terça-feira, abril 21, 2009

POETAS DO RIO DE JANEIRO



LÉA MADUREIRA

REFÚGIOS

Ouvi tocar tambores em cena
Asa na mão veste branca
Regiamente descalça
Ouvi tocar tambores
Na incompletude de quintais
Largos refúgios
A boca não fala o que o corpo
Sorve na fome do tempo
Resistência estóica
Sob o silêncio
- da veste branca aos tambores –
Ouvi o discreto pulsar
Da permanência.

IMAGINÁRIO

Espaço e ponto e linha
no canto do muro
roucas cigarras
nas folhas e galhos
Inertes ao chão
Entre teares e teias
sementes e gravetos
matéria dos passos
em teto de vidro
Pássaros e pipas
alinham poemas
na ponta dos bicos
Crisálidas escondidas na seda.

INVENTÁRIO

Escorre a memória
Entre assembléias – o pátio
Livre cátedra transpira idéias embates
Aos cavalos chão de bilhas
Aos heróis cangalha e exílio
Desafios de pele
Eriçando atalhos
Descoberta de muito ou quase amor
A musse de chocolate
Indaga o desejo da boca
Café pingado aos recém-libertários
Passam velhos companheiros
E também passarinheiros
Veneno de algoz no mármore
Do futuro seqüestrado
Casamentos batizados
Nudez em travessias.

HERANÇA

Sob a sola dos pés, varando a rua,
Sombrio apito a lamentar corria
Do trem de Tiradentes, cheia de lua
d. João, El Rey, léguas ao pó media.
Arrasta correntes, o antigo estorvo
Ladeira abaixo, ausente a simetria
Modelo imposto pesa e tripudia.
A morte cantando em linguagem dócil,
Das ruas, salões – estranho contraste –
Emerge em duelo, ironia e ócio.
Como fechar coloniais janelas
Se ao vil aplauso cedo as condenaste?
Reais espinhos... tão cruéis seqüelas!

CANTO DI TIÉ

O tié-sangue o canto derrama
Nas mãos vazias de terra
Galhos sem tronco
Asas ceifadas
Ao grito de resistência
Raiz cerzida n´alma do tempo
Divisor d´agua no estio
Segando arestas dos excluídos
Crestada agonia no peito do tié.

DESPOVOADO

Casario
Distante miragem entregue à sede
O descaso – moléstia do tempo –
Devasta a fala
De pedra são os ombros
Os ossos a sombra dos passos
Na encruzilhada dos pés
- diáspora –
Perdida faina.

PONTO ZERO

Serapião carreou-se pela charneca
Noite adentrou.... luar luou
Nunca se viu tanta estrela assim no chão!
Um tiro a queda o rastro
Lamparina lambeu em queimada
Serapião emergiu no breu da noite, encantado.

JOGOS

Parceiros desfeitos...
Descalças memórias
Ao pé da cama.
Espelhos, perfume
Escova espalhados e a colcha no chão.
Chinelos, aos cantos
- os quatro –
Do quarto
Crianças tropeçam
Em jogos quebrados.

LÉA MADUREIRA - é professora de história, poeta, membro da Comissão Editorial do Jornal Poesia Viva e da Uapê Revista de Cultura. O livro de Léa Madureira, Por não haver navegado, reúne os quatro elementos básicos que vão constituir o fluxo da própria realidade na sua poesia. Eles revelam o modo de ser e de criar da poeta. Da Água vêm as origens, o mergulho na infância; o Ar leva a existência aos processos de mudança; o Fogo vem incensar os ideais com o vigor da sua erupção e a Terra dá a medida do mundo, semeando, penetrando, enraizando. Para cada um desses elementos o leitor vai encontrar um espaço para exercitar sua própria criação, como uma degustação dos sentidos experimentados a cada momento do livro. Uma página em branco que, ao ser tocada, mexida, riscada vai configurar o nascimento de um novo livro, que passa a existir a partir do encontro do leitor fruidor com a autora que o convida a navegar.

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