quarta-feira, janeiro 23, 2008

WILLIAM BLAKE



ANO NOVO

Som de flauta,
Não emudecei!
Noite e dia,
As aves se delitam.
O rouxinol, pelos campos,
E, no céu, o beija-flor,
Saúdam o Ano que chega.
Meninos contentes.
Meninas doces e pequenas.
O galo canta,
E o acompanhais,
Vozes felizes,
Sussurro de criança,
Alegremente,
Saúdam o Ano que chega.
Cordeirinho, aqui estou!
Vem me lamber,
Deixa-me puxar
Tua lã macia.
Deixa-me beijar
Tua face meiga,
Pois, alegremente,
Saudamos o Ano que chegou.

-*-

A VOZ DO POETA

Escutai a voz do poeta!
Ele vê o presente, o passado
E o futuro. Os ouvidos seus
Ouviram de Deus, que, através
Do pomar, por ele o chamava:
Cego de lágrimas, no orvalho,
Pra que a fria chama da razão
Podando, ao amor retornasse.
As alturas por ti esperam;
As névoas do mal se foram,
E, sobre o sono benigno
Da manhã, se ergue o brilho.
Companheiro, não te percas;
O domo radiante dos astros,
O espelho d´água a refleti-los
De luz em luz são tua presença.

-*-

O MENINO TRISTEZA

Chorava meu pai, minha mãe gemia,
Quando ao perigo do mundo saltei,
Sem ajuda, gritando alto e despido,
Como pobre jogado a seu destino.

Nas mãos de meu pai lutando,
Em pano envolto me debatendo
Pensei que bem melhor seria
Continuar na mãe que me paria.

-*-

A MENINA PERDIDA

Jovens do tempo futuro,
Ao lerdes esta canção,
Ficai sabendo: outrora
Do amor foi dito imoral.
Durante o vosso tempo,
Nus e banhados ao sol,
Brilhem, à luz eterna,
A juventude e a pureza.
Certo dia, dois amantes,
Se encontraram num pomar,
Onde a claridade removera
Da noite a cortina escura.
Por sobre a relva giravam,
Os pais ao largo se fizeram,
Estranhos não se achegavam,
E seus temores ela esquecia.
Ao pai a bela se dirige,
Mas seu olhar reprovador
Abalou, qual vendaval,
Tudo o que nela era puro.
“Ó sinistro cuidado
que fazeis esvoaçar
as flores de meu cabelo!”
pálida e abatida brada.

-*-

O COMANDO DOS POETAS

Vinde! Que toda a malícia,
Guerra e desconfiança
Do coração desistiram.
A estupidez foi labirinto
Infindável, com lianas ao longo.
E tão-somente pra tombar,
Por ali se adentraram
Os que tropeçavam toda a noite
Sobre os ossos dos mortos,
Desejando o que ignoravam,
E pensando nos comandar
Quando deviam nos seguir.

-*-

A REAL IMAGEM DO HOMEM

Tem coração humano a maldade,
E o ciúme rouba-lhe a face.
O terror possui forma de gente,
E a morte, trajes de homem.
As vestimentas humanas são de ferro,
E, em forja, manufaturada sua forma.
A face humana, uma fornalha fechada,
E o coração, a sua garganta faminta.

BLAKE, William. Canções da inocência e da experiência. Tradução de Antonio de Campos. Palmares: Bagaço/Fundação Casa da Cultura Hermilo Borba Filho, 1987.

William Blake (1757-1827) foi poeta, pintor, músico, místico e revolucionário inglês, precursor de Marx, Freud, Einstein e Marcuse, entre outros, defensor do amor livre, inimigo do preconceito de cor, autodidata. Ao morrer, foi enterrado numa cova não assinalada no cemitério de Bunhill Fields, Londres. Sobre esta tradução de Antonio de Campos, diz o crítico inglês, John Dewhurst: “(...) Visionário possuidor de pensamento com envergadura imorredora, admirável paradoxo de cristão, democrata das esperanças sociais, William Blake, no canto novo e na voz do poeta Antonio de Campos, nos convida à re-invenção de nossa própria humanidade”. O tradutor Antonio de Campos assim se expressa: “(...) O anjo se manifestou através do balido do cordeiro e do bramido do tigre do mesmo modo que outrora falara pela boca da jumenta de Balaão. Deus, ao longo da História, tem escolhido animais e homens mais nobres para entregar a sua mensagem. William Blake foi um deles. Vamos ouvi-lo”.

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