sexta-feira, março 13, 2009
O TRÂMITE DA SOLIDÃO
Imagem: Bruna I, de DDiarte, fotógrafos madeirenses Zé Diogo e Diamantino Jesus.
O CULTO DA ROSA
(canção à flor, mulher amada)
Luiz Alberto Machado
Era uma vez e o tempo presente nos prazeres tardios, ah minha alma da vida inventando horizontes, rainha das flores de Safo se desmanchando em doçura nua com seu buquê de açucena na pele quente que semeia a beleza e acode a minha alegria.
Era uma vez, duas vezes com todo encantamento da sua nudez que enche a maré de suspiros apertados e eu sentinela viro o inseto que leva o grão de pólen como o pombo com as águas de céu e inferno para ser o adepto mais fiel do seu coração beija-flor.
Era uma vez, duas, três vezes e ela nua bole e eu mexo o flagrante anímico de Deus, tiro o doce e deixo o leite na herbácea perene, deusa dos meus sonhos, perfume mais fino que possa existir no teor mais metafísico dessa imanência.
Ah e dela sinto o mais leve olor ao alcançar o gineceu de beleza incomparável, de variedade trepadora na instalação do etéreo emanar na manhã e divina de jardim perfumado de desejo.
É ela que me leva pelo aroma da de Sharom, a santificada por Salomão no Cântico dos Cânticos.
É ela que possui a realeza da de Hélios e a das sessenta pétalas dos jardins de Midas que figuraram nas armas dos heróis da guerra de Tróia.
É ela que vem de sobra e fartura no meu verso aprumado com as que desapareceram dos jardins suspensos da Babilônia, como a das águas que Vênus embalsamou o corpo de Aquiles, como a que coroou o soldado romano depois da queda de Cartago.
É ela nua que vaza e faz paga como quem deve com toda a essência da que é Príncipe Negro, o negro que é vermelho bem escuro.
É ela destinatária de tudo que vem se aninhar em mim com o cheiro da santa de Viterbo, como a que fora proibida pelo pai de dar esmolas aos pobres.
É ela nua radiante que me retém com o incenso da Chá, Sinensis, a mais antiga oriunda da China, como a Azimutal Sideral que auxiliou a navegar o Índico sob as estrelas de distâncias polares no rumo do horizonte.
É ela que me detém com jeito atrevida e nua como a seiva da dos gregos, nos rumos da Torre dos Ventos, chamada Rhodon, ou como a Rústica de Giulio Cesare Cortese; ou como a que o lapidário inspirado homenageia a Holanda ou Antuérpia pra encher os olhos do polidor de diamantes.
Ela que vem nua e linda como a Mística, como a santificada de Isabel, como a Santa-Maria, como a da chuva do Vaticano, como a das meninas recém-nascidas.
Ela que vem nua e linda com todas as honras de rainha para que eu, Tagore inflamado, saiba: "passando de folhas para flores porque começaram a amar..."
É ela nua e linda que vem se aninhar em mim com o orvalho da do Ouro do Papa Gregório II; como a da Rainha Josefina, como a das pedras no quintal, como a que o rodólogo, exímio amante, multiplica com sua dedicação.
É ela que nua e linda vara as noites no nosso proscênio de gestos fartos, com toda a sedução da Azul utópica, como a de Hildesheim, de mil anos, como a da guerra de York e Lancaster, como de Joaquim Fontes que está comigo.
É ela que vem no olho do furacão acontecendo nos meus dias como a Gallica, de propriedades medicinais; como a de Malherbe, como a dos tesouros da moura encantada que não desmente o que promete nem retoma o que dá.
É ela que me oferece toda safra de algodão dos seus mimos com a graciosidade da Malvácea Aurora em sua metamorfose durante todo o dia até sabê-la Amor-de-Homem.
É ela inquieta e nua que não cessa nem sacia a enchente do meu gozo com toda a maravilha da Brinco-de-Rainha, como a Malva, como a Super-Star, como a do monte dos Alpes, como a Altéia que me cura com seu amor e ainda me farta a fome, a Geléia Rosela, a Caruru Azedo.
É ela que acontece na peleja e me detém no truque de toda formosura da de Lima, a primeira santa nativa do continente americano, simples deidade peruana.
É ela com toda teimosia de carnaval na manhã clara que me enfeitiça como a de Bokor e a jovem princesa apaixonada pelo oficial japonês no extinto cinema cambojano.
É ela que me embriaga como a da cachaça com erva doce, canela em pau, cravo e calda grossa de açúcar: a do Sol.
É ela que me seduz como a dos ventos do lirismo erótico da poetisa uruguaia Juana Hernandez de Ibarbourou, a Juana de América.
É ela que me deixa ao deus-dará como a de Yeats, o homem que sonhava com o país das fadas e escrevia versos para quando ficar velho.
É ela que se enrosca roçando a minha pele como a acetinada de Engandi, nos versos que viraram estudo psicozoológicos do guatemalteco Arévalo Martinez.
É ela a de Cem Folhas do poeta galego Ramon Cabanillas, a da Cruz do poeta russo Blok, a de Luxemburg com o sonho abatido à bala.
É ela a do Povo de Drummond, a de Raoom, a rosa rosa, todas numa só que é uma só: a rosa é ela.
© Luiz Alberto Machado. Direitos reservados.
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