

TRIBUTO ÀS MULHERES

Mulheres lavam a roupa suja
Em casa.
Satisfazem seus desejos
De mulheres sobre-humanas
Na rua.
Mulheres lavam,
Mulheres passam,
Mulheres querem
O tempo inteiro.

Mulheres fazem
Mulheres vão;
Estão em todos
Os lugares

Onde mulheres
Possam estar
Ou não.

Mulheres bebem,
Mulheres fumam,
Fazem ginástica
Ou natação,

Não fazem nada.
Vivem do nada,
Buscam o belo
Não criam nada.

Mulheres tem contração
Cólica, menstruação,
Desejam filhos,
Evitam tê-los...

Gostam de sexo
E de batom.

Mulheres somem,
Fogem de casa,
Caem no tédio,
Na depressão;

Mulheres amam.
Os homens
Não.

CLAUDIA PASTORE – A escritora, professora e pesquisadora paulista Claudia Pastore, cursou Letras na PUC/SP, fez mestrado em Comunicação e Semiótica, em 1997 e é doutora em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo). Ela participou da antologia poética: Saciedade dos Poetas Vivos, Blocos, RJ, 1996; e publicou Quem Sente Somos Nós (poesia), Scortecci, SP, 2003.

FONTES:
PASTORE, Claudia. Caderno de Poesias — Claudia Pastore. Revista Crioula – nº 3 – maio de 2008
MICCOLIS, Leila; FAUSTINO, Urhacy. Saciedade dos poetas vivos. Vol. XII. Rio de Janeiro: Blocos, s/d.

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