quinta-feira, novembro 27, 2008

POETAS DO RIO GRANDE DO NORTE



ADELIA DANIELLI

Quem se esconde não escreve
Escrevo e não me mostro
me torno.

-*-

Patchwork

Numa noite com Tom Zé, Adélia Prado e Wood Allen
me lembrei de quanto sou triste.
E quanto desejo sem força nos músculos
poder deitar num mato virgem
sem ter medo de inseto.
Sempre quis ser assim, livre.
Ter toda à sabedoria para poder me desfazer dela.

Há um ardor que chamam de frio e que me corta feito lança
sangrando o centro do meu estômago.

Não quero mãos suadas, pés gelados e garganta enforcada
Não quero saber de saber, O saber.
Quero o céu dos meus Currais brilhando sem parar à pilha.
Quero a presença calada de painho e sua alma sintonia "AM".
Quero um ar que não me tome, me preencha.

Não sei decorar poesia,
nem sei guardar a emoção
pra requentar no jantar.
Vivo agora, e amanhã,(?) talvez.

O que não posso nunca,
é esquecer das flores dos ipês,
que sempre brotarão
em minha alma.
Na alma da minha mais linda amizade
na alma do meu filho, João.

Na memória do cheiro de sabonete da roupa de mainha.
Segurança intra-uterina, patrocínio "lux luxo".
Sigo a noite me desfazendo em retalhos.

Quiçá um dia uma linda colcha.

-*-

Pelas retinas

Das carnes que se rasgam. Das feridas que se secam.
Dos olhos que profundam a imensidão em mim.
(Olhos de Diadorim, olhos de ressaca do mar, olhos de Capitu)

Olhos tristes que reportam às janelas antigas,
de almas velhas como o universo.
Almas que viram de tudo
por isso nada mais querem ver.

Olhos de tédio para o banal.

Olhos que inquietam
de tão parados no instante.
(câmeras se movimentam, mas o olhar continua, contínuo)

Percebo o tempo de uma perspectiva alternativa.
Eu, procurando os ”porquês”...
Em você, todas as respostas.

Nisso, horas correm, anos passam
E o brilho é verde opaco

O mistério é verde.

-*-

Êxtases de Teresa
E não gozo sem mar

Tudo em único gole
querendo morrer

ou

verter-me
nos lençóis de algodão
estampado.

-*-


Bulindo

Faço coisas que não quero.
São essas luas.
O desejo esquenta minha pele
revelando-me em luzes peroladas.
Adoeço aos tremores.

-*-

Dona Adélia.

Comigo-ninguém-pode
Cega!
Café com água é
para criança.
Seus primos tomam...

Ali, às três da tarde,
era o nosso lugar.
Todo dia.

E de lá e de banda
corria no batente de cimento
para vê-la fumar.

Cachimbo de avó.

Lembro dos pés
Lembro das mãos
e dos cheiros.

Sentada na cadeira branca
ainda mora em mim.

-*-

Too Late.

Foi tarde quando
em mim escreveu
o primeiro verso cansado
que de tanto já vivido
só lhe restava um definhado...
"Foi tarde".

-*-

...numa noite escura.

Entre perdidas, cá nos achamos.
Almas cansadas de tanto.
Somos duas, embora muitas.
Somos luas, inúmeras fases.

Te dou tudo que tenho.
Tudo de ar-água-terra-e-fogo.

Nunca basta.

Para seres encantados
são mil elementos
quatro, são os meus.

Já te vi dançar num filme
dos anos vinte.
E era eu e você naquela noite
em Viena.
Sobre o agora só o silêncio.
O que se diz das tempestades
em casas de palha?
Sim, isso é a vida.

Só quero mais quatro mil anos ao seu lado.

-*-

Tudo é vinho

A saudade
A música
A solidão
A tristeza
A casa vazia
As poesias antigas
Até o liquido da taça

-*-

Em cena.

Cheia de mar.
De mar na chuva.
De chuva no mar.

São brumas, ela disse.
Não eram.
Eram sonhos condensados
e transformados em gotas
sendo à tarde.

Era à chuva inundando
a roupa e a alma
que não secaram.

Azuis - cinzas
claros escuros
enormes e
vazios.

Efêmero momento
de se saber feliz.

-*-

A poesia resiste.
Nela me ponho a tentar ver
Tento olhar como se lente
Tento viver
Como se possível.

ADELIA DANIELLI – a poeta currais novense, Adelia Danielli, é um dos mais promissores nomes da atual poesia potiguar. Ela é estudante de Ciências Sociais da UFRN e há três anos edita o blog Estampada – Compulsão de escrever, onde ela reúne seus primorosos e belos poemas e eventuais crônicas. Imperdível.

VEJA MAIS
POETAS DO RIO GRANDE DO NORTE
GUIA DE POESIA