sexta-feira, maio 02, 2008

PRIMEIRA REUNIÃO



Imagem: Cândido Portinari (1903-1962)

CRIANÇA

Para Priscila

Luiz Alberto Machado

Era eu criança e meu pai sorrindo e meu pai sofrendo e era meu pai e meu avô que me levavam pelos encantos da vida no sol
E nem era eu criança ainda quando meu pai foi adulto suficiente para me dizer o que nem previa na atmosfera louca desse carrossel em que vivi e se nasceu uma velha amizade nos olhos da vida.
E eu era um sonho com mundos vivos: medo, olhos e coração. E tudo foi suficiente em nada quando vi as verdadeiras poses de todos e as minhas mentiras no palco dos retalhos onde todos os perfis eram algozes e amigos ao mesmo tempo num transe de vendas e trocas que faz todos se afogarem.
E eu era uma criança e meu pai derrubando paredes engolindo espadas num banho de pedras na poeira do tempo.
Eu cresci, um menino perdido pelas estradas buraqueira solta que vivia além da vida e dos sonhos, apanhando, correndo, sorrindo, sofrendo e chorando.
E eu cresci e me vi criança e era meu filho no tráfego doido cabelo ao vento rindo de mim, rindo de mim, rindo de mim. Eu já passei e ele ficou nas palavras que engasguei porque nada sabia e ele sabia eu sabia nada sabíamos com o vento rumorejando nos telhados dessa noite que sou eu ignóbil e mãos e braços cansados.
E quando eu cresci eu me vi criança e era meu neto que era eu sorrindo afagando o cabelo grisalho e pesadelos perdidos no boi da cara preta que havia ficado no mata-burro da inocência e no meio da água-fogo no espelho da carne que sai doida como fera ferida com os olhos pro céu e aos tombos voa voa voa voa voa voavoavoa e dorme enquanto os versos pulam de boca amena no meio de uma rajada de sonhos que viram cinzas e não sei mais nada de mim nem de niguém
Eu mais cresci e a vida virou uma porrada na cara onde todo mundo era só brilhos falsos e um coração reluzindo.
E eu cresci e envelheci derrubando todos os muros, todas as paredes e removendo todas as pedras e a poeira nos lábios. Já nem sei acalentar meu filho porque só sei a criança dentro de mim.
Foi quando eu me vi criança e estava morto, sepultado na idade do tempo com os olhos voltados pro começo onde a criança me nasce esperança.

© Luiz Alberto Machado. Direitos reservados.

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