quarta-feira, julho 02, 2008

POETAS DE SANTA CATARINA



JAIRO MARTINS

SABIÁ

Canta sabiá do bom agouro
Que teu canto é logradouro
Pra expiar as minhas mágoas.
Canta sabiá que é vindouro
No teu canto um rio de ouro
Em teu trinado ricas águas.
Canta sabiá o trilo agreste
Enquanto a mata se reveste
Em tom alegre musical.
Canta sabiá que já me deste
O doce gosto tão silvestre
Vem cantar no meu quintal.
Canta sabiá preta plumagem
Que a vida é uma viagem
Toda feita de beleza.
Canta sabiá nessa paisagem
O teu canto é de passagem
E guardarei sua riqueza.
Canta sabiá uma vez mais
Que aqui serei capaz
De aprender a cantoria.
Canta sabiá manhãs florais
Que teu canto é de paz
E eu só quero harmonia.
Canta sabiá na minha eira
Melodia tão fagueira
Que eu só quero escutar
Canta sabiá na mata inteira
O teu canto é de primeira
E eu até quero voar

META CEGA

Prego um ponto de vista
e nem sei quem é que avista,
mas até dou uma pista:
não é longe, não se dista.
Dele sei que eu não mudo,
posso até ser bem sisudo,
mas aqui há bom estudo
para donos de canudo.
Não há meio nem há forma
e o recheio se transforma
n’aura e brilho que nos orna.
O que se ouviu, aqui se torna.
Não se entorta o que não torre,
não importa se é de porre.
Quem se comporta, luta e morre
Abre a porta só quem corre.
Continua esta oração,
desnudando a compreensão,
dando estímulo à razão
e também à conclusão.
Continua deste ponto,
como se ele fosse um conto.
Lido deixa a gente tonto,
pronto a mais um novo apronto.
Desde o sul até o norte,
passo a passo bem mais forte,
lado a lado com a sorte,
sem jamais temer a morte.
Vale mais o velho idílio
deste trem já no seu trilho.
Enquanto segue ganha brilho
nesta estrada o andarilho.


FREIRA LINDA DO TESÃO
(das “viagens de bicicleta” com o “causo” como intróito do poema.)

Belo dia um viajante em bicicleta
recostou-se na relva à beira d’estrada
e foi janela escancarada pro poeta:
dentro ela do convento com sorriso,
e seu olhar no momento mais preciso.
No capim que se deitava pleno ao vento,
cansaço acomodava o aventureiro.
Lá da masmorra lhe sorria um alento:
A FREIRA LINDA, assim cantada por inteiro:

No espaço do teu mundo um abraço vagabundo
Vai a fundo como flecha que é do arco lá da velha.
Olha é fogo essa centelha, abre e fecha de janela,
Da faísca dum sorriso já mordi os dentes dela...
O espaço é tão profundo que não cabe neste mundo
Dei adeus ao vagabundo, na estrada eu e ela.
Falta pouco, olha a hora que já quase não dá tempo,
Mata a fome, ó senhora, antes que passe o momento.
Se você disser que não, já machuca o coração
E peço aqui num só lamento:
Tira, tira minha batina, não me meta em sabatina,
Tira, tira esse hábito, que te cubro com meu hálito,
Saia, saia do convento!
Quero ver a ventania, vai bater lá na colina.
Vem pra cá em correria, vem brincar nessa bolina.
Deita, deita no capim c’uma boca a dizer não
Outra louca a dizer sim, a me chamar de garanhão.


(título)
FACES DE EVA
FASES DE EVA
FÁCEIS DE EVA
FOSSAS DE EVA
FODAS DE EVA

Eva deu-se e Evadiu-se.
Eva deusa é vadia.
Eva nasceu e Evanesceu.
Eva pariu e Evaporou.
Eva angélica Evangélica
É vazia e Evasiva.
Eva deu de maçã, de tarde e de noite.
Três vezes, EVA? TREVAS!
Evas dão.
Ah... Dão!
Adão? Ah! Não!
Anão?
A não ser filho de Eva...

PRÁS MAMÃES

Remetente: semente ao vento
Destinatário: terra fecunda
Filho de mãe,
irmão de irmã,
tio de sobrinha,
sobrinho de tia,
pai de filho e de filha,
neto de avó,
amigo de amigas,
vizinho de vizinhas,
marido de mulheres,
apenas homem,
plantador de vidas...
É preciso conhecer,
numa outra encarnação talvez,
o que é esse coração?!
Pulsa num corpo
capaz de afastar
os próprios órgãos de lugar
para gerar vida!
Isso é o que faz a mãe querida!

TÍTULO DE UM POEMA À RUA XV DE NOVEMBRO - Blumenau

Dum vivente em Blumenau
caminhando por ruas de flores,
onde dores tão coloridas
quanto perfeitos amores,
pétalas da vida deitadas
nos canteiros da cidade.
Essa rua rói rainhas!
Quando daqui me flor,
sacarão dumas bainhas
facas de amor,
poços de raízes
nas calçadas alagadas
brotando matizes
da enchente poesia nessa gente
caminhando descalça na XV .

