segunda-feira, maio 11, 2009

POETAS DE ALAGOAS



LUCIANO JOSÉ

TERRA BRASILIS

Pátria
Prato vazio
Patrimônio concentrado
Patrícios desprezados
Patrões obesos
Prazeres anulados
Sociedade brasileiramente desumana
Avança, Brasil!
Amplia sua dependência
Por todos os lados

COZINHA VIVA

Na cozinha viva
O pé da mesa tem chulé
A geladeira se comporta com frieza
A esponja anda se esfregando
A chaleira é puxa-saco
O sabão espuma de raiva
A panela vive sob pressão.

A REDE

Depois de engolir o cansaço
Ou permitir o gozo do sexo
A rede vomita gente de carne e osso.

PEDIDO REVELADOR

Domingo
Um casal
Uma cesta de piquenique
Um descuido
A pata faminta
Foi surpreendida por um tapa
Uma senhora
Que vestia uma bata falou:
Não bata na pata!
Nata só no corpo
Pata só na brasa
Tapa só na cama
Na hora do rala e rola
A boa e ingênua senhora
Pedia pata
Tirava a bata
E gozava trocando tapa.

CONFISSÃO

Juro a tu que nunca bem-te-vi tão bela
Beijando a flor de laranjeira
Perguntando se avestruz seria ema
E passarinhando a vida faceira.

DESCASO

Sob a frieza do mármore
Formas pétreas, gestos enrijecidos
Um coração que pulsa no silencio
O olhar fixo no vazio
Para manter a recusa em ordem
A estatua ignora qualquer pedido.

DESPREZO

Depois que resolver sair de casa
Virou menor abandonado
Cresceu, tornou-se marginalizado
Vivendo com base na lei do menor esforço
Foi acusado de vadiagem
E condenado a trabalhos forçados
Desprezado pela família e sem amigo
Não restou outra saída
Voltou para a rua, agora como mendigo.

GUARDA-ROUPA

No passado,
A caverna nos protegia
Dos predadores e carnívoros
Hoje,
O guarda-roupa nos salva
Dos caçadores de adúlteros.

MACHISMO NA BOIADA

Boi foi só
E ficou boi
Ando
Indo,
Não percebeu que o rio
Era de piranhas
Elas fizeram
Uma farra sem igual
Ao voltar,
Com hematomas e chupado,
A vaca cobrou uma explicação
Falou que o rio
Estava repleto de galhos e paus
Como aquela era a vaca,
O boi cumpriu sua missão
Cada boi tem a vaca que merece
E as piranhas que o enaltecem.

ONIPREPOTÊNCIA

Não saio sem minha pistola!
Com o talão de cheques não conheço breque!
Faço questão: primeiro meu pirão!
Só um detalhe: não me inveje, trabalhe!
(Diante disso
Deus que tudo vê e pode,
Começou a adorar a nova divindade).

FAMILIA UNIDA

O pai tem a vista curta
A mãe só enxerga de óculos
O filho, pela pouca idade, vê apenas vultos
Todos, em noite de lua cheia, naquela casa,
Costumar cruzar com fantasmas.

O ÚNICO SOBREVIVENTE

Após a hecatombe
Que fez nascer o extermínio
Sobrou o apelo e o lamento do único sobrevivente.
Os humanos conseguiram superar a si mesmos.
Nunca a relação poder-ignorancia esteve tão próxima.
Em meio aos escombros, ao caos generalizado
Sua tristeza superava qualquer fato consumado.
Nosso destino auto-destrutivo fedia como carniça.
A única vida que restou perdeu sua graça.

GLOSSÁRIO

Antropoforrobodologia – ciência do rala-bucho
Dormilantologia – investiga o sono dos vigias
Janela indiscreta – Hitchcock e voyeurismo
Poesia concreta – publicidade e urbanismo
SOS peixe-boi marinho – preservação ambiental
Sadia e Zé Gotinha – paralisia social
Hendrix e Joplin – dose letal
Roleta russa – instante fatal
Whisky paraguaio – cabeça inchada
Revista pornô – pornochanchada
Joelho de porco – rock e buchada
Menor idade – criança
Maior idade – adeus infância!
Terceira idade – está chegando a hora
Melhor idade – aqui e agora
Academia – malhação
TV – unilateral comunicação
Globo e você – nada a ver.

