quinta-feira, janeiro 10, 2008
RENATA PALLOTTINI
O JOGO DA PACIÊNCIA
I
Deixaste como herança o jogo da paciência
Vermelho e negro e no vermelho e negro
O sexo e a solidão tua fúria e tristeza
Organizadas sobre a mesa
Organizado sobre a cama o corpo
De pulsação particular teu rosto
Faminto quente a tua boca densa
Ensinando à minha boca o jogo da veemência
Vermelho e negro e no vermelho e negro
O sexo e a solidão tua altivez de chama
Acesa sobre a cama
Paciência paciência inútil jogo
De incompleta beleza um pouco de óleo
Para o ungido do peito e semente do solo
Que quando pus as cartas (uma e outra)
Com minha própria mão armei dois polos.
-*-
O TRATO
Era assim meu afeto
E assim é que o conservo;
Maduro na lembrança
E secreto e severo.
Não o pus (minha boca
Altiva) em gesto ou voz;
Meu sol no entanto era
Muito mais sol.
Não o soubeste, e agora
Se sabes, não te dói.
Se sabes, não te move,
Dizes, e em ti não passou.
Não importa; do trato
Não fui eu quem faltou.
Meu caminho foi feito;
Guai de quem não amou.
-*-
SURREALISTA
Em tua boca não há palavras para mim
Não obstante o teu amor (e nele creio).
Vives um mundo exato; e eu tropeço
Nos dias e nos medos.
Vou me virar pra dentro, como um fruto
Depois da flor; e me como a mim mesma.
Vou subir pelo tronco, parasita,
Vou cair no poema.
Vou voar pelas asas marinheiras
De mil e uma, mil e duas borboletas.
Ah, vou emudecer solenemente e em verso,
Ah, vou me suicidar como Santos Dumont.
Quando me procurares, meu amor,
Verás no meu lugar a casaca da libélula
E um fio de cabelo “ton sur ton”.
-*-
DECLARAÇÃO DE ÚLTIMA VONTADE
Quando eu estiver pra morrer
Levem-me depressa a Madrid,
Avisem Juan Carlos e Sofia
E preparem o Teatro Real.
Flores vermelhas e amarelas,
Tapetes pendurados nas janelas
E os reis – tão acertados, tão repousantes.
Tanto, a essa altura, já será vitoriosa
A revolução socialista...
Por que não posso morrer monárquica?
Por que não posso me enterrar antiga?
É um velho desejo, um conflito insopitado.
Levem-me para a Praça Isabel Segunda
(antes, Praça da Ópera)
e deixem que o povo venha vender castanhas no meu enterro
- esse povo, para sempre dividido
entre a revolta e o amor ibérico às bandeiras.
Mas se alguém me quiser ainda viva
Pra responder por malfeitos
Ou retribuir um beijo
Bastará que ordene à banda para atacar “La Revoltosa”.
Em dez segundo estarei de pé
Com um cravo na orelha
E um touro vivo no coração.
-*-
POÉTICA PARA O POVO
Eu me proponho escrever o Poema
Eu te convoco e peço uma pena
Prometo dar o sangue
Se deres a palavra
Prometo dar à luz
Se me deres a alma
Prometo dar um grito
Se me ferires a faca
De tudo isso há de sair o Poema
Palavra, sangue e faca
Um riso na garganta, uma exigência
De espaço.
A poeta, escritora, dramaturga, ensaísta e tradutora paulista, Renata Pallottini fez Filosofia na PUC e Direito na USP, estudos de teatro na Sorbonne Nouvelle e na Escola de Arte Dramática – EAD, se doutorando pela Escola de Comunicações e Artes – ECA/ISP. Ela é autora, dentre outras peças, de Pedro Pedreiro que tem música de Chico Buarque. Apesar de intensa atividade no teatro, na TV, como professora e em atividades administrativas ou políticas, é na poesia que Renata Pallottini encontra seu chão mais rico e fecundo. Os poemas aqui selecionados fazem parte do seu livro “Noite Afora”.
PALLOTTINI, Renata. Noite afora. São Paulo: Brasiliense, 1978.
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