MASSA

Joguei fiel na loteria dia a dia,
desde início, banca me traía.
Amassei diabo pra comer pão,
depois cuspir flor.
Borbulha de catarro
nossos sonhos mais caros,
mais caos no barro,
janela de espinhos
na singela dor.

Temo balas perdidas,
também belas perfídias.
Porque outros dizem:
Temos belas perdidas,
temos balas perfídias...
Mas me atiro nas estradas
e o desatino das baladas
já não dá mais nada!
Necessárias balas achadas
e belas enxadas
nesse tiro de carpir a vida.
Só se vê alma ferida,
morta por bala perdida,
apelido de vida perfídia.

“ESPERANTRO”

Entra no antro, adentra ao espanto!
Medro no edro, por fora nem tanto.
Odre no coldre, um gole acalanto.
Estro de pedra, mas aflora no canto.
Acre de cobre, o sal do santo.
Podre e pobre, o caldo ferve.
Potro é padre, ofende a verve.
A pátria de Petrus não serve.

IDADE DA PEDRA

Todas as flechas
arqueiam perante o arco-íris.
Todas as metas
se confundem no espaço sideral.
Todos os poetas
já disseram o que dizes
e todos os anjos
já foram de Neanderthal.
Resta uma fresta fronte à testa
pronta para a festa.
Mas esta divisão
requer um pouco de visão.
Mesmo que contes àlguem
que te conto isto,
nem soma na conta disto,
pois quebrar crânios é fácil,
difícil encontrar sementes...

ÂNSIA DE AMAR

Mesmo que seja uma ânsia esperar por ti,
ansiarei.
Mesmo que seja viver na saudade,
aguardarei.
Porque é melhor sentir tua falta
do que nada sentir.
Porque é melhor esperar
do que viver desesperado.
Porque é melhor amar um sonho
do que não tê-lo sonhado.
Porque é melhor amar e não ter,
do que não amar o que se tem.
Porque é melhor te ver um só dia em cada cem
do que não existires em nenhum dos meus dias.
Porque é melhor contar nos dedos as alegrias
do que viver carregando um punhado de tristezas.
Porque são melhores as belezas dos instantes
do que dias constantes sem esperar ninguém.
Porque é melhor viver em ânsias
do que a morte de não ter anseios.
Porque é melhor ter o amor dentro de si
do que de amar não ter meios.
Porque é melhor saber-se vivo sonhando contigo,
do que viver o castigo de não te sonhar.

ASSOBIO

Um som que vem de longe
Que eu conheço muito bem,
O assobio de um monge
E assobiando ele vem.
Desde o alto das montanhas
Bem ao fundo das entranhas,
Desde o tempo mais remoto
A um futuro que nem noto.

Um som que é tão insólito,
Quem ouvir que ouça bem,
Muçulmano ou católico,
Ou toda seita que se tem:
Siga aquele assobio
O doente e o sadio.
Ele tem somente um tom,
Encanta o mau, encanta o bom.
Som agudo que não cessa,
Bem polpudo na promessa.
Não acaba nem começa,
Mas é alto e bom à beça.
Vem salvando este silvo,
O soldado, o sol e o soldo.
Sopra mesmo como um silfo
Bem em cima do seu toldo.
Um assobio de magia,
A saúde é que assobia,
Mas seu tom de alegria
Qualquer um precisaria.
Preste bem sua atenção
A este monge e o assobio:
Não os siga como um cão,
Mas com eles faça trio.
Sempre passa este monge,
Canta sempre este assobio.
Não importa perto ou longe,
Mas lhe importa quem ouviu.

JAIRO MARTINS- Jairo Martins nasceu em Porto Alegre - RS, mas está radicado em Blumenau – SC desde a infância. É poeta com formação em Operador Psíquico pelo Instituto de Parapsicoientologia – Laredo – Texas, vários estudos autodidatas sobre psicologia, parapsicologia, ocultismo, filosofia, nutricionismo, artes marciais e xadrez, amante incondicional da natureza e da música. Foi Presidente da Sociedade Escritores de Blumenau no ano de 2003. Foi editor/redator chefe do jornal interno da Embratel em Santa Catarina de 1996 a 1998. Trabalha também como revisor de textos, tendo prestado serviços à Secretaria de Educação da Prefeitura Municipal de Gaspar, Editora Nova Letra, Editora Hemisfério Sul, HB Editora, Prevew Publicidades, Jornal da União Brasileira de Escritores, e diversos particulares. É autor dos livros O ARAUTO (1998), ORAÇÕES E REVELAÇÕES (2001) e ÚLTIMA MULHER (2001), além de muitos outros inéditos e participado de diversas antologias.

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