segunda-feira, abril 06, 2009

POETAS DE ALAGOAS



EMANUEL GALVÃO

CANA-DE-AÇÚCAR

A foice que decepa a cana
Deixa em mim as cicatrizes.
O meu patrão deitado em berço esplêndido
Quando pisa o chão com botina,
Pisa onde deitei raízes,
Onde forrei minha esteira,
Pra descansar o corpo moído
Da minha dura rotina.
Que tal qual a cana ficou um bagaço.
Pro meu patrão o mel,
Mas, pra mim, melaço.
Meu trabalho,
A vida do meu patrão adoçou
Enquanto a minha, amargou.
No escorrer dos dias
Pra esquecer da dor
E viver umas alegrias,
Eu bebi cachaça
E acabei em cana.
E fui amassado pelas autoridades
Enquadrado na marginalidade
Em que já vivia.
Eu fui remoído
Já no meu bagaço
De cana.
Fim de semana,
Meu patrão descansa seu cansaço
Feito de pensar exaustivo.
Pensa logo existe e está vivo.
E no meu cansaço de viver sem reclamar,
Penso o meu existir
Lamentando o meu pensar.
Acho mesmo que essa vida
É um engenho
Em que uns são duros como aço,
Outros duros feito a cana,
Uns nasceram pra ser bacana,
Outros pra ser bagaço.
Mas seja qual for a peleja,
Essa vida tem beleza
E se necessário for
Redobrar o desempenho,
Castigar no meu labor
E fazer mais mel de engenho,
Cachaça e rapadura,
Pois vida assim tão dura
Necessita mais de amor,
Mais carinho,
Mais cuidado,
Então pelo meu caminho
Mesmo que amassado
Quero dar mais sabor
A quem labuta ao meu lado.

DOS EXCLUIDOS

Ó Pátria minha! Mãe gentil
Teu filho pede esmola,
Pede escola,
Pede pão,
Que voz horrível é essa?
Será vossa?
A voz que me diz...
Não.
Ó Patria minha! Mãe gentil... pariste.
Pra quê?
Te filho que não foge à luta!
Porque não ouves meu brado retumbante?
Acaso sou eu filho da.... outra?
Ò Patria minha e tão distante dos meus sonhos
Mãe que me pariste.
Pra quê?
Para deixar-me só e triste?
Não é a ti que me oponho...
Teus donos, teus amantes
Vindo de terras distantes
Deitar em teu berço esplêndido
Sugar com força tuas tetas
- palavras doces, frases belas, mutretas –
Ó Pátria minha, mãe! Comeste?
Pois que teu filho passa fome.
Mas, se ergue da justiça a clava forte,
Verás que um filho teu não foge à luta,
Mesmo que entregue à própria sorte
é feito teu... e não da.... outra.
Ó Pátria amada idolatrada.
Salve, salve...
Enquanto há tempo.
Porque a paz ta no futuro
E tua gloria no passado.
E o discursos dos que finge que te amam...
Ultrapassado.
Se o teu futuro espelha esta grandeza
Volta tua face à pobreza
Terra adorada
Não vês que mascarada é a face da nobreza
Que gasta tua riqueza com prostituta
Mandando para fora teu bem mais precioso...
Deixando à margem os sonhos do teu povo.
Se o teu futuro espelha essa grandeza
E o teu presente é duvida e incerteza
Olha pra quem trabalha e não foge à luta
A quem é filho teu e não da... outra.
Embriagado eternamente em beco esplendido
Ao som da barriga a reclamar
E o sono profundo...
Da inercia.
Fulguras ó mãe gentil
Temporão da América
Iludindo sem piedade a todo mundo.
O meu amor por ti, me faz seguir adiante.
E é por amor que o coração diz: cante
É por saber-me vencedor, mesmo vencido.
Que ergo da injustiça com voz forte
Falando pelos meus pares excluídos
Um brado que ecoe retumbante.

GEOGRAFIA

Porque sempre me acho perdido no teu corpo?
- Latitude, longitude e atitude... cínica.

EM PESSOA

Revesti minha poesia
De verbetes reluzentes
Que brilhem fundo n´almas
E as iluminem inteiramente.
Mas a canção que acalma
É a mesma da dor contundente
Às vezes, métrica e rima
Às vezes, apenas repente
Às vezes, verdade e razão
Outras tantas, transcendente
Realidade que mente
Por vezes, pura ilusão
Coração que se ressente
Mas o poeta fingidor,
Na dor que deveras sente,
Sentimento e reflexão,
Quer ser mente e coração
E ai que apenas mente.

IRRESPONSAVEL CORAÇÃO

Preso por vontade
Pode o coração querer liberdade
Mas, por ser irresponsável coração
Bate lento na saudade
Pois que avesso à solidão
Acelera por maldade
Quando da tua aproximação.
Esse mesmo coração que vai parar
Um dia
Bate com força e alegria
Cadenciando essa estonteante emoção
E não adianta querer explicar
Se o coração foi feito para amar
Ou para a volúpia da paixão
Este irresponsável um dia vai parar
Para seu alivio, e nosso desespero e dor.
Por isso, se haveremos de morrer
Que seja como um vingar
Essa loucura que é amar
Ceder ao desejo e num torpor
Fender seu peito e se dar
Alma, corpo, coração
E, no êxtase dessa desorientação
Morrer enfim, de tanto amar.

SEIO

Um descuido
E teu seio sensualmente
Mostra-se mais belo
Que sob tua blusa transparente
E por sabê-los
São mais belos que em meus sonhos
Sei-o mais belo, pois o vejo.
Escondes de meu devaneio
O teu seio com pudor
Ocultas bem mais dentro, no seio,
Teu segredo adolescente, teu desejo
- Um carinho, uma caricia, um amor –
Ajeitas a blusa com receio
Que saiba mais que o seio.

MATEMÁTICA

Um
Dois
Três
Quatro...
O numero é infinito
O meu amor por você também
Pena que não saiba contar
Medo de ser reprovado na tabuada
Amor que não se revela
Não vale...
Noves fora nada.

A PRIMEIRA MULHER

Os olhos nos olhos e a boca molhada
Quanto tempo separa os lábios do beijo?
Pensava eu, no frenesi do desejo
Tu vendo-me amigo, eu vendo-te amada.
No disfarce, meus olhos correram tua coxa
E teu decote: janela indiscreta dos seios.
Meus tímidos olhos, cheios de anseios,
Tu vendo-me menino, eu vendo-te moça.
Eu que nunca havia namorado.
Devagarinho abria, tão maravilhado
Como a um tesouro, teu fecho éclair.
Nossos corpos nus e bem unidos.
Nunca fomos mais do que amigos.
Mas, fostes, para mim: a primeira mulher.

EMANUEL LOPES FERREIRA GALVÃO – o poeta alagoano de União dos Palmares, Emanuel Galvão, é formado em Educação Artistica pelo CESMAC e fez pos-graduação em Artes plásticas. Ele é professor, pintor e escultor. Publicou em 2007 seu primeiro livro de poemas “Flor atrevida”.

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