quarta-feira, dezembro 01, 2010
DOMINGO GONZALEZ CRUZ: DOIS POETAS SEM VAIDADES LITERÁRIAS
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DOIS POETAS SEM VAIDADES LITERÁRIAS
Por Domingo Gonzalez Cruz
O poeta Armando Freitas Filho encontra-se no momento mais expressivo da caminhada literária. Após vivenciar técnicas diversificadas, sem deixar de ser ele mesmo (enquanto metalinguagem), Armando revela no livro “Lar,” o lado mais profundo de sua poesia.
Um poeta tem o direito de ensaiar seus instrumentos expressivos, para que possa inventar o amadurecer, sem deixar de ser sincero. Armando não escreve para alimentar seu ego, ou qualquer tipo de vaidade literária.
O poeta é um radar atento à vida, que o tempo apresenta em forma de poesia. Sem o exercício contínuo na escolha diária das palavras, ele não conseguirá objetivar sua sensibilidade perante as mudanças existenciais e estéticas.
Armando reinventa a realidade.
Isso não significa que ele será um teleguiado, imitando trajetos ou fórmulas anteriores ao Modernismo, ou depois dele, quando a liberdade de expressão formal tornou-se mais coloquial, experimental e/ou pirotécnica.
No estágio atual dos versos que escreve, Armando aborda qualquer tema com propriedade, “marca registrada”, demonstrando um talento persistente e obsessivo, o que não desmerece sua “luta corporal” com as palavras.
Quem não se comunica com a poesia dele, encontrará outros comunicadores, mas a qualidade literária não poderá ser desvalorizada naquilo que o autor de “Raro Mar” transmite com tanta competência racional. É um poeta reflexivo e corporal. Tudo para ele relaciona-se com estruturas corporais.
Mergulhando no universo corporal do livro “Lar,” é possível encontrar o “lar Freitas Filho”: palavra, palavra, palavra.
O telefone é de pele de tão sensível...
(Família, p.39).
Aí está um verso tipicamente “armandiano”, revelando as nuances temáticas da família que vive em sua memória, e da qual ele se aproxima para reler o distanciamento provocado pelo tempo perdido.
Os poetas parnasianos penteavam a Musa, criando versos rocambolescos. Armando “disseca a Musa”, sem perder de vista a coreografia “que não fede nem cheira”.
Escrever a partir da coreografia
difícil imposta pelo pensamento
do corpo: em pé, pisando firme.
(Solo, p.90)
Ele consegue escrever um soneto irreverente, onde a sintaxe derrapa em cada verso, como se estes fossem abismos inesperados. Palavras podem anunciar silêncios lúdicos. Armando distancia-se do formalismo à moda de João Cabral de Melo Neto, sem deixar de demonstrar sua admiração por esse grande artista da palavra.
Ferreira Gullar no seu livro mais recente, “Em alguma parte alguma”, exercita o lado imprevisível das palavras. Elas tornam-se meteoros, nebulosas, estrelas que explodem espantos sintáticos, semânticos, provocando novas dimensões espaciais do dizer (que não se diz totalmente) para redimensionar silêncios não detectados nos livros anteriores.
o espaço
é também
Idéia, pó
sibili
da
de de
impre
vistos
a
bis
mos
(Os fios de Weissmann, p.110)
Entre o espanto e o amadurecimento daquilo que não é essencial, o poeta reinventa os núcleos temáticos e sensitivos, revelando para o leitor, um lado cósmico, até então escondido.
Longe da influência dos poemas dramáticos (geniais!) escritos por Carlos Drummond de Andrade, Gullar aprofunda seu modo de ver o mundo caótico dos dias atuais.
A vida, apenas se sonha
que é plena, bela ou o que for.
por mais que nela se ponha
é o mesmo que nada por.
E com mais uma quadra, o poeta diz o que deseja, dispensando inquietações formais.
Pois é certo que o vivido
- na alegria ou desespero –
Como o gás é consumido...
Recomeçamos do zero. (Toada à toa, p.53}
Gullar revive a presença do gato simples, das bananas podres, do espanto cósmico, seres e coisas oscilando entre o estar e o não estar ocupando espaços, inclusive na mancha do papel. Ele renova sua poesia (que recomeça do zero), revoltando palavras que se transformam em palavrões para clarear o milagre da vida.
DOMINGO GONZALEZ CRUZ nasceu em Vigo, na Galícia, Espanha, em 1949. Publicou artigos e poemas nos suplementos literários dos jornais Tribuna da Imprensa, Minas Gerais, Araraquara, Correio das Artes e nas re¬vistas Poema Convidado (USA) e Encontros com a Civilização Brasileira. Em 1970, recebeu o prêmio de poesia moderna na Segunda Promoção de Poesia no Estado da Guanabara (Instituto Villa-Lobos). Bibliotecário aposentado do Serviço Público Federal, após trinta anos de trabalho na Fundação Casa de Rui Barbosa, recebeu em 1996 a Medalha Rui Barbosa, por sua contribuição ao desenvolvimento da cultura brasileira. Membro da Academia de Letras do Estado do Rio de Janeiro (Federação das Academias de Letras do Brasil). Lecionou na Escolinha de Arte do Brasil — fundada por Augusto Rodrigues e outros arte-educadores — e no Tear leitura e criação de texto. Atualmente, ministra palestras sobre cinema e educação nas escolas do Município do Rio de Janeiro — projeto do Cineduc. OBRAS PUBLICADAS: A História de Marta Mazzetti. Rio de Janeiro, Fundação Casa de Rui Barbosa, 1980. (Prêmio Alice Leonardos da Silva Lima – União Brasileira de Escritores.) A Casa de Rui Cheia de Encantos. Rio de Janeiro, Fundação Casa de Rui Barbosa,1995. (Poemas sobre a vida de Rui Barbosa.) Alfredina. Rio de Janeiro. Anuais, 1996. Recordações e Encantos da Rua Cosme Velho. Rio de Janeiro, Anuais. 1996. O Ateneu: (Crônica de Saudades.) Raul Pompéia, Rio de Janeiro, BVZ, 1998. (Adaptação livre para público jovem. Indicado pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil para o Catálogo da Feira de Bolonha – 1998 e “Altamente Recomendável” na categoria jovem.) No meio do caminho tinha Itabira: ensaio poético sobre as raízes itabiranas de Drummond. Rio de Janeiro, BVZ, 2000. Livros de poemas: Papel de Pouso, Vida Silenciosa, Passeios Noturnos. (Edições do autor.). O autor faz parte da equipe do Palavrarte.
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