terça-feira, junho 02, 2009

POETAS DE SÃO PAULO



CLAUDIA BRINO

Apressei meus olhos em busca do real
E a verdade não veio
Escrevi a história de minhas digitais
No seu sexo
E não houve nenhum gozo
Senti quando do céu
A dor caiu
E se alojou na coluna vertebral da terra
Pedi para afastar essa luz velha e gentil
Da minha face
Mas não me entenderam
E para todo o sempre
A terra será o subterrâneo do céu.

Não prometa o dia de amanhã
Porque a ferrugem me corroi
Pois sou a própria mentira
Que inventaste
Hoje estou lúcida
Não sai catando migalhas de mim
Em meu delírio pergunto:
A alma da lâmpada é a luz?
Eu sei da verdade
De sermos pântano na verdade alheia
Quis escrever um poema no teu lábio
E
Por isso
Beijei-te.

O amanhã é a única família que temos
E o dia verdadeiro começa
Na entranha do desejo
E o amanhã já chove
No dia de hoje
Chove horas
Desesperadas e invisíveis.

Uma gota de desejo
Feito perfume
Desliza em sua pele jasmim
E a carne
Toda nua
Toda pura
Toda Eros
É uma ilha de fantasia
Eu mordo avidamente
Seu pensamento
E seu lábio me sorri
Não quero ressuscitar a dor do peixe
Mas preciso dizer:
Hoje a solidão de ontem
É algo inevitável.

Amarei o silencio
O silencio que meu coração
Cala
O silencio que minha alma
Revela
O silencio que toda carne
Clama
O silencio que toda vitima
Espera
O silencio que toda palavra
Ignora
O silencio da mosca
No prato
O silencio
Do meu rastro
O silencio
Do meu mistério

Sua mão cheia de malicia
Marca meu sexo
Sua mão em minha boca
Retira o beijo de ontem
Há entre nós a desilusão
Visceral de todo gozo
Há entre minhas pernas
Um mistério de mulher
Virgem e inacabada
Há entre minhas pernas
Um lugar que você pode
Chamar de lar
Fale comigo
Como se a palavra
Em crisálida
Estivesse em sua garganta.

Tenho em minhas mãos a ilusão obtusa
Que você deixou de presente
Desejo retirar da pele essa chuva
Desejo retirar da carne esse nada
Voce é apenas um pecado
A mais no meu diário
Às vezes
Sinto meu coração como
O infinito desperdiçado do mundo
Quero agora
Silenciar meu abandono
E repartir consigo
O segredo de ontem
Em sua pupila meu rosto é um pingo
No pensamento.

Dentro das horas
O som de delírio
Almas carnívoras
Invadem nossas bocas
E rugem no inferno
Fará alguma diferença
Se minha ausência
Habitar seu coração?
Meu olhar pecaminoso
Finge colher estrelas.

Quando a saudade chega
Não me entrego facilmente
Continuo almoçando
E jantando pesadelos
Quando a saudade chega
Como um eco
Cria em mim
Palavras mil
E de solidão em solidão
Fico surda
Cega
Muda
Mesmo assim
Não perco o rumo
Não tenho tempo
Para chorar ninharias
Quero o mundo inteiro
E um pouco mais

Houve um dia em que o pecado
Olhou-me e soltou sua gargalhada colorida
Minha cólera branca
Ficou nítida em toda sombra
E contemplei a ferida que se
Estendeu sobre minha memória
Sorvi gritos
Para manter a carne em vigília
Desejos solitários
Embalsamados na alma
Eram o cotidiano
De dias mal fadados.

Linguas alucinadas na boca
E alheia a tudo
Lanço confetes e serpentinas na transparência da lágrima
Somente assim eu sei
Que o carnaval é um apelo
Somente assim sinto
A fuga da esperança
Que de mãos dadas
Caminha no abismo
E crê no vazio do próprio eco.

As palavras saiam de sua boca
Como kamikazes.
Enquanto isso
Minhas mãos afagavam a eternidade.
Meu desejo mimava seu sonho
Minha vida é um cisco
No seu pensamento
Pássaros cantavam o apocalipse
De nosso amor
Não sabias mais das promessas
Feitas. Nosso encanto tornou-se
Desencontro no buquê de beijos antigos
Somente nossa sombra enluarada
Era testemunha da chuva
Que caira sobre o silencio.

CLAUDIA BRINO – a poeta e editora santista, Claudia Brino, é editora da revista poética e cultural “Cabeça Ativa”, do blog “Clique poético” do Clube de Poetas do Litoral – CPL e da revista Mirante – 27 anos o ícone da literatura santista. É autora dos livros “Zona 2000” publicado pela Scarpitta, em 1995 e Almas com fome, pelas Edições Costelas Felinas, em 2009. Dela diz Vieira Vivo: “Cláudia Brino em sua constante, profícua e incansável lide poética nos oferece, em Almas com Fome, a plasticidade da palavra enquanto tela para desnudar o âmago de situações onde o texto submerge de um emaranhado cataclísmico interior. A atmosfera extremamente densa e convulsa faz com que caminhemos através da leitura absorvendo seiva e sumo a cada imagem no sentido de adentrarmos aos nossos próprios labirintos emocionais. Dela diz Vieira Vivo: Os versos nos apresentam um eficaz, insistente e revelador diálogo onde a obscuridade insípida do cotidiano revela-se desnuda e indefesa ante a constatação concreta da passagem das horas em um ambiente envolto em reticências, omissões e silêncios. Por outro lado, o brado intrínseco na resolução poética, ao final do espasmo, revela-nos um súbito e surpreendente sentido direcional para onde a poeta conduz o desfecho sobrepondo-se à imagem gerada no espelho de seu próprio íntimo. A imagística de Cláudia Brino vem sendo destacada e analisada por literatos que a admiram com entusiástico e grato respeito. Narciso de Andrade escreveu em artigo publicado no jornal A Tribuna, de Santos: "Sabe dos caminhos ardentes do território poético onde vive em constante estado de choque. Sempre pronta para receber o mistério, transformá-lo e distribuí-lo em forma de poemas." O poeta Ernani Fraga revela, em extensa tese analítica, o fascínio que nutre sobre sua obra, onde ressalta: "Seus poemas são verdadeiros quadros abstratos de grande força e beleza, palpáveis com impressionante força interior". Há ainda, a ressaltar, o ofício da lapidação dos versos. Um labor meticuloso de artesã a enaltecer a coloração propícia de cada fonema no intuito de torná-lo, dentro da rítmica poética e do bailado das palavras, o condutor que desvendará aos leitores os mistérios interiores de seu ímpar universo”.

FONTE:
BRINO, Claudia. Almas com fome. São Paulo: Costelas Delinas, 2009.



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