quarta-feira, setembro 02, 2009

POETAS DE SÃO PAULO



DALILA TELES VERAS

TRILHOS

Os trilhos agregadores convocaram com seu apito os cidadãos ao trabalho e ao descanso. Isso foi antes, quando as cidades eram formadas ao seu redor e os homens distinguiam-se do gado, viajavam sentados a contemplar a paisagem. Não haviam aprendido o sentido da pressa. Um dia, antevendo outros verdes, o trem desapareceu e a cidade foi entregue ao automóvel e à vertigem da velocidade. Renderam-se todos, asfalticos, à voracidade dos lucros, fibras óticas, pedágios e multas – a vida vigiada e punida. Descarrilam os tempos e as vontades. O bonde da história corre em outros trilhos.

VIZINHA

Chove. Os pingos colam na poeira do vidro externo do elevador, formando um mapa imaginário da cidade entrevista, paisagem sobre a paisagem. A vizinha, o sol nos dentes, diz bom dia e a manhã e os verdes do jardim entram com ela no elevador e também dizem bom dia. Ao contrario daqueles que são o contrário e apressam o passo para evitar dizer bom dia, diz bom dia e realmente se faz bom o dia. A vizinha sai para o trabalho, com seu bom dia ensolarando o dia que amanheceu chuvoso.

RETRATOS

Serei eu
(naif, pontilhada, acadêmica
Desenhada, caricaturada)
Alma roubada
Aprisionada em
Tão dispares celas?

Sendo eu, já outra
Sendo outras, ainda sou
Serei eu?

SIMILIA SIMILIBUS CURENTUR

Repleta de pena e lágrimas
(ungüentos inúteis)
Venho, desconsolada,
Consolar-te.

Os semelhantes curam-se
Pelos semelhantes
O sofrimento cessa
Com outro sofrimento
(aposta desesperada)

COLECIONADOR

Cultivava silêncios
Breves semibreves longos
(guardava-se?)

SOLILÓQUIOS

De tanto ficar consigo
Dispensou as palavras

Bastavam-lhe os gestos
(batuta invisível)
A orquestrar o silencio.

MADRUGADA

Brusco
Um automóvel
Freia, o silencio
Volta, o sono não

A noite outra noite

AUSÊNCIA

Nesta manhã
Onde nem sequer
Um grito
O silencio deixado
Por outro silencio
É silencio
Ainda mais

O dia à frente
:
Intransponível.

PENSAMENTOS LUXURIOSOS

Pensava nele
Quando a seda do vestido
Tocou-lhe as coxas
Eriçando-lhe os pelos
(asas a roçar o espírito
Tocha a incendiar a carne)

Pensava nele

Quando a voz de Maria Callas
Alcançou nota mais aguda
- L´atra notte in fondo al mare –
Invocando Mefistofeles
(setas fálicas a zumbir junto aos ouvidos
Aromas de sândalo a embebedar os sentidos)

De tanto nele pensar
Devorou a si própria
Luxuriosamente
(espírito só carne)

DALILA TELES VERAS – Dalila Isabel Agrela Teles Veras (1946), é natural do Funchal, Ilha da Madeira, Portugal e vive no Brasil desde 1957. É autora de diversos livros de poesia, crônica e minudências. Colabora com crônicas, ensaios e textos literários para diversos jornais e revistas do Brasil e do exterior. É filiada à União Brasileira de Escritores de São Paulo, é vice-presidente do Instituto de Estudos Fernando Pessoa e co-fundadora do grupo Livrespaço de Poesia. É proprietária da Alpharrabio Livraria e Editora, em Santo André – SP.

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