sexta-feira, maio 23, 2008

PRIMEIRA REUNIÃO



Imagem: Praça Maurity, Palmares – PE - foto: Jornal O Olho.

POUCAS PALAVRAS E UMA DOR
(para Mauricio Melo Junior)

Luiz Alberto Machado

No arruado eu sonhava olhando com espanto pros trilhos pertinho da usina que não era sonhar, era o ganido da vida dos lêmures açucareiros e dos vultos insones que o Una bramia atrás da prefeitura
(catando futuro no meio do mundo eu não era Armstrong, mas vivia na lua e no jazz).
A gente cantava as vidraças gratuitas no meio da feira e no comercio com jeans e bugingangas e balangandãs com a incerteza no bolso e o futuro no olhar que virava noite candomblés cabarés misturando besouros e tinos e motos na Praça Maurity onde ontem teve uma briga de galo sob um sol enorme e isso custa a sair da moldura memória.
Bora gente, bora, bora, vamolá! Bora gente, bora. Nosso mundo conquistar!
E a conquista era utópica não valia um aceno nem cabia um verão, mas se estendia rua afora becos bairros acessos perimetrais, tinha ânimo de agüentar quantas peripécias doidas inventasse permitir depois de Japaranduba ou do arco-íris ou sei lá mais onde infernalém, além.
Nessa alma toda dentro desse bailar de vida verde louca inventada nas canções cantadas desafinadamente nos cartões postais do universo mágico dos rios e seus jangadeiros cundundas, acaris, traíras e bicheiros calungas meretrizes hierofantes farrapos feirantes rabecas e pastoris tudo num oxigênio pálido e clandestino num resplandecer de vultos viciados de vida e de morte que arreavam nas correntes que geravam vida breve e morte certa pelos currais, urgências, penitenciárias, nosocômios, cartórios e cemitérios num redemoinho que era vital e letal ao mesmo tempo para incandescerem e assim pertencerem aos episódios do éter!
Ainda vou e escuto o barulho do trovão sob a expectativa provável de ouvir de tarde ou a qualquer momento a efervescência radioativa de luniks sputiniks progress life napalms e bombas rasgando apocalipse e gênesis para emancipação de merda do homem com seus subterrâneos desvarios cravados nas leis mandamentos procedimentos manuais e na tabua da sorte sei lá que mais etc e tal.
Eu continuo só – a solidão é o hábito da noite – no meu mal secreto capaz de ouvir e entender estrelas e sonhando a vertigem de cair nos olhos de Clarice pela via crucis da alma nos laços de família quando ela encantadoramente me pergunta “Onde estiveste esta noite?” e eu ouvindo sua voz rouca arrastada entre os dentes no seu silêncio inatingível para me contar a paixão segundo GH na hora da estrela, na nossa felicidade clandestina, no centro de nossa cidade sitiada.
E eu vou e vivo voluntariamente nesta terra em que o sol jamais reconhecerá o ocaso e o meu espolio porque só tenho dores, eternamente dores para ter palavras e as palavras para acalentar as dores porque nas palavras eternamente a dor da palavra na fúria dos anos e na minha paixão whitimeana quando a noite desabou e o dia havia desabado junto e apagado a vela que o vento baniu a luz. E Lennon dizia “Imagine” e eu nem imaginava nada porque havia uma bomba oculta no telhado suspendendo os meus sentidos que estavam no meio das gatas que miavam a safadeza da escuridão no meio da noite e me diziam que o sonho havia acabado que Lennon desiludido e o sonho acabado e Lennon com o sonho acabado e nem se falava mais de paz e amor nem na Era de Aquário nem nada porque restava uma vida insone sobre os cadáveres da herança e havia deflagrado uma guerra na América Central e toda Europa estava comprometida e o mundo comprometido, a paz comprometida, o amor comprometido e o céu ainda estava azul mas pronto para virar cinzas na provisão dos meus sonhos que eu trazia a tiracolo. Os sonhos não morrem. E não é de sonhos que precisamos, mas de punhos! Ponto final.

© Luiz Alberto Machado. Direitos reservados.

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