IMPORTANCIA

Que importa manter a consciência
Se a insanidade ocupa cada esquina
Que importa cruzar com a falência
Se nossos negócios vão de vento em popa
Que importa ficar alerta
Se a violência nos paralisa
Que importa tanta estratégia
Se a batalha nos assusta
Que importa toda essa pressa
Se nossa vida é feita de preguiça
O que importa é não dá importância
A gente de mente torta
Que se distrai com a ganância
O que importa
É aproveitar cada momento
Antes que a Ines esteja morta.

MAGIA DA ARTE

A prosa que lhe conto
Vira romance,
Transforma-se em poesia
E realiza encanto.
A peça que lhe narro
Se disfarça em música
Converte-se em cordel
E de tudo tira sarro.

CAMARALENTA

A camareira
Que aprecia cana,
Prepara a cama
Do camarada.
Mas de nada vale
O esforço do mordomo
Se a cama do dono
Resolve dormir
Mais que o cara.
Camarada cama, arada
Apreciada pela coluna
Pois até o peixe,
Que costuma usar
Um pijama de escama,
Adotou a água
Sua eterna cama.

PRESSA

Alguem queria fazer
Uma pesquisa na Internet
A pressa era tanta
E a desorientação mais ainda
Que ao invés de navegar
Acabou naufragando.

EXÓTICO

Tatuei tatu na testa
Gostei quando andei de besta
Bebi toda bebida da festa
Gritei gol na hora da cesta
Estive em casa na floresta
Trabalhei na noite de sexta
Adotei o que o outro detesta
E entendi....
Ser diferente é o que nos resta.

MEIO TERMO

Meia noite, ao leito
Meio dia, almoço
Meio tonto, permaneço
Meio sem graça, vivo.

COMUNICAÇÃO

O sapo durante a sesta
Coaxa, coaxa sem parar
Até que outro se manifesta
Deixando o brejo a brilhar
Além do sapo e do Tejo
Saborear o desejo
É coisa de bicho vivo
Que quer espantar o tédio
Cometer intenso assedio
E comer a casca do figo.

VÍRGULA

A despeito da ousadia
De toda vanguarda
Que desafia as formas
E se deleita com o absurdo
Eu pago para ver
A presença de uma virgula
Que ao embrenhar-se
Nos confins de um período
É capaz de despertar
Sua ambigüidade.

MULHERES FATAIS

Diva está sem perspectiva
Raquel diverte-se no bordel
Creusa parece uma deusa
Brida anda meio sofrida
Ana engana que ama
Lucia fica alucinada
Margarida chora amargurada
Janete pinta bem o sete
Graça se entrega na praça
Leonor com todos faz amor.
(Trocando em miúdos:
Mulheres fatais
Enlouquecem
Qualquer rapaz).

INDISCRETO

Dutra
Lê o Kama Sutra
Se empolga
E leva pra cama Olga
Cansado da peleja
Bebe algumas cervejas
Fica contente
E conta tudo pra gente.

INTENÇÃO OBSCURA

Conheci uma morena
Que encantava só por ser
Parecia ter código de barras
Conversei vários dias
Mantive inúmeros contatos
Para descobrir o modo de usar
Enquanto isso
Ela fazia caras e bocas
Como se dissesse
“cuidado, é frágil!”.
Tentei um gesto fortuito
Estabeleci uma ligação gratuita
No final
Seus olhos pareciam indicar
“antes de usar, leia o manual”
O tempo passou
Não descobri seu segredo
Perdi o prazo de validade
Me aborreci, me zanguei
Sucumbi de saudade
Depois entendi sua intenção:
Queria mostrar-me que era única
Que não possuía embalagem reciclada
Que poderia ser minha
Desde que apreciada com moderação
Fiquei encalhado
Decretei falência e aprendi
“Com morena faceira não se brinca”.

