quinta-feira, março 12, 2009

POETAS DE PERNAMBUCO



MARIANE BIGIO NASCIMENTO

O SEIXO ENCANTADO

(1)

Pelo ir e vir das ondas

Depois de seca a maré

Um seixo esverdeado

Encrustrou-se em meu pé

Qual formoso e brilhante!

Será pedra ou diamante?

Chegou a cegar-me, até!

(2)

Revolto o Mar cresceu

Intentava me engolir

Afastei-me de um salto

Seu rancor eu pude ouvir

Eu roubara um tesouro

E tão forte qual um touro

Vinha ele me extinguir

(3)

- Grande Azul! sou filho teu!

por que queres me matar?

Dou-te flores em dezembro

E a ti venho louvar

Uma pedra, tão pequena

Perdoai – me! Tenha pena!

Mas com ela irei ficar

(4)

Tive um sonho em que usava

Um colar cujo pingente

Era esse seixo verde

Que reluz tremendamente

Garantiu-me muita sorte

Fez-me o homem mais forte

E o mais inteligente

(5)

Avistei uma jangada

A dez braçadas dali

A mim se oferecia

Fui a ela, não temi

Toras de madeira bruta

Naveguei ´té uma gruta

Dentro da qual me meti

(6)

E ali estupefato

Eu olhava o local

Tanto brilho! Tantas cores!

Nunca vi nada igual

As paredes e o teto

Tudo de seixos repleto

Oh! Visão celestial!

(7)

Foi então, caros amigos

Que a gana dominou

Sem pensar, recolhi outros

O que eu tinha não bastou

Quando, tarde, dei por mim

Pensei : este é meu fim!

A jangada o Mar levou

(8)

E como achasse pouco

Algo mais aconteceu

As paredes se racharam

Tudo ali estremeceu

Grandes blocos despencaram

E à passagem cercaram

Para desespero meu

(9)

Eu fiquei ali sozinho

E quase sem enxergar

Não fossem as tais pedrinhas

Que teimavam em piscar

Quando ouvi um leve canto

Cessou todo o meu pranto

E me fez regozijar!

(10)

O coro se aproximava

Na água um farfalhar

Eram vozes femininas

Em um tom mui singular

O seu canto era um conto

Que narrava o confronto

Entre os homens e o Mar

(11)

- Nós somos as moças d´água

Somos filhas d´oceano

Nosso pai há muito sofre

Com o poluir insano

Roubos e exploração

Que causam degradação

Por parte do ser humano

(12)

Enquanto cantarolavam

As moçoilas sinuosas

Arrancavam uma dupla

De pedrinhas bem lustrosas

E eu a mim perguntava

O que ali se passava

Com as belas escamosas

(13)

Cada uma com um par

De seixinhos delicados

Colocaram-nos nas faces

Onde foram fixados

- Todas cegas, somos nós

Disseram a uma voz

Os olhos iluminados

(14)

E assim me explicaram:

-Nós apenas enxergamos

Quando pares dessas pedras

Da caverna retiramos

Os homens, sim, as usurpam

E as ondas as deturpam...

E cegas nós definhamos!

(15)

Todo dia ao pôr-do-Sol

Nos chegamos a nadar

Apanhamos nossos “olhos”

Nossas pedras de “enxergar”

Devolvemos na aurora

Ansiosas pela hora

De, enfim, poder voltar

(16)

“É só um pequeno seixo”

Podes tu até pensar

Mas se todos o fizerem

Qual! Nenhum há de restar!

Será sempre escuridão

Não teremos mais visão

Eterno lamuriar

(17)

Eu senti-me tão malvado

Achei-me entristecido

Fiz sofrer tão belos seres

Filhas desse Mar querido

Mas lembrei-me do colar

Pus me logo a chorar

- Ai meu Deus estou perdido!

(18)

Eu lhes falei do meu sonho

Do colar que eu queria

Senti ser o meu destino

E usá-lo deveria...

Só assim o meu futuro

Não seria obscuro

Sim repleto de alegria!

(19)

Uma moça então me disse

- Caso resolvas manter

Uma pedra só que seja

Certamente irás morrer

Nosso pai é vingativo

Teu futuro é negativo

Se tu não a devolver

(20)

- Eu cá tenho uma idéia

Disse uma das mocinhas

- Tu farás o teu colar...

