quarta-feira, janeiro 02, 2008

CRONIQUETA



Foto: Pedro Cabral Filho

O SOL NASCE PARA TODOS

Luiz Alberto Machado

O sol contempla todas as manhãs no maior exemplo de justiça que se possa imaginar. É assim como eu vejo, este é o meu olhar. E mesmo que leve oito minutos e meio para nos tocar a pele brozeando nossa vida, o disco alado, indiscriminadamente, reluz para brancos, pretos, cafusos, mamelucos, crioulos, mulatos, arianos, caboclos, mongóis, germanos, multicor ou descoloridos. Seja o que for: católico, batista, pentecostal, confucionista, judeu, quackers, budistas, anti-semitas, ateus. Seja que gênero, até homo, hetero, trans, hermafrodita ou assexuado. Seja ou não flamenguista ou de que time for. Ou, ainda, iconoclasta. Seja, enfim, afortunado, pobre, emergente burgüês, desafortunado ou estornado miserável. O que me deixa por lição é que seu fulgir encarna o privilégio de constatar a maior e mais verdadeira liberdade, isso porque, seja através do prisma de Newton ou das citações da Cidade de Campanela, aprendemos que "o amor à coisa pública aumenta na medida em que se renuncia ao interesse particular... ninguém deve apropriar-se das partes que cabe aos outros". E mesmo sob as situações mais adversas, deveríamos ter com o etério brilhante a mesma atitude de Manco Capac, o inca primeiro que abriu os olhos e inquiriu das criaturas da ignomínia o que esperavam da vileza, quando o sol dava vida para serviço dos homens e vegetais do mundo. Ou como os Maias e a bela lição de modéstia do vigoroso astro, confirmando ser o ser humano subalterno e acidental, vez que em suas fábulas pregam que se se nasce de noite, só se realiza ao alvorecer.
Irradiante, pois, nos ensina que os deuses são matinais para honrar a alma, indo, com sua majestade, do oriente ao ocidente a caminho da constelação de Lira. E eu, curaca silente, tiro minhas sandálias para sentir o chão, voltado para o leste, aplaudindo o espetáculo dos clarões da aurora dourando a vida de todos. Beijo, na catarse do momento, os primeiros raios e os guardo no meu relicário para entregá-los às mãos puras que "contemplam-no como a imagem de Deus, chamam-no de excelso rosto do Onipotente, estátua viva, fonte de toda luz, calor, vida e felicidade de todas as coisas". Sigo pelas supremas hierofanias solares colhendo no Livro dos Mortos: "o ontem me criou. Eis hoje. Eu crio amanhãs".

© Luiz Alberto Machado. Direitos reservados.

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