SURPRESA

Alguns dizem que
Protocolo não é para ser cumprido
É para ser quebrado
Imagino um discípulo de Osama Bin Laden
Participando de uma solenidade de formatura
Chamado para compor a mesa
Com cognome e disfarçado.
Ele espera pacientemente...
Na hora de entregar o canudo ao formando
Adivinha?
Nada ficou de pé,
Era apenas um explosivo.

EXIGENCIA

Assino aquilo que não vejo
Arriscando-me a ser apanhado
Pela malha fina do desejo
Sonego aquilo que não toco
Admitindo ser o afeto
Algo que só nasce in loco
Recuso aquilo que não dá gozo
Esperando ser seu corpo
Meu campo de pouso.

UTOPIA

Trabalhamos para consumir
Consumimos para nos satisfazer
Os caminhos que nos levam à satisfação
São variados
O sistema se organiza para um fim:
Consuma – mesmo sem precisar
O dinheiro é pouco
A vontade é muita
A necessidade nem tanto
Não há vida nessa lógica
Só a utopia pode nos redimir.

EXERCICIO

Fazer versos
É escolher grãos que irão à panela
Idéias revisitadas, sentimentos remoídos
Alterando a ordem dos fatos
Permitindo dizer o indizível
Densamente absorvido
Pelos ossos do oficio
Claro-escuro, lunático, inconcluso
Enjoado com as ondas da nauseante existência
Cativo do tempo, corro contra o vento
E chego ao pódio pensando na próxima vitoria
Ou ao inevitável erro, reverso da medalha.

A ÓTICA DE EROS

Começa assim....
Os olhares se comunicam de forma telepática
Palavras são ditas, enquanto a libido é despertada.
As mãos suprem o vazio buscando as formas
Lábios sedentos, socorridos pelas línguas
Bocas se encontram em beijos ardentes
Cabelos são puxados e costas arranhadas
Os ouvidos se deleitam
Com sussurros e palavras obscenas
Corpos suados se perdem em carícias
Genitais se apoderam um do outro
Movimentos repetitivos, camas a ranger
E de repente gemidos entram em cena
Às vezes gritos de gozo
Depois, o que resta
São lençóis manchados
E um sono profundo
Ai, como é bom!



LUCIANO JOSÉ BARBOSA DA ROCHA – formado em filosofia pela Universidade Federal de Alagoas, é professor da Universidade Estadual de Alagoas – UNEAL, Campus III, Palmeira dos Indios. É autor dos livros “Intromissão do poema”, 2006, e “Grãos de versos”, 2008. Dele diz a professora da UFAL, Marcia Felix: “(...) A visualidade dos seus poemas, utilizando formas poeticas livres, fixas e gráficas, promovem uma plasticidade deliciosa através das experimentações efetuadas, bem como pelas possibilidades de construções concretas de suas poesias (....) deflagra toda a maturidade de sua obra e confirma que é impossível não ser intrometida por seus valiosos poemas”. Também Marcos de Farias Costa fala: “Grãos de versos pode ser grãos diversos onde se subentende grãos como gônadas (mônadas) e os versos como a cadeia que replica e gera o poema. Grão lembra semente e, por contágio semântico, sêmen: eis uma leitura feita por quem desconfia até da própria medula, visualizando esta poesia que se quer erótica ao tempo que deflagra um lirismo que tem como interface o processo de se pôr letra em musica. Grãos diversos (grãos de versos) homologa a heterolateralidade, pois o poeta sabe que ser diferente é o que nos resta, e deve saber também que nem sempre cabe no real o que se resolve em um poema (...)”. Da minha parte digo que Luciano José é um poeta que sabe do seu oficio, com zelo, graça e talento. Parabens, Luciano!




FONTES:
JOSÉ, LUCIANO. Grãos de versos. Maceió: Catavento, 2008.
______. Intromissão do poema. Maceio: Catavento, 2006.

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