Chega dessas ladainhas!

Mas em cada Sol poente

Solte-o bem na corrente

Onde nadam as tainhas

(21)

Pelo pai nós te juramos

E Em cada Sol nascente

Terás o teu seixo verde

Voltando pela corrente

Mas tu tens de prometer

Além disso,proteger

Nosso Mar e nossa gente

(22)

Falarás aos conterrâneos

Que as águas são sagradas

Não permitas nossa flora,

Nossa fauna, depredadas

Tu serás um guardião

Barrarás qualquer ladrão

Nos deixando descansadas

(23)

Eu, é claro, assenti

Apesar de atordoado

Estava muito ciente

Do que havia acordado

Eu garanti devolver

A pedra no entardecer

E do Mar ser um soldado

(24)

E assim aconteceu...

Fui morar perto do Mar

Sentindo a brisa fresca

Nas manhãs, ao acordar.

Ali fiz o meu plantão

E por tudo, qual um cão

Eu me punha a zelar

(25)

O seixo (se) ia e vinha

Por aquela correnteza

Nosso trato foi cumprido

Disso tenham a certeza

O colar me fez feliz

Não do jeito que eu quis

Mas segundo a natureza

(26)

Com uma das moças d´água

Finalmente me casei

Num barquinho carregado

De flores que cultivei

Pelas tardes nos amamos

Quase sempre celebramos

O dia que a desposei

(27)

Sempre quando é Lua cheia

Na praia nos agrupamos

Fazemos a grande roda

E pelas mãos nos ligamos

Um canto a entoar

(a fogueira a crepitar)

E juntos nós cirandamos...

* pedrinha, oiá, pedrinha,

pedrinha do meu colar

teu brilho cegou-me os olhos, pedrinha,

lá no fundo do Mar...
** Iaiá me dá teu remo

teu remo pra eu remar

meu remo caiu, quebrou-se Iaiá,

lá no alto do Mar...

pedrinha, oiá, pedrinha...

*versão autoral.

**versão original da ciranda de domínio público.

A MÃE QUE PARIU O MUNDO

(1)

Essa história é contada

Pela crença popular

Duma vila abandonada

Na Estrada do Pilar

Da cidade de Tetéu

Distrito de Cachumbá.

(2)

Antes era o universo

Um vão negro de dar dó

Tinha nada, só estrelas

Feitas de brilhante pó

Espalhadas pelo Vento

Que então reinava só.

(3)

O Senhor do Infinito

Cansou da escuridão

Teve idéia de fazer

A grande rebelião:

Roubou uma das estrelas

E a pôs em sua mão

(4)

Disse: estrela!oh, estrela!

Me cansei de ser sozinho

Nem o Vento é meu amigo

Pois é rei e é mesquinho

E também cansei do preto,

Que enegrece meu caminho

(5)

Sou Senhor do Infinito!

Quero muito colorir!

O universo é a tela

E de ti há de surgir

A mais prima obra-prima

O Mundo irás parir!

(6)

Nessa hora, emocionado

O Senhor lacrimejou

Uma água doce , cálida

Pela face lhe rolou

Pranto-sumo, seiva bruta

À estrela alimentou.

(7)

Esta fez-se então mulher

Com os seios volumosos

Com as ancas abarcantes

Os quadris voluptuosos

Já no âmago levava

Os pinguinhos preciosos...

(8)

O choro fertilizante

Já a tinha invadido

O seu corpo estremecia

Totalmente possuído

Por prazer e por torpor,

Por um caos enternecido.

(9)

A estrela-mulher feita

Adornou a sua testa

Com as flores lactosas

Das galáxias em festa

Recolheu-se a um canto

Pra tirar a sua sesta

(10)

Bem longe da proteção

Daquele que lhe criou

Ela descansava leve

Quando o Vento a rondou:

Sinto falta duma estrela

Acho que Ele roubou!

(11)

Amaldiçoada seja,

Tua cria ao nascer!

Vejo brilho no teu rastro!

És estrela, posso ver!

No Mundo que vai chegar

Vis desgraças hão de ter!

