terça-feira, abril 15, 2008

POETAS DO RIO DE JANEIRO



ELAINE PAUVOLID

CONCUBINA DE DEUS

Besta e cega correu muito.
Estava nua e os longos cabelos voavam atrás de si.
Diziam: “está com o demônio!”
E não estava.
Deus a colheu para junto de si
E a fez sua gigantesca concubina,
A cor era sépia:
Os cabelos, laranja;
Os olhos, verdes;
O corpo, enorme e liso.
Sobre ele, véus azuis.

DEUS

Já faz tempo que desacreditei em Deus.
No entanto, nunca esteve tão longe
Como só o que existe pode estar.
E por assim ter a distância,
Abre-me dele a falta ao peito.
Sei de explicações psicológicas, antropológicas,
Li Levis Strauss,
Mas o encanto faz-me viva
Deus não será isso mesmo,
Nossos espíritos imaginando:

ABRA A SUA BOCA

Abra a sua boca
E veja nela
Os dentes roxos.
Perplexos, salientam-se.
Quero correr que nem eles:
Bem para fora e rápido!
Mas não dá.
Onde estou
Não existe fora.

NÃO LHE PEDI NADA

Não lhe pedi nada,
Nem que foste comigo,
Nada.
Permaneço nesta cadeira de madeira, planando.
Enxuga teus olhos destas lágrimas.
Enxuga teus olhos destas mágoas.
Queres meu lenço mágico?

SOLIDÃO

Não sei dizer desta solidão
Arrastada entre quatro paredes.
A outra perambula assustada.
Um cão filhote,
Desconhecendo tudo
Que não seja morte.

DEPOIS

As melhores dicas virão depois.
Esteja certo disso.

LÁPIDE

Tenho olhos que me cegam,
Mãos que me pregam,
Roupas sufocantes,
Dedos que não tocam,
Amigos que não vejo,
Paixões que a alma não comporta.
Quem dera ser firme a porta...

ESCREVER

São poemas o que tenho a lhe dizer.
Espero que me compreenda.
Ou se não compreender,
Espero apenas
Um poema incompreendido por você.

VENTRE E CORTE

Laça-me a dor,
Atira-me ao exterior,
Destrói projeto anterior.
Intercepta faca, corte agudo, inferior.
Faz-me cair de joelhos
Sobre os pedaços de espelho.
Aterrador!
Verbo vermelho,
Final quem me circunda,
Cruzando, bem mais assemelhado,
A dor imunda, que inspiro feito água fria
Sendo a mesma brasa que sofria
O ventre calmo que a mim inunda.

Á SOLEIRA DA PORTA

Não sei do fado
Deixo-o sem glória e saio.
Piso na vida com tal zelo
Que não nego os que me chegam
Nem tampouco me cegam ódio e medo.
Contraditória e calma
Varro a soleira da porta
Pensando nos meus erros,
Com humildade caseira
E plenitude idólatra.

PALAVRA

Para lavrar a terra
É preciso palavra.
Para colher sementes
É preciso a palavra.
Para ter amor, deve-se saber palavra.
Para ter quimera é só dizer: palavra.
Ela vira um mundo, uma vaga;
O que quiser que ela traga.
Mas, o dinheiro, meu senhor,
Este nunca paga
A chama que é palavra.

DOS MORTOS

Certos enterros são concertos.
O morto vai distante,
Em forma intangível, em nós se encerra.
No concreto
Que o coveiro sobre a morte acerta,
Vamo-nos um pouco
Em nossas pétalas.

ALÉM DA REALIDADE TANGÍVEL

Sou reflexo do olhar
Por onde vejo.

ESPADAS

Meus livros são espadas exangues.
Imaculadas enquanto não lidas
As espadas querem abrir-te.
Habitue-se, amigo.
Habite-me.

INFÂNCIA COMPARTILHADA

A infância de meu pai foi também a minha.
Contou-me aventuras que até hoje minha alma aninha.
Gringo era o apelido da criança esguia –
Pensei ser russo até outro dia.
De camisa sempre aberta
Short e sapatos da escola muito gastos.
Subia cada esquina à procura da pipa
Cuja linha trazia envolta aos braços
Lassa e vasta como é a vida
Como são as lembranças
Como são todas as crianças.

ELAINE PAUVOLID – A poeta, ensaísta freelancer e psicóloga carioca Elaine Pauvolid estreou em 1998 organizando vários recitais e com dois livros de poemas já publicados. Ela possui mestrado incompleto em Ciência da Arte pela Universidade Federal Fluminense e é editora da revista eletrônica de cultura Aliás. Os poemas selecionados foram retirados da antologia "Rios" editada pla Ibis Libris, em 2003.

FONTE:
PAUVOLID, Elaine et al. Rios. Rio de Janeiro: Ibis Libris, 2003.

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