(12)

O Senhor ao escutar

Acudiu em seu favor

Fez do Vento simples brisa

Pra soprar quando calor

Acalmou a prenha-astral

E beijou-lhe com amor.

(13)

[Aliás, o sentimento

Que acabo de citar

Foi apenas nomeado

Muito tempo após chegar

A tão esperada cria

Como logo vou narrar...]

(14)

O feto desenvolveu-se,

Era grande e saudável,

Tão redondo e pulsante!

E a mãe de tato afável

Acarinhava a barriga

De maneira muito amável

(15)

De repente houve um estrondo

A mulher soltou um grito...

Uma água caudalosa

Pingou do ventre contrito

Cheia de sal e de vidas

(Eis o Mar aqui descrito)

(16)

Logo após a enxurrada

veio então a dor imensa

pois o sólido doía

de maneira muito intensa

a mulher acocorou

fez dos braços uma prensa

(17)

[uma música ao longe

começou-se a escutar...

canto lúdico entoado

uma flauta a tocar

o Senhor entrou em transe

começando a meditar]

(18)

E ao mesmíssimo tempo

que a mulher empurrava

quanto mais forte a dor

mas a música aumentava!

E uma ponta de luz

do seu sexo emanava.

(19)

Finalmente um grito mudo.

Era um “ai” do coração

Uma gota de suor

Gotejou na imensidão

E o Mundo foi expulso

Com enorme profusão...

(20)

As cores se misturavam

Água e terra se fundiam

Com o fogo e o ar

As vidas verdes cresciam

Do mar apontavam bípedes

Caminhantes, que caminham

(21)

A mulher aliviada

Ali mesmo adormeceu

Com o peito apertado

Que nem ela entendeu

Queria afagar o Mundo

Tê-lo sempre ao lado seu

(22)

Era o Amor que ali nascia

Com tamanha intensidade

Aliou-se à Alegria,

Ao Respeito, à Verdade,

Ao Carinho, ao Cuidado,

Calma e Serenidade.

(23)

Aliou-se às Virtudes

Que em verdade brotavam

Dos seios da Mãe do Mundo

(e) as bocas dele sugavam

o Leite cheio de Bem

e assim se saciavam

(24)

O Senhor , pra terminar

sua imensa aquarela

fez com a ponta do dedo

mais uns pontos nessa tela

fez o Sol, astro maior

bola de fogo-amarela

(25)

E assim o Mundo segue

com o Mal e com o Bem

pois a maldição do Vento

fez-se fato aqui também

mesmo que sua mãe vele

a tristeza vive aquém

(26)

Brisa negra ainda sopra

dentro do ouvido humano

empoeira corações

e sobre a paz joga um pano

faz a guerra olho a olho,

Dente a dente, mano a mano.

(27)

Quase ao fim, urge lembrar

O Mundo é bom em essência

Fruto de vontade pura

Colorindo a existência

Foi nutrido com o líquido

Da bondade em excelência

(28)

Há desgraças é verdade

Mas há muita alegria

Seus filhos conhecem dor

Mas o Amor em primazia

Reina no fundo do ser

Em cada um, cada dia.

(29)

À mulher que aqui me pôs

Dedico essa poesia

Ela em muito se parece

Com a mãe que eu descrevia

Fato é feita da brancura

Do Leite que escorria.


(30)

Com ele me amamentou

Me cuidou, me fez sorrir

Fez chorar e fez calar,

Levantar após cair

Me mostrou o alicerce

Para a vida construir.

(31)

Já vou acabando então

Versando assim o que sinto

*Entrou na boca do pato
Saiu na boca do pinto

Pra terminar quem quiser

Se vire e conte mais cinco!

MARIANE BIGIO NASCIMENTO – A poeta pernambucana Mariane Bigio Nascimento faz parte da UNICORDEL e do Vozes Femininas, ao lado de Cida Pedrosa, Silvana Menezes e Susana Morais. É estudante de Rádio e TV da UFPE e edita o blog/programete Pois é, Poesia que é transmitido todas as sextas-feiras, por volta das 8:30h da manhã pela Rádio Universitária FM, durante o "O Som do Brasil", um espaço para a divulgação da produção poética, com a leitura de versos e informações sobre os autores.

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